Alta de gastos de anos anteriores eleva pressão no Orçamento, mas já há cancelamento de R$ 10 bi
Estoque de compromissos soma R$ 227,8 bilhões e deriva de gastos com a covid, despesas com obras e ainda emendas parlamentares - que estão concentradas principalmente no Ministério do Desenvolvimento Regional
BRASÍLIA - O aumento no volume de despesas herdadas de anos anteriores, inscritas nos chamados restos a pagar, vai elevar a pressão sobre o Orçamento em 2021. O estoque de compromissos soma R$ 227,8 bilhões, resultado da combinação de gastos com covid-19, maior volume de emendas parlamentares e autorização do Tribunal de Contas da União (TCU) para rolar despesas com obras que sequer haviam começado.
Uma parte dessa pressão deve se dissipar logo em janeiro, com o cancelamento de ao menos R$ 10 bilhões de restos a pagar que foram inscritos para garantir espaço para transferências a Estados e municípios e outras despesas no início de 2021, mas acabaram não se concretizando.
Uma sobra bilionária de emendas parlamentares, porém, vai disputar espaço dentro do teto de gastos com despesas previstas no Orçamento de 2021, obrigando ministérios a eleger qual delas terá prioridade. Foram inscritos R$ 28,7 bilhões em emendas dos congressistas, quase o dobro do ano passado. A maior parte dessas emendas (R$ 11,1 bilhões) está concentrada no Ministério do Desenvolvimento Regional.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, o MDR foi um dos principais artífices do pedido feito ao TCU para usar o Orçamento de 2020 para bancar gastos executados apenas neste ano, o que foi atendido. Algumas dessas obras não tinham sequer contrato firmado, mas foram inscritas nos chamados restos a pagar e, agora, vão disputar espaço dentro do limite financeiro do MDR. O Tesouro, porém, ainda não calculou o valor exato de despesas herdadas devido a essa exceção.
O subsecretário de Planejamento e Estatísticas Fiscais do Tesouro Nacional, Pedro Jucá, lembra que esses gastos, embora autorizados pelo TCU, têm uma regra mais restrita e precisam necessariamente ser concluídos ainda em 2021, sob pena de serem cancelados, enquanto as demais inscrições têm prazos de até três anos para serem concluídas. Além disso, as despesas concorrem com outros gastos dentro do teto.
Há também as despesas com a covid-19: R$ 37,7 bilhões que ficaram para serem executados em 2021, dinheiro que inclui a verba para compra de vacinas contra a doença. Essa parcela fica fora do teto, mas é contabilizada para efeito da meta de resultado de primário, que resulta da diferença entre receitas e despesas.
O estoque dos restos a pagar é o maior desde o início de 2015, quando o governo precisou reconhecer um enorme passivo de gastos pendentes na esteira das "pedaladas fiscais", como ficou conhecido o episódio de atrasos recorrentes em pagamentos de benefícios como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, que deram base para o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
A herança de 2021, porém, é considerada um fato isolado, devido ao aumento de despesas de combate à covid-19 e às incertezas sobre a economia e à arrecadação. Os técnicos do Tesouro também observam que uma mudança metodológica feita no fim de 2019 faz com que os restos a pagar sejam cerca de R$ 30 bilhões maiores no início de cada ano.
"Não vejo (o aumento dos restos a pagar) como um ponto de preocupação", afirma Jucá. Em sua avaliação, o estoque elevado de despesas é justificado pela crise e pelas incertezas, sem significar um retrocesso na estratégia do Tesouro de reduzir esses passivos.
Para o coordenador-Geral de Contabilidade da União do Tesouro Nacional, Heriberto Nascimento, o cancelamento de ao menos R$ 10 bilhões logo no início do ano já é uma demonstração de que o aumento dos restos a pagar não é uma tendência, mas sim um episódio pontual.
Ele ressalta ainda que a decisão do TCU, de ser mais flexível com a possibilidade de jogar despesas de um ano para outro, vale apenas de 2020 para 2021. "Não vejo nenhuma perspectiva para prorrogação dessa regra", afirma. O Congresso tentou aprovar uma regra semelhante para a passagem de 2021 para 2022, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou a pedido da Economia. Os parlamentares ainda podem rever essa decisão.