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Coronavírus

Cientistas e políticos reagem a fake news replicada por Bolsonaro sobre vacinas e aids

Presidente afirmou que pessoas que tomaram duas doses do imunizante contra o novo coronavírus no Reino Unido estão desenvolvendo aids; a afirmação, que é mentirosa, já foi desmentida por cientistas de todo o mundo

23 out 2021 - 19h34
(atualizado em 24/10/2021 às 23h47)
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Um dia após o relatório final da CPI da Covid ser lido no Senado e pedir o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro em função de sua postura e condução durante a pandemia de covid-19, Bolsonaro voltou a atacar a vacina e colocar dúvidas sobre sua segurança. O presidente afirmou na quinta, 21, em sua live semanal que pessoas que tomaram duas doses do imunizante contra o novo coronavírus no Reino Unido estão desenvolvendo aids. A afirmação, que é mentirosa, foi desmentida por cientistas de todo o mundo e publicada em um site inglês conhecido por espalhar teorias da conspiração.

A live foi apagada do perfil do presidente no Facebook e no Instagram na noite de domingo, 24. Até o final da noite, a gravação continuava disponível no canal do YouTube de Bolsonaro.

Presidente Jair Bolsonaro em live realizada na última quinta-feira, 21.
Presidente Jair Bolsonaro em live realizada na última quinta-feira, 21.
Foto: Reprodução/Facebook/Jair Messias Bolsonaro / Estadão

Bolsonaro introduz o tema em seu programa online dizendo que dará uma notícia grave, mas sem fazer comentários a respeito. Em seguida, pega uma espécie de jornal e, antes de supostamente ler uma reportagem, reconhece que já tratou do assunto no passado e que, por isso, "apanhou muito".

Mas seguiu e disse: "Relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados (15 dias após a segunda dose) estão desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (aids) muito mais rápido que o previsto". E completa: Recomendo que leiam a matéria. "Não vou ler aqui porque posso ter problemas com a minha live".

A fake news que relaciona vacinas com o desenvolvimento da doença já era conhecida a ponto de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter reforçado a importância de portadores de HIV serem imunizados contra a covid-19. Mas propagação da mentira no momento em que o Brasil atinge mais da metade de sua população com a vacinação completa gerou revolta e críticas entre cientistas nas redes sociais.

Por meio de nota (leia a íntegra abaixo), o Comitê de HIV/aids da Sociedade Brasileira de Infectologia afirmou que não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina contra a covid-19 e o desenvolvimento de síndrome da imunodeficiência adquirida, e repudiou "toda e qualquer notícia falsa que circule e faça menção a esta associação inexistente". O comitê da SBI também reformou que pessoas que vivem com HIV/aids devem ser completamente vacinados para a doença, e destacou que a dose de reforço (terceira dose) é indicada para quem recebeu a segunda dose há mais de 28 dias.

A microbiologista Natalia Pasternak usou o Twitter para ressaltar que nenhuma vacina, não apenas que protege contra a covid-19, faz com que as pessoas desenvolvam aids. O médico e pesquisador de saúde Daniel Dourado também usou a plataforma para informar as pessoas da maneira correta. "Não existe nenhuma possibilidade de a vacina causar aids, zero. Qualquer que seja a vacina. É isso que precisa ser divulgado de forma clara e direta", disse.

A classe política também reagiu. Diversos parlamentares da oposição ressaltam a característica criminosa da declaração de Bolsonaro. "Isso não é apenas fake news, é mais do que uma simples mentira - isso é terrorismo de Estado. A Justiça precisa frear essa loucura", publicou o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid, no Twitter.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, reafirmou a segurança dos imunizantes disponíveis e pediu que a população ouvisse a ciência: "Fake news MATA, um presidente que cometeu crimes contra a humanidade, também!".

Publicação do senador Randolfe Rodrigues neste domingo, 24.
Publicação do senador Randolfe Rodrigues neste domingo, 24.
Foto: Reprodução/Twitter / Estadão

"Bolsonaro mais uma vez usou documento falso para atacar as vacinas e associá-las a aids. Lamentável que essa seja a prioridade do presidente de um país com mais de 600 mil mortos, 20 milhões de famintos e 14 milhões de desempregados. Mais um crime na ficha de Bolsonaro", disse o líder da minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ).

Também pelo Twitter, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) disse que Bolsonaro "não tem escrúpulos" e que, "se a justiça não o tirar antes", o presidente não será reeleito em 2022.

Publicação da deputada Tabata Amaral neste domingo, 24.
Publicação da deputada Tabata Amaral neste domingo, 24.
Foto: Reprodução/Twitter / Estadão

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que é o coordenador da Frente Parlamentar Mista de enfrentamento ao HIV/aids/hepatites virais no Congresso Nacional, disse em seu perfil na rede social que pretende entrar com "medidas jurídicas" contra o presidente pela fala.

Manuela D'Ávila (PCdoB), que concorreu à vice-presidência da República em 2018, disse que o presidente "segue com seu projeto de morte" ao espalhar a fake news em sua live.

Na quarta, 20, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) incluiu, no relatório final da comissão, a disseminação de notícias falsas e desinformação sobre a pandemia no País entre os fatores responsáveis pelos óbitos decorrentes da covid-19. Segundo o senador, as fake news resultaram em mortes que poderiam ter sido evitadas, uma vez que teriam gerado "uma exposição perigosa e desnecessária ao novo coronavírus" e, consequentemente, contribuído "para a perda de vidas adicionais" durante a crise sanitária.

Nota de esclarecimento da Sociedade Brasileira de Infectologia

O Comitê de HIV/aids da Sociedade Brasileira de Infectologia vem a público esclarecer que:

1) Não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina contra a COVID-19 e o desenvolvimento de síndrome da imunodeficiência adquirida;

2) Pessoas que vivem com HIV/aids devem ser completamente vacinados para COVID-19. Destacamos inclusive a liberação da dose de reforço (terceira dose) para todos que receberam a segunda dose há mais de 28 dias.

3) Repudiamos toda e qualquer notícia falsa que circule e faça menção a esta associação inexistente.

São Paulo, 23 de outubro de 2021.

COMITÊ CIENTÍFICO DE HIV/AIDS DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA

Estadão
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