Cidades de SP "caçam" atrasados da 2ª dose com carro de som
Municípios adotam estratégias diferentes para localizar e convencer faltosos, que somam 1,2 milhão no Estado; Estadão acompanhou dia de trabalho da equipe de saúde na capital
Com a maior parte do dia dedicada a cuidar de duas crianças, a babá Janice Pereira, de 51 anos, esqueceu de tomar a segunda dose contra a covid-19 e só se deu conta depois que uma agente comunitária ligou para avisar do atraso. Uma equipe de saúde foi até a residência onde ela trabalha, em uma vila do Bom Retiro, no centro de São Paulo, para aplicar o reforço: "Eles foram nota dez. Já pensou se eu fico sem tomar a minha vacina?"
Diabética e hipertensa, Janice havia recebido a primeira dose em maio e deveria ter retornado ao posto de vacinação em meados deste mês. Perdeu o prazo por poucos dias. "Eu estava com uma data na cabeça e era outra", justifica a babá, que diz sempre ter levado a sério os cuidados contra o coronavírus e precisou continuar trabalhando mesmo durante as fases mais agudas da pandemia. "A segunda dose dá um alívio: olha o quanto de gente que já morreu por causa dessa doença."
A busca ativa realizada pelas prefeituras é a principal ferramenta para reduzir o índice de faltas em campanhas de vacinação. Na maioria dos casos, tentar contato por telefone ou bater na casa das pessoas são as estratégias mais comuns. Com a pandemia, municípios paulistas também têm recorrido a mutirões de repescagem, carros de som e disparos de mensagem por e-mail, WhatsApp ou até mesmo telegrama.
Encontrar, convencer e conseguir vacinar os faltosos se torna prioridade das equipes de saúde à medida que a imunização geral avança nos municípios. O risco do espalhamento da variante Delta, mais transmissível, também é outra fonte de preocupação. O Estadão acompanhou o trabalho de uma das equipes de saúde na capital na tarde de quinta-feira, 19.
Medo de reação vacinal, desinformação sobre a necessidade do reforço e fatores sociais, como falta de horário por causa do trabalho, são outros motivos citados para que as pessoas deixem de comparecer na segunda dose. Também há situações em que as pessoas acabaram infectadas -- e, portanto, têm de adiar o reforço -- ou estão acamadas e precisam ser imunizadas em casa.
Há 13 anos no Sistema Único de Saúde (SUS), a agente comunitária Fernanda Oliveira, de 36, foi a responsável por localizar Janice e alertá-la do atraso. Por conhecer o território, as famílias e a realidade local, a função do agente é considerada indispensável nesse trabalho.
Segundo afirma, Fernanda tem se deparado cada vez menos com pessoas resistentes à vacinação. "Acontecia mais no começo, hoje é um ou outro", diz. "A gente busca orientar. Sempre dou exemplo de pessoas famosas que pegaram covid."
Para ela e outros profissionais da área, a maior aceitação da vacina nas últimas semanas pode estar relacionada ao avanço de diagnósticos e mortes por coronavírus. No Estado, são mais de 144 mil óbitos desde o início da crise sanitária.
"Tive o caso de uma idosa de 100 anos que tivemos de ir vacinar na casa dela, porque havia fraturado a bacia", relata a agente. "O filho não acreditava na doença, evitava máscara e acabou pegando covid. Ele foi intubado e veio a falecer depois."
Já o técnico de enfermagem Jonas Mendes, de 48 anos, se vale do próprio exemplo. "Eu tive covid, perdi nove quilos e fiquei internado por 22 dias. O que digo para as pessoas é: 'Amigo, fui lá em cima e felizmente consegui voltar. Sou a prova viva de que a doença é muito séria'", conta. "Usar um caso que aconteceu comigo mesmo facilita que o outro tenha empatia."
Até persuadir o faltoso, no entanto, é preciso encontrá-lo. Durante a busca ativa acompanhada pela reportagem, um dos nomes da lista não foi localizado. No caso, o homem trabalhava com entrega de cargas e alegou ter precisado esticar o serviço. "Às vezes, acontece de a gente não conseguir imunizar ninguém naquele dia", diz Mendes. "Mas cada pessoa que vacinamos dá a sensação de dever cumprido."
Conscientização e estratégia personalizada
Gerente da Unidade Básica de Saúde (UBS) Boracea, na Barra Funda, zona oeste da capital, Olga Gonçalves afirma que conscientizar a população sobre a necessidade do ciclo vacinal completo é o principal trabalho. "A prática da busca ativa, como estratégia de Saúde da Família, já faz parte do nosso dia a dia", diz. "Para a vacinação da covid, não adianta só o munícipe tomar a primeira dose: tem de ter o reforço também."
"Todo dia, a gente pega a planilha do VaciVida, entra no relatório de vacinas em atraso, liga para as pessoas e faz a visita", descreve a responsável pela unidade. Uma das dificuldades é que parte do público que recebeu a primeira dose na UBS, na verdade, mora em outra região da cidade. "O número de visitas depende do dia a dia, do contato telefônico com o usuário. Fazemos de uma a 20 por dia. É um trabalho contínuo que não dá para desistir."
O Estadão consultou outros 34 municípios sobre as estratégias de busca ativa adotadas para a vacinação contra a covid. Na maioria das cidades, o contato por telefone e visitas domiciliares são as principais medidas. Entre elas, estão Guarulhos, Santos e Guarujá.
Em Campinas, no interior, a prefeitura afirma que envia SMS e e-mail na véspera da segunda dose. Já em Diadema e Carapicuíba, na Grande São Paulo, a aposta é usar carros de som para reforçar os chamados à população. Mutirões para atender os faltosos também aparecem entre as estratégias.
São Bernardo, Itapevi e Itaquaquecetuba apostaram também em campanhas nas redes sociais e disparos de avisos por WhatsApp. Por sua vez, Suzano diz que usa e-mail, aplicativo e, "por último", recorre até a telegrama. "Esta sequência de medidas foi definida exclusivamente para a campanha de vacinação contra a covid-19 na cidade."
Neste mês, a prefeitura de Mogi das Cruzes afirma ter realizado força-tarefa para ligar para mais de 2,5 mil faltosos, priorizando pessoas com mais de 60 anos. Ação semelhante relata São José dos Campos, que designou um dos postos da cidade para aplicar exclusivamente a segunda dose.