Brasileiros presos no Peru relatam medo: "Desamparados"
Grupo de turistas não consegue voltar ao País após fechamento das fronteiras; eles reclamam de preços abusivos e violência policial
O Peru foi um dos países da América Latina que tomou medidas mais drásticas contra o avanço do coronavírus. No último domingo (15), o presidente Martín Vizcarra anunciou o fechamento de todas as fronteiras peruanas até o próximo dia 31, cancelando assim todos os voos internacionais entrando ou deixando o país.
Além disso, o governo decretou estado de emergência e quarentena obrigatória em todo o território. Agora, vários turistas se veem presos em uma nação desconhecida. De acordo com dados oficiais do Itamaraty, são 3770 cidadãos brasileiros impedidos de deixar o Peru.
Nossa reportagem conseguiu entrar em contato com alguns desses brasileiros, que reclamam do descaso da embaixada, da falta de produtos nas prateleiras dos mercados e da hostilidade da polícia e do exército peruanos.
O casal Éverson Oliveira Aguilar, que trabalha na área de tecnologia da informação e Mayara Dias Aguilar, assistente administrativa, foi passar férias do Peru e retornaria no dia 21. Com as fronteiras fechadas, eles ainda tiveram que deixar o hotel que estavam hospedados na cidade de Cusco, por determinação do governo.
“Chegamos no domingo, no dia do anuncio do presidente. Já na segunda-feira, todos os nossos passeios haviam sido cancelados. Fomos no aeroporto e descobrimos que só conseguiríamos embarcar no dia 31”, conta Mayara.
“Nosso hotel foi fechado, mas, felizmente, conseguimos contato com uma brasileira que mora aqui no Peru e estamos ficando na casa dele mediante pagamento. Vamos acabar gastando muito mais do que esperávamos e não estamos tendo apoio da embaixada”, completa Éverson.
Embaixada ignora brasileira com problema de saúde
O casal reclama da falta de apoio do Itamaraty e relata que os turistas se sentem “desamparados”. Eles fazem parte de um grupo de WhatasApp com mais de 100 outras pessoas em situação semelhante. “Eles [embaixada] só nos mandam resposta padrão. Falam que não podem fazer nada e para procurar os familiares para ajuda financeira”, relata Éverson.
O caso de Mayara ainda conta com uma peculiaridade. A assistente administrativa sofre de uma doença renal crônica e tem uma cirurgia marcada para o próximo dia 28, no Brasil. Além disso, ela não tem estoque de remédios suficiente para manter o problema controlado até o dia 31. Por conta da situação, a embaixada brasileira até chegou a responder o casal, mas depois passou a ignorar as mensagens.
“Quando falamos do problema do meu problema de saúde eles finalmente responderam algo além do texto padrão e perguntaram se eu estava tomando medicamentos. No meio da conversa, no entanto, eles pararam de responder”, conta a brasileira. A embaixada e o consulado estão obedecendo ao toque de recolher e, portanto, os prédios estão fechados. Os únicos contatos são por e-mail e telefone.
Preços abusivos, produtos acabando e ameaças da polícia
Outra reclamação recorrente dos turistas é a falta de produtos nos mercados. “Coisas básicas como pão, leite, ovos e frutas já estão em falta”, conta Mayara. Esse é apenas o segundo dia da quarentena.
O estudante Rodrigo Serpa Martins, que também está em Cusco, junto com a mãe e um irmão vive situação semelhante. A família acabou conseguindo ficar no hotel em que já estava hospedada. “Ontem sai para fazer compras e estava faltando pão. Felizmente, a cozinha do hotel segue funcionando”, conta.
Em razão do decreto do estado de emergência, apenas uma pessoa por família pode deixar a quarentena, apenas para ir em mercados, bancos e farmácias. De acordo com Rodrigo, policiais e membros do exército peruano intimidam os turistas nas ruas. “Falam que podemos tomar multa ou até sermos presos por estarmos andando na rua", afirma o estudante.
Em Lima, capital do Peru, os relatos são semelhantes. O administrador Marlúcio Petrônio Martins Pinho conta que os agentes de segurança estão sendo “extremamente hostis” com os turistas. “O exército está portando fuzis nas ruas”, lembra. O brasileiro se dirigiu até a capital peruana após pegar um voo de Cusco, com a esperança de retornar ao País. No entanto, não conseguiu embarcar. "Fomos expulsos do aeroporto por policiais e não consegui nem falar com a companhia aérea", relata.
"Minha esposa conseguiu, do Brasil, alugar um quarto pra mim aqui em Lima", diz o administrador, que também reclama dos preços. "Do aeroporto até o lugar que estou ficando a distância é de dois quilômetros e o taxista me cobrou o equivalente a R$ 100. Também paguei cerca de R$ 50 em um pacote de pão de forma, cinco maçãs, quatro banana, um sabonete e dois litros de água. E isso é tudo que eu tenho até o final da quarentena, pois meu dinheiro acabou."
Turista teve garantia de que fronteiras não seriam fechadas
Com o sonho de conhecer o Machu Picchu, Marlúcio planejou uma viagem de apenas três dias para o território peruano. Acompanhando a situação do coronavírus, ele alega que ligou para a embaixada brasileira dois dias antes de embarcar. "Eles me garantiram que apenas voos da Europa e dos Estados Unidos estavam suspensos e que nada iria mudar. As fronteiras não iam ser fechados", lembra o brasileiro, que cobra uma posição do governo. "Eles tem todo o direito de fechar o país, mas devem deixar os estrangeiros irem para casa. Precisamos que o governo brasileiro fale com o estado peruano e abra essa prerrogativa", pede.
A embaixada brasileira no Peru se manifestou através de comunicado oficial, alegando que está dando apoio ao brasileiros e negociando para que eles possam retornar ao País. “Informamos que a Embaixada do Brasil em Lima está ciente da situação e em contato frequente com todos os cidadãos brasileiros que a procuraram reportando eventuais dificuldades de deslocamento, buscando repassar-lhes informações relativas a limitação de movimentação. A Embaixada do Brasil em Lima continua fazendo gestões junto ao governo peruano e empresas de transporte para, na medida do possível, tentar apoiar o retorno dos turistas", informa o órgão. O Terra também procurou o Itamaraty, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.