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Coronavírus

Anvisa dá aval a terapia que muda célula e ataca câncer

Tratamento é promissor, mas exige envio de material aos EUA e tem custo como um dos entraves; USP já procura desenvolver a técnica no Brasil

25 fev 2022 - 05h10
(atualizado às 07h18)
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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou pela 1.ª vez um tipo de terapia com células geneticamente modificadas considerada promissora no combate ao câncer. O tratamento usa células de defesa do próprio corpo, modificadas em laboratório, para atacar linfomas e leucemia. Aplicada há cinco anos nos Estados Unidos, a terapia tem bons resultados e abre portas para tratamentos no Brasil.

Pesquisas ainda em curso em todo o mundo buscam identificar benefícios da técnica para outros tumores, além do câncer com origem no sangue, como a leucemia. Especialistas calculam que, no Brasil, cerca de 2 mil pacientes, nos serviços públicos ou privados, podem ser beneficiados com esse tratamento por ano.

Tratamento prevê que células são coletadas para serem alteradas com um novo gene
Tratamento prevê que células são coletadas para serem alteradas com um novo gene
Foto: Instituto Nacional do Câncer / Divulgação / Estadão

Chamada de CAR-T, a terapia consiste em alterar geneticamente as células T, de defesa do paciente, em laboratório. Com a alteração, elas são "treinadas" a matar as células do câncer. O tratamento é eficaz em pacientes que já passaram por outras intervenções, como quimioterapia e transplante, mas não tiveram melhora.

Segundo Jayr Schmidt Filho, diretor do departamento de hematologia, hemoterapia e terapia celular do A.C. Camargo Cancer Center, esse tipo de tratamento envolve uma série de conceitos inovadores no combate à doença.

"Trabalha-se com uma forma de terapia celular, pelo fato de ter células atuando contra a doença; com terapia gênica, ao fazer essa modificação genética; e medicina personalizada, porque que cada modificação que se faz é para o paciente unicamente", explica o hematologista. Além disso, é uma imunoterapia, uma vez que há ativação do sistema imunológico.

O tratamento aprovado pela Anvisa é indicado para crianças e jovens até 25 anos com leucemia linfoblástica aguda (LLA) de células B, que não melhoram com outras intervenções ou que já tiveram duas recidivas (recaídas). Também é indicado para adultos com linfoma difuso de grandes células B nas mesmas condições.

"É um marco bastante importante e deve ser comemorado. Isso significa que o Brasil está entrando na era do tratamento da célula geneticamente modificada", diz Renato Luiz Guerino Cunha, professor da Divisão de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular do Departamento de Imagens Médica, Hematologia e Oncologia Clínica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

O produto que recebeu o aval é o Kymriah, desenvolvido pela Novartis, a primeira a conseguir o registro nos Estados Unidos, em 2017. Aqui, o tratamento funcionará assim: as células T do paciente serão coletadas no serviço de saúde e exportadas para modificação nos EUA. Depois, retornam para ser infundidas (injetadas) nos pacientes em hospitais.

 

CUSTO

Um dos gargalos será o custo. O tratamento ainda não foi precificado no Brasil, mas, se seguir parâmetros semelhantes aos dos Estados Unidos, pode custar mais de R$ 1 milhão. "É notícia muito boa a Anvisa ter liberado", diz Vanderson Rocha, professor titular de hematologia, hemoterapia e terapia celular da Universidade de São Paulo. "O problema é o acesso." É possível que pacientes tenham de recorrer à Justiça para conseguir custeio pelo plano. E não há previsão de quando a tecnologia ficará disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), mas Rocha estima que isso pode levar dez anos. Uma solução contra essas barreiras é o desenvolvimento da técnica no Brasil - foco das pesquisas na USP.

Países como a Espanha, diz Rocha, já produzem as células modificadas em centros ligados à universidade. No Brasil, há a expectativa de que, no futuro, isso possa ser feito no Instituto Butantan, em São Paulo.

Em 2019, um paciente de 62 anos com linfoma foi submetido em caráter experimental à terapia CAR-T desenvolvida pela USP. Foi o 1.º da América Latina a passar pelo tratamento. Menos de 20 dias depois, apresentou remissão da doença. O desfecho do caso, porém, não pôde ser acompanhado porque o homem morreu em um acidente doméstico.

Segundo Rocha, outros quatro pacientes já receberam a infusão com células modificadas - os resultados com esse grupo ainda não foram divulgados. Até agora, brasileiros tratados com a terapia CAR -T conseguiram acesso ao tratamento fora do País pela via judicial ou porque foram incluídos em protocolos de pesquisa no exterior.

Foi o caso do comerciante mineiro Sérgio Eloy Gonçalves, de 62 anos, que participou em 2020 de um estudo em Ohio (EUA). Em 2012, ele descobriu um linfoma, tratou a doença, mas o câncer retornou após quimioterapia e transplante de medula. "Já estava muito mal, andando em cadeira de rodas." A família se mobilizou para pagar a estadia nos EUA. "A coisa mais triste que tem é escutar que o câncer voltou. E mais triste ainda que não tem mais o que fazer."

Após receber a infusão com as células modificadas, Gonçalves sentiu melhora quase imediata. Hoje, ele se dedica a divulgar o tratamento. "Estou jogando bola, fazendo caminhada e academia. Tenho um netinho de 7 meses que é minha paixão. Quero mostrar que existe esperança", diz.

Estadão
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