Condenado por estupros em série, ex-marido de Gisèle Pelicot não recorrerá de sentença de 20 anos de prisão
No caso que chocou a França, Dominique Pelicot diz querer poupar a ex-esposa de um novo julgamento
Condenado a 20 anos pela Justiça francesa, Dominique Pelicot, o homem que passou uma década dopando sua então esposa, Gisèle Pelicot, e convidando outros homens a estuprá-la, não irá recorrer da sentença, anunciou sua advogada nesta segunda-feira, 30.
"Dominique Pelicot tomou a decisão de não recorrer da sentença proferida pelo tribunal", disse a advogada Béatrice Zavarro à emissora France Info. Um recurso "obrigaria Gisèle a um novo calvário, a novos confrontos, que Dominique Pelicot recusa", acrescentou, sublinhando que para o homem, de 72 anos, "é hora de pôr fim ao processo judicial".
Em 19 de dezembro, Dominique foi considerado culpado por estupro com agravantes e por gravar e distribuir imagens das violações. A pena de 20 anos é a máxima para esse tipo de caso no país. Dominique também foi considerado culpado por gravar imagens sexuais de sua filha e de suas duas noras.
Aos 72 anos, Dominique deve passar o resto de sua vida na prisão. Ele precisa cumprir dois terços da pena para poder solicitar liberdade condicional.
17 réus já apresentaram recursos
Nesta segunda, termina o prazo para os réus apresentarem recursos. Além de Dominique, outros 50 réus foram julgados, e 47 foram considerados culpados de estupro. Outros dois foram declarados culpados de tentativa de estupro e dois por agressão sexual. Um dos réus está foragido e foi julgado à revelia.
Entre os que foram julgados estava um homem que não estuprou Gisèle Pelicot, mas foi acusado de abusar sexualmente repetidamente sua própria esposa com a ajuda de Dominique Pelicot, sendo apelidado de "discípulo" de Dominique durante o julgamento.
Aos réus, o tribunal proferiu penas que vão desde três anos de prisão, sendo dois com liberdade condicional, a até 20 anos de detenção, a pena máxima imposta a Dominique. Quatro acusados foram condenados a 5 anos de prisão, parcialmente suspensos, por estupro ou tentativa de tentativa. O "discípulo" de Dominique foi condenado a 12 anos de prisão. E um acusado de estuprar Gisèle em seis ocasiões foi condenado a 15 anos de detenção.
Segundo Zavarro, entre os outros 50 réus, 17 deles já apresentaram recursos e vão recorrer da decisão.
Após o anúncio da sentença em 19 de dezembro em Avignon, um dos advogados de Gisèle Pelicot afirmou que ela não teme um novo julgamento. "Se isso acontecesse, ela já nos indicou que enfrentaria novamente. Se ela estiver com saúde obviamente, pois ela é agora uma senhora de 72 anos", disse o advogado Stephane Babonneau.
O caso
Os estupros contra Gisèle Pelicot ocorrem entre 2011 e 2020. Dominique regularmente colocava a esposa, com quem foi casado por 50 anos, em estado de inconsciência com doses elevadas de ansiolíticos. Em seguida, convidava homens desconhecidos, recrutados em fóruns na internet, a vir à sua residência na cidade de Mazan, a estuprar sua esposa inconsciente. Dominique ainda filmava e fotografava as violações. Ao todo, quase 200 estupros foram registrados.
Foram esses vídeos e fotos que levaram à identificação de mais de 50 homens, entre 26 e 74 anos. Outros 22 não puderam ser identificados pelos investigadores. Todos os 50 moram ou moravam em cidades e vilarejos num raio de 50 quilômetros de Mazan. O perfil variado dos agressores, que incluem motoristas de caminhão, um especialista em TI, seguranças e um jornalista levou a imprensa francesa a apontar que eles representavam um microcosmo da sociedade do país, que os designou como Monsieur-Tout-Le-Monde ("Sr. Todo Mundo" em tradução livre).
O esquema monstruoso de Dominique só foi revelado em 2020, quando ele foi preso por filmar mulheres por baixo das saias num supermercado na cidade de Carpentras. Posteriormente, investigadores que vasculharam a casa dele encontraram num disco rígido com centenas de vídeos e fotos que ele havia feito durante as sessões de abuso sexual de sua esposa. Também foram descobertas fotos que Dominique havia tirado secretamente da sua filha e duas noras quando elas estavam nuas.
Ao longo de todo o processo, Gisèle Pelicot tornou-se um ícone feminista global ao decidir tornar público este julgamento e assistir às sessões com o rosto descoberto "para que a vergonha possa mudar de lado".
cn (AP, AFP, Lusa)