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Coronavírus

Conheça o caçador de variantes do coronavírus, brasileiro no top 10 dos cientistas da Nature

Radicado na África do Sul, Tulio de Oliveira lidera equipe que identificou as cepas Beta e Ômicron; cientista tem experiência com outras doenças, como aids, dengue e zika

17 dez 2021 - 17h06
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O brasileiro Tulio de Oliveira apareceu no pronunciamento à imprensa, em 26 de novembro, com camisa listrada, cabelos presos e aparência cansada. Reflexo da intensa corrida do cientista e de sua equipe para sequenciar amostras da nova cepa do coronavírus, que ganhou manchetes pelo mundo e foi batizada de Ômicron naquele dia. Não é a primeira descoberta do pesquisador na pandemia: ele também foi o responsável por sequenciar a Beta, outra versão do Sars-CoV-2 achada na África do Sul e apontada como variante de preocupação pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Oliveira é diretor do Centro para Resposta a Epidemias e Inovação da África do Sul (Ceri). Naquele dia, após ter permissão do presidente Cyril Ramaphosa, o cientista pediu à OMS reunião para discutir a nova variante.

O encontro reuniu cem dos mais importantes cientistas da área, incluindo o renomado imunologista Anthony Fauci, que assessora a Casa Branca no combate à covid-19. "Sou o investigador principal da rede de vigilância genômica na África do Sul. Geralmente fico muito envolvido em falar com os outros chefes dos grupos de pesquisas de genômica no mundo", conta ele, membro do grupo de evolução viral da OMS, ao Estadão.

O alerta sobre a Ômicron e outras variantes levou Oliveira a um grupo ainda mais seleto: foi listado nesta semana entre os dez mais influentes do planeta pela revista Nature, ao lado do engenheiro Zhang Rongqiao, que coordenou uma missão chinesa a Marte, e da climatologista alemã Friederike Otto.

Ser portador de más notícias, porém, não rende apenas glórias. Após alertar a humanidade sobre o novo perigo, ele e colegas chegaram a ser ameaçados de morte. Para seguir trabalhando, aumentaram até a segurança na universidade. "Infelizmente é normal, porque a população em geral ainda tem dificuldade de entender que patógenos e epidemias vão surgir em áreas geográficas distintas", diz.

Ele também lamenta a resposta de vários países à Ômicron, com muitas restrições aéreas e pouca oferta de envio de mais doses de vacinas aos países pobres. "Na verdade, a Ômicron pode ter vindo de qualquer lugar no mundo. E mesmo banindo voos da África do Sul, ela foi para todo lugar."

Da aids à dengue, em busca do rastro dos vírus

Oliveira, que começou os estudos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), está na África do Sul desde 1997 e trabalha com vigilância genômica há quase 20 anos. Tem centenas de publicações em revistas de renome como a própria Nature, Science, Lancet e NEJM. "Antes do mundo todo trabalhar com vigilância genômica", comenta.

A habilidade para o sequenciamento foi usada no país africano para investigar o vírus da aids. "A gente implementou em grande nível o uso de genômica para identificar mutações em pacientes em que falham as terapias de HIV e tuberculose, para colocá-los em uma linha de terapia mais eficiente", explica.

Nas últimas duas décadas, o Ceri e o Krisp, instituições que Oliveira dirige, têm recebido pesquisadores brasileiros. "Eles vão e voltam, tanto para trabalhar com a gente aqui, como a gente trabalhando na resposta genômica para vírus emergentes no Brasil", diz o cientista, que trabalha em parceria com instituições nacionais, como a Fiocruz.

A equipe de Oliveira também esteve por trás do sequenciamento de outros vírus conhecidos dos brasileiros, como o zika, que levou a OMS a decretar emergência internacional em 2016, febre amarela, dengue e chikungunya. Em 2019, a equipe dele instalou laboratórios de sequenciamento de DNA móveis, dentro de motor homes ou ônibus, para seguir o rastro das epidemias pelo Brasil. "Fizemos uma grande viagem. Saímos de Cuiabá e fomos a Campo Grande, de lá fomos para Goiânia, e depois Brasília. Do meio para o fim de 2019, tivemos grandes surtos de dengue e chikungunya no Centro-Oeste", lembra.

Embora acostumado com a análise genômica, o diferencial da pandemia foi a velocidade e a utilidade imediata da identificação das variantes. Isso ajudou a preparar as redes de saúde para novas ondas da covid. A África do Sul está à frente do Brasil no monitoramento do vírus. O país sequencia 0,82% das cepas, ante 0,35% no Brasil. "O que nos ajuda muito aqui na África do Sul é que há muito financiamento e suporte do governo. O que, infelizmente, não acontece no Brasil nos últimos anos. Cortaram muito dinheiro da ciência no Brasil", critica Oliveira.

Segundo ele, as autoridades locais fazem questão de ouvir os cientistas para dar resposta à pandemia. A cada variante identificada, o contato é veloz. "Em menos de 36 horas, falo diretamente com o ministro da Ciência, Tecnologia e da Saúde, além do presidente da África do Sul." O Brasil, por outro lado, se destacou mundialmente pela postura negacionista de autoridades, como o presidente Jair Bolsonaro, à crise sanitária.

Em busca do equilíbrio com a natureza

Oliveira é filho de uma moçambicana, que só voltou ao país de origem após o fim do apartheid na África do Sul. Ela sabia, segundo o cientista, que a guerra civil na terra natal ia acabar, porque o conflito tinha apoio do regime segregacionista sul-africano.

O pesquisador e as irmãs saíram do Brasil e acompanharam a mãe. Ficaram em Durban, cidade sul-africana que fica próxima a Moçambique. Ele completou os estudos na África do Sul, passou uma temporada em Oxford, no Reino Unido. No seu currículo, também aparecem as universidades de KwaZulu-Natal e Washington.

Além da carreira na academia, atuou por dez anos no The Wellcome Trust, um centro de caridade global independente dedicado a melhorar a saúde. Neste ano, ele voltou a Stellenbosch, na região da Cidade do Cabo, para fundar o Ceri.

A mulher de Oliveira é sul-africana e o casal tem três filhos pequenos - ele cuidava das crianças enquanto conversava com o Estadão nesta quinta-feira, 16. Os meninos, todos os anos, visitam o Brasil.

Nas redes sociais, além de alertas sobre a pandemia, ele publica fotos das belas paisagens da África do Sul. "Precisamos de qualidade de vida para continuar produzindo ciência de alto nível por muito tempo. Levo muito a sério a parte de balancear a vida com lazer em família", diz.

Equilíbrio entre homem e natureza também é a chave para evitar novas pandemias. Vírus e outros patógenos costumam ter origem em animais. Com a destruição do meio ambiente, e as cidades invadindo as florestas, cada vez mais haverá novas crises sanitárias.

"No Brasil, nos últimos 10 anos, quantas epidemias tivemos de vírus transmitidos por mosquitos? Isso porque estamos em processo de aquecimento global e destruição de florestas, o que aumentou muito", destaca. "Infelizmente, se a gente continuar não tomando conta do meio ambiente, patógenos vão emergir e transmitir na população. E os cientistas que serão atacados por descobri-los". Os pesquisadores, reforça, não são o mal a ser combatido. "Tentamos ajudar a preparar para respostas a epidemias e pandemias. Se não conhece seu inimigo, não tem como enfrentá-lo."

Estadão
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