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Coronavírus

Brasil chega a 100 milhões de totalmente vacinados e supera EUA na proporção de imunizados

Quase metade da população já recebeu duas doses ou dose única contra a covid-19. Especialistas destacam Programa Nacional de Imunização forte e bem estruturado

14 out 2021 - 06h06
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Com um Programa Nacional de Imunização que é referência internacional e uma tradição de vacinação já consolidada na população, o Brasil atingiu a marca de 100 milhões de pessoas totalmente vacinadas contra a covid-19 nesta quarta-feira, 13, o que representa 47,11% da população. O País também está próximo de bater a marca de 150 milhões de pessoas vacinadas com ao menos uma dose. São até o momento 149.950.990, ou 70,29% da população que iniciou o esquema vacinal contra a doença.

O início da vacinação foi lento no País, com cerca de 300 mil vacinas aplicadas por dia nos primeiros dois meses. A campanha ganhou força em junho e, desde então, são vacinados entre 1,5 milhão e dois milhões de brasileiros diariamente. Em setembro, o Brasil entrou em uma fase diferente da campanha de vacinação e passou a aplicar majoritariamente a segunda dose.

Hoje, o Brasil já supera a Alemanha e os Estados Unidos no número de pessoas vacinadas com ao menos uma dose. Esses países têm uma disponibilidade muito maior de vacinas e iniciaram a campanha primeiro, em dezembro do ano passado.

O imunologista Gustavo Cabral, que lidera o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19 e outras doenças na Universidade de São Paulo (USP), credita as altas taxas de vacinação à vontade do brasileiro de tomar a vacina e à existência de um Programa Nacional de Imunização forte e bem estruturado. A pressão exercida pela CPI da Pandemia e pela mídia são outros pontos citados pelo pesquisador para justificar o grande porcentual de vacinados em comparação a outros países.

"Nosso PNI é uma referência internacional e funciona independentemente de quem está no poder. Daria muito trabalho fazer as coisas darem errado. Nós somos feras em vacinação", diz. Cabral fala que o País teria capacidade para vacinar até cinco milhões de pessoas por dia, mas faltou responsabilidade por parte do governo federal para fazer isso acontecer.

Os Estados Unidos, um dos primeiros países a oferecer o imunizante em larga escala a toda a população, enfrentam dificuldades para ampliar a taxa de vacinados. Apesar de a vacina estar disponível para toda a população acima de 12 anos, apenas 64,6% dos americanos aceitaram receber o imunizante.

O país não tem um programa de imunização estruturado como o Brasil, mas foi um dos que mais comprou vacinas e facilitou o acesso aos imunizantes instalando pontos de vacinação em redes de farmácias, supermercados e shopping centers. Nada disso foi capaz de superar o movimento anti-vacina. "Eles adaptaram uma estrutura que não é usual para eles, mas em alguns Estados mais conservadores a vacinação empacou. O problema é a falta de aceitação. No Brasil, por outro lado, mais de 95% da população quer se vacinar", diz o imunologista.

Em alguns países europeus, o problema começa a se repetir. A vacina está disponível a toda a população adulta desde junho na maioria dos países do continente, mas muitas nações não conseguem aumentar a cobertura vacinal. A Alemanha já foi ultrapassada pelo Brasil na porcentagem de pessoas vacinadas com ao menos uma dose e o Reino Unido deve ficar para trás em breve. Outros países como Suíça, Áustria, Grécia, Hungria e Polônia também vacinaram menos que o Brasil em relação à primeira dose.

Israel, na Ásia, chegou a ser exemplo de vacinação, exibindo uma das taxas mais altas do mundo. Agora, vê a campanha de imunização travar e está quase empatado com o Brasil, com 70,44% da população vacinada com ao menos uma dose. Ao todo, 64,73% dos israelenses estão completamente imunizados contra a doença. A vacina é oferecida a todos acima de 12 anos.

Para Cabral, isso também tem a ver com a corrente anti-vacina. O movimento teve origem no Reino Unido em meados do século 19. "Apesar de a Europa ser o continente que mais se beneficiou das vacinas, com o controle milenar de doenças, o movimento anti-vacinas surgiu lá", diz. Para amenizar a situação, países como França e Alemanha implementaram o passaporte sanitário e só permitem acesso a determinados locais a pessoas vacinadas ou com teste negativo para a doença.

Apesar de os brasileiros terem aderido em massa à vacinação, a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, em Washington, acredita que seria um erro subestimar os grupos contrários à imunização. "O movimento antivacina era incipiente quando começou nos Estados Unidos. Ele não ganhou força da noite para o dia. Foi crescendo aos poucos até se tornar um dos maiores do mundo", afirma.

"Hoje, os Estados Unidos são uma espécie de 'super disseminador' do movimento antivacina. Muitas das teorias de conspiração nascem aqui, nesse movimento ligado a extremistas de direita que espalham fake news", diz. Segundo Denise, o movimento ainda está no início no Brasil, mas próximo de atingir um ponto crucial para o seu fortalecimento: o momento em que começa a gerar renda. "O Brasil, onde até autoridades do governo federal replicam claramente o discurso antivacina, precisa cortar esse mal pela raiz, se não quiser repetir o erro dos americanos."

"O Brasileiro gosta de vacina", diz especialista

A confiança da população brasileira nas vacinas e a corrida aos postos para receber as doses assim que elas se tornaram disponíveis são os únicos fatores a comemorar neste momento, afirmam alguns dos especialistas que mais se destacaram nas pesquisas e na conscientização do público durante a pandemia.

"Chegamos a essa marca porque brasileiro gosta de vacina", diz a pneumologista Margareth Dalcomo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). "É um número encorajador, mas ele não consola", afirma.

Para Margareth, o governo apostou mal no mecanismo Covax, criado para aumentar a equidade no acesso à vacina contra a covid-19. O País poderia ter comprado imunizantes para até 50% da população por meio do consórcio, mas optou por adquirir doses suficientes para apenas 10% dos brasileiros.

"Uma coisa boa que o Brasil fez, por iniciativa da Fiocruz, foi o acordo de cooperação técnica para transferência de tecnologia com a AstraZeneca. Sem isso, estaríamos em uma catástrofe comparável a do Haiti e a dos países africanos", afirma. As instituições de pesquisa brasileiras foram as que mais incluíram voluntários nos estudos internacionais de vacina, mas o Ministério da Saúde demorou a fechar acordos com os fabricantes. Ao final de 2020, dez países haviam comprado 75% de todas as vacinas fabricadas no mundo.

A pneumologista diz que o Brasil deveria ter atingido a marca de 70% da população vacinada até a metade deste ano, mas isso não foi possível porque "a coordenação central foi um desastre". "O Programa Nacional de Imunizações entrou nesta pandemia esfacelado. Deixamos de ter a organização homogênea e harmônica que tivemos durante a epidemia de H1N1", diz.

A cultura vacinal disseminada no Brasil, resultado de décadas de trabalho organizado do PNI, evitou que o cenário sanitário fosse ainda pior durante a pandemia. "O orgulho com que os pais mostram a carteirinha de vacinação de suas crianças é uma coisa comovente no Brasil", afirma.

O epidemiologista Cesar Victora, professor emérito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), também lamenta a demora do início da imunização. "Ela não foi mais rápida por falta de empenho do governo federal, que continua a fazer campanhas veladas contra a vacinação, como parte de sua agenda negacionista", afirma Victora.

País pode atingir imunidade de rebanho em breve

Para Gustavo Cabral, o País deve começar a formar a imunidade de rebanho a partir do fim do ano, quando pelo menos 70% da população deve estar totalmente vacinada contra a doença. Isso só será possível porque as taxas de vacinação são uniformes no Brasil, não há grandes disparidades entre cidades ou estados diferentes. "Isso nos dará certo respiro e permitirá que a gente faça testes para voltar à vida normal", diz o imunologista.

O fato de o Brasil ter alcançado quase metade da população imunizada traz otimismo, na opinião de Denise Garret. "Mais uma vez o país mostra a força de sua cultura vacinal, mesmo em uma campanha que não contou com esforços publicitários", afirma.

Os dois especialistas concordam que, por melhor que sejam os números, ainda não é hora de relaxar na prevenção. "Eu fico irado quando falam em tirar a máscara", menciona Cabral. Já Denise lembra que países com índices de vacinação mais altos que o Brasil ainda enfrentam dificuldades para controlar o vírus em razão das variantes.

Nos locais onde o uso de máscara foi parcial ou totalmente abolido, como na Inglaterra, houve uma explosão de casos. No Brasil, a variante delta não fez tanto estrago porque a população ainda adota a proteção facial, afirma Cabral.

Para o imunologista, o desafio dos próximos meses será ampliar a cobertura vacinal em locais onde ela ainda é baixa para evitar o surgimento de novas variantes. E o Brasil tem capacidade de liderar essas discussões, garante. "Somos referência em imunização e muito bem aceitos por outros países. Somos uma nação alegre, interativa, isso abre portas para a gente."

O importante, daqui para frente, é que toda a população receba a dose de reforço, segundo a ordem cronológica de idade e de acordo com as prioridades adotadas atualmente. Resta saber se (e quando) será necessário fazer esquemas de revacinação contra a covid-19. "Não sabemos se ela precisará ser anual, como a da gripe, ou bianual e para quais idades", diz a pneumologista Margareth Dalcomo, da Fiocruz. Ela explica que apenas os estudos de fase IV poderão responder a essa questão. "Diferentemente das coronaviroses anteriores, o Sars-CoV não vai desaparecer; ele ficará entre nós".

Estadão
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