"Brasil precisa contestar China no caso do frango", diz AEB
Para José Augusto de Castro, da AEB, notícia sobre traços de coronavírus em embalagem de frango brasileiro tem fundo comercial
A divulgação da notícia de que a administração municipal de Shenzhen, na China, encontrou traços de coronavírus em embalagem de frango com origem no frigorífico catarinense Aurora, deve ser alvo de uma contestação rápida e clara do Brasil, de acordo com o presidente executivo da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro.
Castro afirma que o Brasil pode estar sendo usado para fins comerciais e tem sua imagem prejudicada, ainda que a China não venha a impor um embargo sobre o produto nacional. "O estrago já foi feito. A notícia vale mais que o fato em si. E a gente não viu uma palavra do Brasil contrária ao que foi dito lá."
O executivo alerta ainda que o momento é de tensão entre China e Estados Unidos - e cutucar o Brasil possa ser uma forma de enviar uma mensagem positiva aos americanos. "O Brasil e os EUA são os dois principais fornecedores de proteína animal à China. Então, cutucar o Brasil pode ser uma forma de afagar os americanos nesse momento."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Levantar dúvidas sobre a carne brasileira pode ter fins comerciais?
Sim. E isso não é de agora. Quando a crise do coronavírus estava mais grave na China, muitos navios ficaram parados nos portos, a ponto de faltarem contêineres frigorificados por aqui. E aí você impõe dificuldade à entrada do produto, para ganhar uma vantagem comercial, um desconto. É mais ou menos o que estea acontecendo agora.
Como o sr. avalia esse caso específico dos traços de covid-19 na embalagem do frango do Brasil?
O estrago já está feito, pois a notícia é mais importante do que o fato em si. O grande concorrente do Brasil no fornecimento de proteína animal à China, os Estados Unidos, têm muito mais casos de coronavírus do que o Brasil. Mas não houve uma palavra contra a carne americana. A China quis cutucar o Brasil para preservar os Estados Unidos, em um momento difícil da relação. Estão fazendo a política de boa vizinhança, com fundo comercial.
E como o sr. vê a posição do Brasil?
O Brasil é um fornecedor e aceita praticamente tudo o que vem de lá - daí essa disposição em cutucar o Brasil. Aí vêm as Filipinas e suspendem a importação do frango nacional, com base na notícia que saiu da China. E os principais clientes da carne de frango brasileira estão na Ásia e no Oriente Médio. Logo, uma notícia dessas ali é muito prejudicial.
E o que o Brasil pode fazer?
O Brasil nunca tomou uma posição ativa (em relação à China), sempre aceita tudo passivamente. Sempre aceita reduzir o preço. Embora a China dependa do Brasil - pois somos o principal fornecedor de proteína e eles têm 1,4 milhão de habitante -, fica parecendo que só o Brasil depende da China. A gente precisa falar da China, dentro de contexto. Porque declarações fora de contexto só prejudicam mais ainda.