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Coronavírus

Com novo lockdown, China trava cadeia global de produtos

Lockdown em Xangai, cidade onde está instalado o maior porto do mundo, retarda a normalização na cadeia de suprimentos e pode agravar a inflação no Brasil

3 mai 2022 - 05h10
(atualizado às 07h48)
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Pedestre caminha em frente à Bolsa de Valores de Xangai
Pedestre caminha em frente à Bolsa de Valores de Xangai
Foto: Reuters

A previsão de que a cadeia logística global estaria de novo regularizada ainda neste ano já foi descartada por especialistas da área. Com o novo surto de covid na China e o lockdown adotado em Xangai - cidade onde está instalado o maior porto do mundo -, a cadeia de suprimentos vive mais um momento de estresse que começa a causar atraso na entrega de mercadorias, deve impactar o Brasil sobretudo nas próximas semanas e pressionar a inflação ainda mais.

Desde o começo da pandemia, quando países adotaram medidas de distanciamento social que inviabilizaram a produção e o deslocamento de produtos, a rede global de logística enfrenta rupturas que causaram desabastecimento de alguns itens. Por outro lado, os estímulos fiscais implantados por diversos governos para amenizar a crise impulsionaram o consumo e a encomenda de mercadorias, aumentando a demanda por frete. Houve, assim, um descasamento entre oferta e demanda.

O preço do frete explodiu nesse período, com a média paga pelo transporte de um contêiner passando de US$ 1,4 mil, em fevereiro de 2020, para US$ 11,1 mil em setembro do ano passado. Hoje, o valor está em US$ 8,9 mil. Esse preço vinha em uma tendência de queda, e grande parte dos especialistas apostava em uma regularização do setor ainda neste ano. A diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, afirmou, no fim de fevereiro, ao Estadão, que acreditava que a situação seria normalizada no início de 2023, o mais tardar. Esse prazo, porém, agora é visto com descrédito.

O lockdown em Xangai deve causar um efeito cascata na rede de abastecimento mundial. O porto da cidade movimenta por ano 43 milhões de TEUs (medida equivalente a um contêiner de 20 pés, ou cerca de seis metros), é quase dez vezes o total que circula no porto de Santos - o maior do Brasil.

O distanciamento social, inicialmente, limita a quantidade de trabalhadores no porto, reduzindo a eficiência no local. Em seguida, contêineres começam a se acumular, navios ficam congestionados e as empresas de navegação cancelam embarques, explica o especialista em políticas e indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Matheus de Castro. "Quando as medidas de lockdown forem suspensas, será preciso atender a demanda acumulada e a normal. É daí que vem o desequilíbrio de oferta e demanda (de frete). Até hoje, estão tentando corrigir esse desequilíbrio, causado no começo da pandemia, com preços (mais elevados)", afirma Castro.

Para o advogado especialista em transporte marítimo Larry Carvalho, a retomada e a volta à normalidade no porto de Xangai devem levar de três a quatro meses. "Um congestionamento desse tamanho não é fácil de ser regularizado."

A regularização global, porém, levará meses, na avaliação de Castro. "O retorno à normalidade foi retardado. Se as condições permanecerem difíceis também na Ucrânia e nos Estados Unidos, o processo de equilíbrio vai ser jogado para 2023 e 2024."

Guerra

Além da situação na China, os EUA continuam a registrar congestionamento de navios em suas costas, ainda devido à pandemia, e a guerra na Ucrânia também dificulta o escoamento no Mar Negro. O conflito no Leste Europeu tem ainda sido um entrave para o setor de transporte marítimo ao encarecê-lo devido à alta do preço do combustível. Por outro lado, lembra o especialista da CNI, se o desaquecimento da economia global se concretizar, a demanda por mercadorias deve arrefecer, reduzindo também a necessidade por transporte, o que pode ajudar na regularização da logística.

Até a última quinta-feira, apenas na costa chinesa, havia 412 navios aguardando para atracar. Em fevereiro, eram 260 - ou seja, um aumento de 58% -, de acordo com a plataforma Windward.

Outro reflexo desse problema é a falta de contêineres. Dados da Windward mostram que um em cada cinco navios porta-contêineres em todo o mundo está parado do lado de um porto congestionado, sendo que 24,3% deles estão na China. Isso também significa aumento de custos para importadores e exportadores que sofrem com a escassez de contêineres para embarcar seus produtos. Antes dessa crise, diz Carvalho, um contêiner de 40 pés fazia quatro viagens por ano. Hoje esse número é de 2,3 a 2,5 vezes.

De acordo com o diretor executivo do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), Claudio Loureiro de Souza, o congestionamento de navios na China reflete um problema que acontece em terra. O transporte terrestre no país também está travado devido ao lockdown, o que dificulta o deslocamento das mercadorias até os portos.

Brasil

Apesar de o maior impacto dessa nova onda de problemas no transporte marítimo ainda ser esperado para as próximas semanas no Brasil - dado que um navio leva cerca de 35 dias para viajar da China até aqui -, os primeiros sinais já começaram a aparecer. O preço do frete para exportar um contêiner aumentou 6% entre março e abril, quando o valor médio para envio de um contêiner ficou em US$ 2,5 mil. Na comparação com o mesmo período do ano passado, o incremento chega a 70%.

Na importação, os preços seguem em queda e a média ficou em US$ 5,5 mil em abril. Castro, da CNI, no entanto, alerta que, a partir de meados de abril, começaram a ocorrer cancelamentos de embarques, suspensões de escalas e redução na quantidade de navios na rota Xangai-Brasil. A diminuição da capacidade é estimada em 10% e deve pressionar os preços a partir de maio. "Possivelmente, com o eventual retorno das operações em Xangai, os fretes devem voltar a subir", diz Castro.

O represamento de navios na China também aumenta o risco de desabastecimento. Na indústria automobilística, neste momento, o problema logístico já é maior do que a falta de semicondutores - que também vem travando o setor nos últimos dois anos -, diz o presidente da Bright Consulting, Paulo Cardamone.

Um dos maiores centros populares de compras no Brasil, a Rua 25 de Março, em São Paulo, já tem falta de produtos. O diretor da Univinco, associação dos lojistas da região, Marcelo Mouawad, afirma que nas últimas semanas tem tido dificuldade para agendar a saída de produtos da China para o Brasil. "Não se consegue datas para o embarque e o resultado é a falta de produtos, como os populares carrinhos Hot Wheels, chupetas e mamadeiras."

Segundo importadores, se o lockdown persistir, vários segmentos poderão ter problemas. O setor de energia solar é um deles. Hoje os fornecedores têm três meses de estoque em território nacional. "Mas, se perdurar essa situação, teremos problemas de falta de produto e aumento dos preços pelo desequilíbrio entre oferta e demanda. Esse impacto ocorreria no terceiro trimestre", diz o presidente do Portal Solar Franquia, Rodolfo Meyer.

Situação semelhante vive a indústria elétrica e eletrônica. Depois das dificuldades enfrentadas durante a pandemia, algumas empresas elevaram seus estoques, mas ainda não em volume suficiente para aguentar muito tempo sem a chegada de novos componentes. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, afirma que as empresas estão preocupadas e discutindo alternativas para não parar a produção.

"Abril já foi um mês comprometido em termos de recebimento de insumos. Seguramente teremos problema no terceiro trimestre", afirma. O executivo destaca que há um aumento de custo significativo em tudo que é movimentado em Xangai. Isso porque falta mão de obra para qualquer serviço de transporte, como motorista e operador de máquina.

De acordo com a Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol), seus associados já relatam atrasos na importação de produtos chineses, principalmente no setor automobilístico. "Outros clientes tiveram cancelamento direto de pedidos por parte de fornecedores chineses, o que vem trazendo descompassos nos processos produtivos das empresas no Brasil", diz a diretora executiva da associação, Marcella Cunha.

Ela cita como exemplo o porto de Suape, onde operadores registraram omissão de 40% dos navios programados para abril - isso ocorre quando o armador decide não escalar o porto com o navio programado. "No que se refere às importações chinesas do Brasil, há operadores que relatam suspensão total das operações para Xangai, Jiangsu e Zhejang."

A executiva diz que há uma preocupação crescente em torno da falta de componentes e insumos chineses que abastecem grande parte do mundo. Isso provocaria um novo aumento nos insumos básicos e, por consequência, na inflação global, em particular nos EUA e no Brasil.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), Fernando Pimentel, também diz estar monitorando a situação, mas destaca que, por enquanto, o quadro não se assemelha ao verificado no início da pandemia. "Não é verdade que está sendo indolor, mas não é uma situação dramática neste momento. Por enquanto, o mais complexo é o custo."

* Colaborou Cleide Silva

Estadão
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