Com piora nos reservatórios, governo pediu à Aneel para retomar taxas extras na conta de luz
Decisão do órgão não era esperada, já que ele recomendava a retomada das bandeiras apenas em janeiro de 2021; dados preocupantes dos reservatórios motivaram a mudança de posicionamento
BRASÍLIA - A piora nas condições de abastecimento de energia no País e a previsão de que o cenário de chuvas não deve melhorar nas próximas semanas levaram o governo a pedir à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que retomasse a cobrança das bandeiras tarifárias (taxas extras na conta de luz) imediatamente.
Desde hoje, 1º, as tarifas estão com bandeira vermelha em seu segundo patamar, com uma taxa extra de R$ 6,243 a cada 100 kWh.
A decisão da Aneel, tomada em pleno feriado no Distrito Federal, surpreendeu tanto o setor elétrico quanto o financeiro, e os bancos imediatamente reajustaram para cima suas projeções para a inflação de 2020. As distribuidoras, que emitem milhões de faturas por dia, foram informadas minutos antes da decisão.
A nota técnica da Aneel, datada de 25 de novembro, reconhecia as dificuldades na geração de energia que levaram ao acionamento de usinas termelétricas no dia 17 de outubro, mas ainda assim recomendava a retomada das bandeiras apenas em janeiro de 2021.
Diante da rápida piora nas previsões do ONS sobre chuvas e armazenamento de reservatórios, o Ministério de Minas e Energia (MME) solicitou à Aneel que retomasse a cobrança das bandeiras imediatamente, segundo apurou o Estadão/Broadcast. A reportagem apurou que a nota técnica foi elaborada às pressas, horas antes da reunião da diretoria realizada ontem, 30.Procurado, o MME informou que "definição de bandeiras é competência da Aneel". Procurada, a Aneel, até o momento, não se pronunciou.
As condições de geração do País apontam que as tarifas já deveriam estar com bandeira vermelha nível 1 em outubro e vermelha nível 2 em novembro - a cobrança foi suspensa em razão da pandemia do novo coronavírus. A nota técnica anterior cita que o mês de outubro foi o pior em 88 anos na história em termos de armazenamento de hidrelétricas no Sudeste: choveu apenas 54% da média história. No Sul, foi o segundo pior resultado da história, com 21%.
Seca
O nível dos reservatórios das principais hidrelétricas do País está entre os mais baixos da série histórica, informou nesta terça-feira, 1º, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). De acordo com o órgão, os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste estão com 17,7% da capacidade, inferior aos 18,9% registrados em 2019. "Nos últimos anos, o País passou por uma escassez hídrica que não permitiu a total recuperação dos níveis dos reservatórios", disse o ONS.
Neste momento, o armazenamento só está superior aos 15,8% verificados em 2014. No mês seguinte, em 19 janeiro de 2015, o Brasil sofreu um apagão em 11 Estados devido a picos de consumo associados ao forte calor. Na época, o governo insistiu que o sistema era robusto.
Segundo o ONS, as afluências (quantidade de água que chega aos reservatórios das hidrelétricas) no Sudeste/Centro-Oeste registraram o terceiro pior resultado da série histórica entre maio e novembro deste ano - época em que se caracteriza o período seco.
Mesmo para dezembro, quando tradicionalmente começa o período úmido, as chuvas estão muito abaixo da média. Para esta semana, até sexta-feira, 4, o ONS prevê afluências médias de 37% da média histórica.
Para fazer frente a esse cenário, o ONS informou que, desde 17 de outubro, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), órgão presidido pelo MME, já determinou o acionamento de termelétricas, a importação de energia da Argentina e Uruguai e a flexibilização de restrições das usinas de Itaipu, Ilha Solteira e da bacia do Rio São Francisco
"Os pleitos relacionados à flexibilização de restrições relativas às usinas de Ilha Solteira e da bacia do Rio São Francisco ainda serão avaliados pela Agência Nacional de Águas (ANA)", informou o ONS. Nos dois casos, as bacias têm uso misto e por isso precisam de aval da ANA.
Sobre os próximos meses, o ONS informou que ainda é preciso aguardar para tomar novas medidas. "Para os próximos meses, é preciso esperar e avaliar como o período úmido, que começa agora e vai até abril, irá se comportar para definir as estratégias de operação."
Ao justificar o aumento na conta de luz, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, em suas redes sociais, que o País corre o risco de ter apagões. Em resposta a um comentário em sua página oficial no Facebook, o chefe do Executivo ressaltou que "as represas estão em níveis baixíssimos" e que o período de chuvas ainda não veio.
A fala foi direcionada ao comentário de um usuário que fez uma reclamação explícita sobre a retomada da cobrança das bandeiras: "A conta de luz vai aumentar. Obrigado PR". "As represas estão (com) níveis baixíssimos. Se nada fizermos poderemos ter apagões. O período de chuvas, que deveriam começar em outubro, ainda não veio. Iniciamos também campanha contra o desperdício", escreveu o presidente.