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Coronavírus

A farsa dos caixões vazios usados para minimizar mortes por covid-19

Brasil enfrenta crescimento exponencial de casos do novo coronavírus, mas notícias falsas dificultam o combate e a divulgação das informações corretas sobre o enfrentamento à pandemia.

8 mai 2020 - 06h01
(atualizado às 07h26)
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Em publicação de informação falsa no Facebook, homem afirmou que caixões são enterrados vazios
Em publicação de informação falsa no Facebook, homem afirmou que caixões são enterrados vazios
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Uma série de publicações com boatos sobre caixões vazios ou com pedras, em meio à pandemia do novo coronavírus, tem circulado nas redes sociais nas últimas semanas. Informações falsas e imagens e notícias de anos anteriores compartilhadas massivamente buscam minimizar ou contestar o atual cenário de mortes em decorrência da covid-19, doença causada pelo vírus, no Brasil.

"Caixões sepultados vazios em SP e no Amazonas. Covas abertas apenas para a #globolixo exercitar o mau caratismo (depois aterradas). Não é só nesses dois estados, não, tem mais aí", escreveu um homem em seu perfil no Facebook. O texto é acompanhado de duas imagens de caixões vazios e abertos. Foram mais de 1,9 mil compartilhamentos na publicação, feita em 30 de abril.

Mas segundo a Agência Lupa, especializada em checagem de informações, uma das fotos é de um caixão abandonado na beira da estrada há mais de dois anos, entre os municípios de Arari e Vitória do Mearim, no Maranhão. A outra imagem é de um caixão abandonado em João Pessoa, na Paraíba, em agosto de 2015.

Um levantamento apontou que 30% dos vídeos e fotos mais compartilhados sobre o novo coronavírus em grupos de WhatsApp, na semana passada, eram fake news sobre caixões vazios. Os dados são dos grupos Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), e Eleições Sem Fake, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em apuração feita em mais de 500 grupos do aplicativo de conversa.

"Essas notícias falsas fazem com que as pessoas desacreditem nas informações que passamos. Muitos ficam pensando que nossas informações sobre os óbitos são falsas. Isso nos atrapalha demais", relata uma enfermeira de Manaus, que pediu para não ser identificada. O Amazonas, que enfrenta colapso no sistema de saúde, costuma ser um dos mais citados nas fake news.

O filósofo Pablo Ortellado, professor da USP, afirma à BBC News Brasil que o compartilhamento de fake news no atual contexto da pandemia é parte de ações negacionistas sobre o novo coronavírus. "É como se as notícias reais fossem para 'causar terrorismo' na população. Podemos observar que as pessoas que mais acreditam nessas fake news são as que menos estão em isolamento social", declara.

Notícias falsas que causarem pânico, principalmente no atual contexto da pandemia, difamarem alguém ou acusarem sem provas podem terminar em punições legais.

As fake news

Nesta quinta-feira (7), o Brasil ultrapassou a marca dos 9.000 mortos pelo novo coronavírus. Já foram registrados mais de 135 mil casos. Nos três últimos dias, os números diários de óbitos chegaram ao patamar de 600.

Diante do atual cenário da pandemia no país, as fake news se tornam empecilhos para a conscientização das pessoas sobre o Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronavírus.

"As fake news são sempre danosas, especialmente neste momento. Gerar esse ruído na informação correta prejudica a população que mais precisa de ajuda. Isso faz com que aqueles menos escolarizados e com menos capacidade de interpretação acreditem que estão acontecendo coisas como o enterro de caixões vazios", declara Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, ONG que trabalha na defesa da liberdade de expressão e que possui iniciativas de combate à desinformação.

As notícias sobre supostos caixões sem corpos foram reforçadas pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Ela afirmou, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, que no Ceará há casos de caixões enterrados vazios em meio à pandemia. Segundo ela, a afirmação é comprovada por uma foto de uma "moça carregando um caixão com um dedinho", como se estivesse encenando um enterro.

Zambelli não apresentou qualquer prova sobre a afirmação. Posteriormente, disse que recebeu as imagens sobre os supostos caixões vazios por meio de duas pessoas, mas não deu mais detalhes.

As declarações da deputada causaram indignação no governo do Ceará, que as classificou como inconsequentes e afirmou que irá à Justiça contra a parlamentar. "Tais declarações são um insulto aos profissionais de saúde cearenses e um desrespeito às famílias das vítimas, que já sofrem neste momento tão difícil", disse nota de repúdio do governo cearense.

Apesar de Zambelli não detalhar, uma das fake news que viralizaram nas últimas semanas mostra justamente uma mulher que estaria carregando um caixão nas pontas dos dedos. Nos comentários da imagem, diziam que o caixão estava vazio, por isso ela não precisaria fazer esforços. A Agência Lupa, porém, mostrou que a imagem foi modificada. A original, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, foi cortada para esconder que o caixão estava apoiado sobre uma mesa improvisada.

Propagar a desinformação

Para pesquisadores, há casos de fake news criadas por pessoas que realmente acreditam naquilo. Porém, os especialistas afirmam que boa parte das notícias mentirosas surgem por meio de pessoas com o objetivo de propagar a desinformação, conscientes de que aquilo que estão compartilhando não é verdade.

"Boa parte dessas fake news são criadas para reforçar aquelas ideias que a pessoa defende. Uma das estratégias é que haja vídeos e áudios com muitos sotaques, de diferentes regiões do país, para gerar a convicção de que aquilo realmente é uma realidade e acontece em vários lugares", diz Ortellado, da USP.

Segundo o filósofo, um dos principais meios de surgimento dessas notícias falsas é o WhatsApp. "É um aplicativo que não pode ser monitorado totalmente, pois há muitos grupos privados, cujos conteúdos são criptografados. Então, fica praticamente impossível descobrir onde começou aquela fake news", explica.

Na realidade o número de óbitos por covid-19 aumenta a cada dia
Na realidade o número de óbitos por covid-19 aumenta a cada dia
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Em muitos casos, o compartilhamento de fake news não é considerado ato criminoso. No entanto, as consequências da notícia falsa podem ser avaliadas por autoridades e culminar em ações judiciais.

Notícias falsas que causarem pânico, principalmente no atual contexto da pandemia, podem terminar em punições. "Pode ser enquadrado como uma contravenção penal por causar pânico ou tumulto. Se essa afirmação de enterrar caixões vazios gerar pânico, a pessoa pode ser responsabilizada por isso e pode ser multada por meio do pagamento de cestas básicas", detalha o advogado Marcelo Crespo, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Digital.

"Além de contravenção penal, uma fake news pode se caracterizar como crime contra a honra, caso atribua essa mentira a alguém, e o responsável pela notícia falsa pode responder por injúria e difamação. Também pode ser caso de denunciação caluniosa, que acontece se a pessoa diz algo sem ter nenhuma prova e as autoridades começam a apurar", acrescenta o especialista.

A condenação por difamação varia de três meses a um ano de detenção, enquanto a por injúria varia de um a seis meses. Já a por denunciação caluniosa pode chegar a oito anos de prisão.

Especialistas orientam que é importante que as pessoas tenham cuidado ao se informar. Identificar a fonte da notícia — muitas das fake news não têm autoria clara — e a data da informação são itens fundamentais. "Há muitas fotos e notícias antigas, como de casos de caixões vazios em anos anteriores, que são usadas agora como se fossem atuais e tivessem relação com o coronavírus", ressalta Blanco, do Instituto Palavra Aberta.

Caso de polícia

Nesta semana, a Polícia Civil de Minas Gerais instaurou um inquérito para apurar um vídeo no qual uma mulher afirma que há caixões sendo enterrados com pedras em Belo Horizonte. Na gravação, ela afirma que autoridades locais querem aumentar os dados sobre mortes por covid-19 no município. Ela cita o prefeito da capital mineira, Alexandre Kalil (PSD), como um dos responsáveis.

"Aqui em Minas está acontecendo um caso muito engraçado, principalmente em Belo Horizonte. Estão enterrando um monte de gente com o coronavírus. A própria família está enterrando, porque não está dando tempo para os coveiros enterrarem, para não ter aglomeração de pessoas. Mandaram desenterrar os caixões para ver se era coronavírus. Sabe o que tem dentro do caixão? Pedra e madeira. Palhaçada, não?", diz a mulher, em um vídeo que viralizou nas redes sociais.

A Polícia Civil de Minas Gerais afirmou que checou a declaração dela e constatou que o vídeo apresentava notícias falsas. Em razão disso, a mulher poderia responder por denunciação caluniosa, difamação contra autoridade pública municipal e também a contravenção penal de produzir pânico e tumulto.

"As pessoas devem ter a consciência na hora de produzir ou propagar qualquer tipo de informação nas redes social. As atitudes na vida virtual também têm consequências na "vida real", podendo responder por crimes de injúria, calúnia ou outros mais graves. Inclusive, a denunciação caluniosa como esse caso que é investigado", declarou o delegado Wagner Sales, que está apurando o caso.

Após a polícia abrir o inquérito, Valdete Zanco, responsável pelas afirmações, fez um novo vídeo para se desculpar. "Quero pedir perdão para o prefeito de BH, para o governador, para o Estado e para todas as famílias que se sentiram entristecidas com tudo aquilo. Não era a minha intenção. Não propaguei, mas quero dizer que estou arrependida, sofri bastante e estou aqui pra pedir desculpas", disse a mulher.

Em nota, a defesa dela disse que Valdete se apresentou à delegacia de Jacutinga, no Sul de Minas Gerais, e se colocou à disposição da polícia. Ela argumentou que viu no Facebook uma publicação sobre caixões vazios em Belo Horizonte e depois ouviu um cliente, da loja em que ela trabalha, comentar sobre o mesmo assunto. Em razão disso, segundo o advogado Alexsander Pereira, ela acreditou que a história fosse verdadeira e gravou o vídeo. A mulher justificou que o objetivo era apenas informar pessoas próximas, mas a gravação começou a ser compartilhada massivamente.

O caso continua em investigação pela Polícia Civil mineira.

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