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Copa da Rússia: tranquilidade por decreto

15 jun 2018 - 09h46
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Há mais de um ano, um decreto extraordinário de Putin intensifica as medidas de segurança para o evento, que incluem uma série de restrições: desde o consumo de álcool à liberdade de manifestação.Bandeiras vermelhas e azuis da Fifa agitam-se ao vento por toda Moscou. Algumas desejam "Dobro pozhalovat" - "bem-vindos". A capital russa parece que foi escovada e lavada, de tão limpa.

Volgogrado dá boas-vindas aos torcedores: ao todo 11 cidades acolherão os jogos do Mundial 2018
Volgogrado dá boas-vindas aos torcedores: ao todo 11 cidades acolherão os jogos do Mundial 2018
Foto: DW / Deutsche Welle

Por todo o país, 11 cidades esperam pelos fãs do futebol para um torneio em que a distância máxima entre duas sedes dos jogos é de mirabolantes 2.424 quilômetros. Até mesmo o estádio de Samara, às margens do rio Volga, está agora concluído, após atrasos e orçamentos estourados - e com grama importada da Alemanha.

Visto de fora, contudo, visitar a Rússia nem sempre parece uma perspectiva simpática. Politicamente, nos últimos anos ela está em choque com o Ocidente; hackers russos continuam a fazer manchetes; há leis discriminatórias contra a comunidade LGBT, em favor dos assim chamados "valores familiares".

Em relação aos torcedores locais, escutam-se relatos de cantos racistas nas partidas, e estão ainda vivos na memória os confrontos entre hooligans russos e ingleses na Eurocopa 2016, na França.

Como evidenciam as palavras do presidente Vladimir Putin, para o país a competição é a chance de apresentar um novo rosto ao mundo: "Eu gostaria que a Copa do Mundo 2018 fosse uma celebração para todos os que amam os esportes, para os jogadores e para nossos hóspedes".

Em meio a todas as promessas e manchetes, eis uma panorâmica do que os torcedores de todo o mundo podem realmente esperar do Mundial 2018 em termos de segurança.

Lei extraordinária

O time russo pode não ser uma aposta segura na competição, mas as autoridades insistem que a segurança está garantida. Já em maio de 2017, um decreto presidencial extraordinário detalhava "medidas de segurança intensificada", tanto para a Copa das Confederações como para o atual Mundial.

Na prática, as medidas incluem uma longa lista de restrições, desde o comércio de armas e substâncias químicas perigosas, até a venda e consumo de álcool. Em certos bairros da capital, vigorará a lei seca durante a Copa do Mundo.

Por um período de dois meses, todas as manifestações e eventos públicos nas cidades-sede que não sejam diretamente relacionados ao futebol dependerão não só da autorização das autoridades locais e da polícia, como de costume, mas também do Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (FSB).

Haverá ainda controles reforçados nas estações ferroviárias, aeroportos e metrô. Tanto cidadãos russos como estrangeiros viajando na Rússia terão um prazo bem mais curto do que o usual para se registrarem junto ao Ministério do Interior, ao chegar em qualquer cidade.

Cooperação em questão

As autoridades russas insistem que a segurança no Mundial de Futebol é uma tarefa conjunta. Numa coletiva de imprensa oficial da Fifa, Aleksei Lavrishchev, vice-diretor do serviço secreto FSB, frisou que "nenhuma agência pode garantir sozinha a segurança de um evento como este".

Ele está encarregado do centro de comando interministerial, criado por decreto presidencial em 2016, incluindo representantes das pastas do Interior, Exterior, Defesa e Esportes. Uma grande gama de forças segurança oficiais trabalhará lado a lado com a polícia, complementadas por companhias de segurança privadas contratadas pelo Comitê Organizador russo e pela Fifa.

Lavrishchev destacou que as medidas de segurança adotadas pela Rússia são "sem precedentes", mas também se baseiam na experiência nacional e internacional com eventos de grande escala, inclusive os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, na cidade russa de Sochi. Anos de preparação asseguram que o país está pronto para "antecipar e interceptar qualquer tipo de ameaças à segurança, independente de onde venham", afirmou.

Hackers à vista?

As advertências oficiais parecem incluir o perigo de ciberataques, os quais, segundo o especialista Oleg Demidov da ONG de pesquisa russa PIR Center, são "sempre um risco". "No entanto a Rússia está levando bastante a sério a organização da Copa do Mundo, e medidas separadas estão sendo tomadas para garantir a segurança informática e cibernética", observou.

Embora as autoridades enfatizem que haverá alto nível de cooperação internacional entre as agências de segurança e a polícia, Demidov acredita que o atual "colapso da confiança internacional" poderá comprometer a eficácia dos esforços para coibir as ameaças virtuais.

"O governo russo é certamente capaz de revidar um ataque e minimizar os efeitos para usuários, cidadãos e espectadores da Copa do Mundo. Mas sempre há a questão de investigar um atentado, e isso geralmente exige cooperação transnacional."

Perigo nas arquibancadas

A própria torcida russa é, sem dúvida, um fator a considerar quando se trata de segurança interna. Vem à mente, por exemplo, a violência no Campeonato da Uefa em 2016, quando 150 hooligans do país travaram uma batalha campal com adversários ingleses, em Marselha.

Entre as medidas antecipando o atual torneio, as forças de segurança da Rússia adotaram uma política de dar nomes aos bois e envergonhar publicamente os torcedores violentos. Desde os incidentes de dois anos atrás, mantém-se uma lista negra dos que estão proibidos de frequentar as partidas. Dois meses antes da Copa, ela incluía mais de 450 nomes.

Além disso, as autoridades exigem que todos portadores de ingressos para o Mundial apresentem o Fifa Fan ID, como outra forma de controlar quem entra nos estádios. Para Andrei Chernyenko, alto funcionário do Ministério de Comunicação e Mídia de Massa, "o Fan ID é uma das mais importantes medidas de segurança". Ele também permite aos torcedores estrangeiros entrarem no país sem necessidade de visto e funcione como vale-transporte.

Férias na Sibéria

Pavel Klymenko, que pesquisa a cena hooligan do futebol russo no contexto da rede Futebol Contra Racismo na Europa (Fare), conta que as autoridades de segurança nacionais também conversaram individualmente com líderes de grupos de baderneiros antes da Copa, na tentativa de convencê-los a manter-se discretos durante os jogos.

"Os serviços de segurança russos não são gente com que se queira ter problemas. Alguns hooligans receberam uma opção bem direta: ou você tira umas longas férias durante a Copa do Mundo, ou nós vamos organizar umas bem mais longas ainda, na Sibéria."

A referência é à inóspita região no norte da Rússia, notória por suas colônias penais. Ao mesmo tempo, porém, Klymenko ressalva não estar certo até que ponto advertências individuais serão eficazes, já que a cena hooligan "é muito mais descentralizada do que parece".

Conexões de extrema direita

Como também ocorrre em diversos outros países, as torcidas organizadas de futebol na Rússia não são apenas uma subcultura violenta, mas também conhecidas por suas tendências nacionalistas de extrema direita.

"O problema é bastante sério", observa Pavel Klymenko, que atua na Fare como especialista em desenvolvimento do Leste Europeu. "A maioria dos círculos de torcedores do futebol russo é dominada por grupos ultradireitistas, e incidentes de racismo e exibição de símbolos nazistas ocorrem com bastante frequência na liga nacional."

No início de 2018, o time Spartak Moscou foi punido por postar um tuíte referindo-se aos jogadores negros como "chocolates derretendo no sol", durante um treinamento. Em março, a Fifa foi intimada a investigar imitações de gritos de macaco partindo da torcida, durante uma partida amistosa entre a França e a Rússia.

Tradição racista

Um relatório da rede Fare aponta 89 incidentes racistas e de extrema direita em jogos da Rússia, na temporada 2016-17, a maioria envolvendo porte de símbolos e faixas nazistas. Houve pouca melhoria em relação à temporada 2014-15, quando se registraram 92 casos do gênero.

Por outro lado, a iniciativa antirracista reconhece os esforços das torcidas e das autoridades para coibir o racismo e os símbolos racistas. Ainda assim, "é difícil dizer se um incidente de racismo pode ocorrer nos estádios, pois a Copa do Mundo representa uma circunstância bem diferente dos jogos regulares das ligas. É muito mais regulamentado, muito mais televisado", explica Klymenko.

"Mas não se pode descartar que paralelamente, numa das cidades, longe dos centros urbanos, torcedores de minoria étnica ou LGBT possam sofrer insultos raciais ou agressões inspiradas por racismo."

A questão LGBT

A Fare publicou um guia para os torcedoras/es lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros que viajem para a Copa do Mundo na Rússia. No fim das contas, contudo, a situação permanece ambígua para a comunidade.

Em 2013, a assim chamada "lei da propaganda gay" baniu qualquer menção pública positiva de "relações sexuais não tradicionais" perante menores de idade - o equivalente a um aval oficial para a homofobia.

Em contrapartida, a "Estratégia de Sustentabilidade" da Fifa, lançada em 2018, garante que o torneio é inclusivo para todos, independente de "orientação sexual".

Questionado se torcedores LGBT poderiam dar-se as mãos ou beijar-se nos estádios e áreas para torcedores durante o Mundial, o Comitê Organizador da Rússia declarou que qualquer "expressão de sentimentos" que não "perturbe a ordem pública [...] é uma parte natural e indispensável do futebol".

Chance de visibilidade

Além disso, segundo o encarregado antidiscriminação para o evento, Alexei Smertin, "não haverá interdição de portar símbolos de arco-íris na Rùssia". Mas para Alexandr Agapov, presidente da federação esportiva LGBT russa, essas garantias estão longe de ser causa de comemoração, num país em que "comportamento negativo contra membros da comunidade LGBT é considerado norma".

Ele lembra que "a Comissão Organizadora só pode responder pelo território de que está encarregada". No que se refere à segurança nas ruas, é difícil dizer qual é o grau de segurança para os LGBT. Ele teme que o órgão tenha apenas incentivado o público russo a tolerar a comunidade como "uma concessão para os visitantes, uma forma de hospitalidade".

Ainda assim, Agapov espera que o Mundial ajude a comunidade nacional a se tornar mais visível dentro do país, onde muitos creem que as questões LGBT sejam um fenômeno puramente ocidental.

"A televisão russa provavelmente tentará evitar mostrar bandeiras de arco-íris nas transmissões ao vivo", prevê o ativista. Por outro lado, "talvez milhões não cheguem a ver essas bandeiras na TV, mas milhares as verão nos estádios".

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A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram

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