BC avisa que vai repetir alta na Selic porque está mais preocupado com inflação do que com PIB
Explicação foi dada na ata da última reunião do Copom, que elevou a taxa básica de juros de 2% para 2,75% ao ano
BRASÍLIA - O Banco Central explicou nesta terça-feira, 23, porque se prepara para repetir a dose de alta de 0,75 ponto porcentual na taxa básica de juros o em maio, a mesma magnitude vista na semana passada e que surpreendeu boa parte dos analistas de mercado: está claramente preocupado com o comportamento dos preços - mais do que com o ritmo da atividade econômica. Teme perder sua meta de inflação deste ano (de 3,75%) e que acabe por desancorar as expectativas para 2022, que ainda estão em linha com o alvo perseguido pela instituição.
A autoridade monetária manteve suas estimativas apresentadas no comunicado que se seguiu à decisão da semana passada para o IPCA deste ano (5%) e do próximo (3,50%), mas as previsões para os preços administrados, que são aqueles que só aumentam com a autorização do governo - como energia elétrica, por exemplo - dispararam de 5,1% para 9,5% para este ano e subiram de 3,0% para 4,4% para 2022. O impacto produzido por um novo aumento de 0,75 ponto porcentual na Selic deixará o Brasil menos vulnerável a esse cenário, na percepção do BC. Com isso, a taxa que passou de 2,00% para 2,75% ao ano, deve chegar a 3,50% no início de maio.
Mais uma vez, o colegiado manteve o alerta sobre a trajetória fiscal do País, apesar de elogiar os esforços para a aprovação da PEC emergencial, que autorizou uma nova rodada de auxílio emergencial com contrapartidas fiscais, neste mês. Além da preocupação com a inflação interna, o BC salientou que países emergentes, como o Brasil, poderão passar por um período "desafiador" por causa de uma possível reprecificação nos ativos internacionais. A cúpula do BC citou também os impactos da reflação internacional, que é uma alta dos preços típica de momentos que se seguem a recessões e que tem base no aumento da demanda.
Embora um ciclo mais pesado de alta dos juros possa comprometer o desempenho da atividade econômica, o Comitê de Política Monetária (Copom) projeta que um novo tombo na economia causado pelo recrudescimento da pandemia de coronavírus será menos profundo do que o visto no ano passado, quando o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 4,1%. O BC aposta em uma recuperação forte ao longo do segundo semestre de 2021 tendo em mente que a vacinação dos brasileiros contra a covid-19 será abrangente.
"Contudo, os últimos dados disponíveis ainda não contemplam os possíveis efeitos do recente e agudo aumento no número de casos de covid-19, e assim há bastante incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia no primeiro e segundo trimestres deste ano", ponderaram os integrantes do colegiado. Essas informações atualizadas serão decisivas para a atuação da autoridade monetária em maio.
A decisão do BC brasileiro de aumentar os juros se dá logo após ter conseguido sua autonomia formal, uma demanda antiga da autarquia. A medida aprovada pelo Congresso Nacional em 10 de fevereiro e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro há um mês confere mais independência para a autoridade monetária, sem pressões de outras áreas do governo. O Brasil foi o primeiro país entre as economias mais ricas do globo e entre os vizinhos da América Latina a elevar sua taxa, depois de permanecer por meio ano como a mais baixa da sua história, em 2% ao ano.
Para o diretor do ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, o BC claramente quis transmitir uma mensagem ainda mais dura na ata da reunião do Copom do que no comunicado da semana passada. Em especial, ele destacou a observação feita pelo Copom para as mudanças no cenário externo. Depois da decisão do Copom, a ASA elevou sua projeção para a Selic para 4,5% no fim deste ano e para 6,5% no encerramento de 2022. Com a ata, explicou Kawall, o viés ficou ainda mais para cima.
O economista e sócio da SP CAP Fábio Susteras enfatizou a preocupação do BC sobre a reflação e seu impacto sobre as commodities. No Brasil, salientou, este aumento se traduz de forma mais simbólica e enfática nos preços dos combustíveis. / COLABORARAM THAÍS BARCELOS E FRANCISCO CARLOS DE ASSIS