Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Coronavírus

Como a PGR 'blindou' Ministério da Saúde de alerta de procuradores contra cloroquina

Órgão criado por Augusto Aras decidiu não encaminhar ao Ministério da Saúde recomendação feita por procuradores de SP, RJ, PE e SE

8 jul 2020 - 17h01
(atualizado às 17h42)
Compartilhar
Exibir comentários

A Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu não enviar ao Ministério da Saúde (MS) uma recomendação formulada por procuradores da República de quatro Estados brasileiros, alertando contra o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no enfrentamento à covid-19.

Na peça, profissionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Sergipe recomendam ao Ministério da Saúde que reavalie a indicação de uso do medicamento nos estágios iniciais da covid-19 — o MPF argumenta que, até o momento, não há evidência científica de que a droga tenha eficácia contra a doença. A peça é do dia 27 de maio.

A recomendação pede a revisão da Nota Informativa nº 9 de 2020 do Ministério. O documento do MS descreve os sintomas da doença e indica uma determinada dosagem de cloroquina, hidroxicloroquina e do antibiótico azitromicina para cada fase da infecção. Embora não seja obrigatória, a recomendação do MS tem grande influência sobre a comunidade médica.

Além disso, os procuradores também pedem para que o Ministério não volte a indicar o uso de remédios, a não ser que surjam estudos recomendando determinada droga e mostrando que os benefícios superam os riscos — o que não aconteceu, pelo menos até o momento, no caso da cloroquina e da hidroxicloroquina.

Um ministro da Saúde ou outro gestor público que receba uma recomendação do Ministério Público não é obrigado a segui-la, mas o fato de ter recebido e ignorado o alerta poderia pesar em uma eventual futura ação judicial.

Nesses casos, a praxe é que a PGR receba as indicações dos procuradores e as encaminhe para o ministério correspondente.

Não foi o que aconteceu desta vez, no entanto.

A decisão de não enviar a recomendação ao Ministério da Saúde foi tomada no dia 29 de junho pelo Gabinete Integrado de Acompanhamento à Epidemia do Coronavírus (Giac) e pela 1ª Câmara de Coordenação e Revisão (1ª CCR) da PGR, à qual o Giac está vinculado. A maioria dos membros dessa Câmara foi indicada recentemente pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. A decisão foi unânime.

O relator do caso na PGR, o procurador Onofre de Faria Martins, escreveu que o fato de a recomendação não ter sido enviada ao Ministério da Saúde não impede que os procuradores apresentem ações na Justiça sobre o assunto — os membros do MPF têm autonomia funcional garantida pela Constituição de 1988. Além disso, ressaltou ele, o Giac está monitorando o assunto e já recebeu esclarecimentos do MS sobre o tema.

No voto, o relator também argumenta que não há consenso sobre o tema no próprio Ministério Público. Ele menciona um ofício de maio deste ano, no qual procuradores de Bento Gonçalves (RS) recomendam que a população tenha acesso à cloroquina, à hidroxicloroquina, à azitromicina e ao vermífugo ivermectina, "dentre outras (drogas) que as comunidades médica e científica venham a reconhecer".

Martins disse ainda que a recomendação poderia representar uma "possível afronta ao princípio da independência e da separação dos poderes".

O não-encaminhamento da recomendação ocorre também após decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) com potencial para restringir a atuação dos procuradores durante a pandemia. No dia 19 de junho, o Conselho recomendou aos procuradores que não movam medidas judiciais em temas sobre os quais não exista "consenso científico".

"Diante da falta de consenso científico em questão fundamental à efetivação de política pública, é atribuição legítima do gestor a escolha de uma dentre as posições díspares e/ou antagônicas, não cabendo ao Ministério Público a adoção de medida judicial ou extrajudicial destinadas a modificar o mérito dessas escolhas", diz a decisão do CNMP.

Centralização de poderes

O Giac-Covid foi criado por Augusto Aras ainda no começo da pandemia, em meados de março. Tinha por objetivo uniformizar a atuação do Ministério Público e "prevenir dispersão e eventuais contradições" por parte do MPF, disse Aras na ocasião.

Nem todos os procuradores seguiram as orientações do Giac, no entanto.

Aras reagiu então com uma medida inédita na história recente do Ministério Público: enviou ofícios a todos os ministérios da Esplanada, pedindo que todas as demandas recebidas pelas pastas da parte de procuradores do MPF fossem encaminhadas ao Giac.

"Você tem o Giac, mas meio que sem braços, sem capacidade de impor sua linha. Como eles lidaram com isso? Com aquele ofício que o procurador-geral mandou para os ministérios, para que mandassem as recomendações todas para ele. Esse foi o primeiro ponto de crise. Era o PGR dizendo 'olha, como sou eu quem tem atribuição para te cobrar, o que você receber aí, me manda para eu avaliar'", rememora um procurador consultado pela BBC News Brasil, sob anonimato.

"E na sequência, veio essa recomendação do CNMP de estabelecer não só a questão (da necessidade) do consenso científico (para ajuizar ações) como a ideia de que o Ministério Público tem que ser ter deferência às escolhas dos gestores (prefeitos, governadores, ministros). Ora, a razão de ser da atuação (do MP) é você identificar ilegalidades (na atuação dos agentes públicos)", diz o procurador.

Decisão não impede ações judiciais, diz procuradora

Apesar do veto do Giac e da 1ª CCR, o grupo de procuradoras que redigiram a recomendação a tornou pública, e também formulou representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU). Ao todo, sete procuradoras e dois procuradores assinam o texto.

Uma das autoras é Lisiane Braecher, atual procuradora regional dos direitos do cidadão em São Paulo.

À BBC News Brasil, ela destacou que o grupo não viu necessidade de recorrer da decisão de não encaminhar a recomendação, porque o caso já está sendo apurado em outras frentes — mas disse que é incomum que recomendações não sejam encaminhadas.

"A decisão da 1ª CCR não impede o ajuizamento das medidas judiciais para restabelecer a legalidade da atuação do Ministério da Saúde. Como já há ações judiciais neste sentido e recentemente foi ajuizada Ação Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF, no Supremo), os Procuradores da República que assinaram a recomendação entenderam que não havia utilidade em recorrer da decisão da 1ª CCR", escreveu ela, por e-mail.

"Além da recomendação, também sobre a questão, na mesma época, foi feita representação ao Tribunal de Contas da União (TCU), em tramitação (...), e ainda enviada cópia da representação ao Fórum Nacional de Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)", diz.

"A decisão da 1ª CCR precisa ser avaliada no contexto, que é bastante diferente da data em que foi feita. Desde o encaminhamento da recomendação à 1ª CCR já houve vários fatos novos. Houve publicação de novos estudos, vários gestores e serviços de saúde já se manifestaram fundamentadamente sobre o uso precoce dos medicamentos, e a orientação do Ministério da Saúde é objeto de apuração no TCU e de ADPF no STF", escreveu ela.

"Algumas recomendações foram enviadas ao Ministério da Saúde, e outras não foram encaminhadas. É incomum não serem encaminhadas, mas isso não impediu que outras medidas judiciais e extrajudiciais tenham sido tomadas para resolver os problemas", ressaltou.

Remédio controverso

Embora ainda existam médicos e pesquisadores que ainda defendam o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, os principais estudos sobre o assunto até o momento não encontraram qualquer evidência de que a droga tenha efeito positivo para os pacientes da doença provocada pelo novo coronavírus.

O medicamento, usado no tratamento da malária e de outras doenças, pode inclusive ter efeitos colaterais graves.

No sábado (04), por exemplo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu abandonar de forma definitiva seus testes com a cloroquina e a hidroxicloroquina, por não ter encontrado evidências de que elas fossem eficaz contra a covid-19.

A hidroxicoloroquina é um derivado mais brando da cloroquina
A hidroxicoloroquina é um derivado mais brando da cloroquina
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No Brasil, a droga voltou a ser discutida nesta terça-feira (07), depois de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciar que tinha contraído o novo coronavírus e dizer que tinha feito uso do medicamento.

O presidente relatou que teve alguns sintomas no domingo (05), como mal-estar, cansaço e dores musculares, mas disse que passa bem. Ele diz ter começado a tomar a hidroxicloroquina nesta segunda-feira (06) e apareceu em video tomando o medicamento.

A recomendação atual do Ministério da Saúde é de que a hidroxicloroquina seja receitada inclusive para crianças e gestantes, inclusive em casos leves da covid-19, associada à azitromicina.

Apesar da recomendação do Ministério da Saúde, o tratamento precoce com estas drogas é criticado por várias sociedades médicas e entidades.

Em 30 de junho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou uma nota para alertar sobre os riscos desses tratamentos. "Nos últimos dias, muito tem se divulgado nas redes sociais a respeito do uso de medicamentos para a covid-19. Várias destas divulgações que circulam nas mídias sociais são inadequadas, sem evidência científica e desinformam o público", diz o comunicado.

Fora do Brasil, entidades como a OMS, a FDA (equivalente americana à Anvisa), a Sociedade Americana de Infectologia (IDSA) e o Instituto Nacional de Saúde Norte-Americano (NIH) recomendaram, em meados de junho, que os profissionais de saúde não usem cloroquina ou hidroxicloroquina em pacientes com a covid-19, exceto em pesquisas clínicas.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade