Coronavírus: como convencer seus familiares de que a quarentena é necessária
O distanciamento social e autoisolamento são formas eficazes de controlar a disseminação da covid-19, mas muitos estão ignorando as medidas de saúde pública. Veja como conversar com alguém que não está seguindo as regras.
Em algumas partes do mundo, a disseminação do novo coronavírus deixou espaços públicos assustadoramente silenciosos. Em outras, a vida durante a pandemia está agitada como sempre — e em alguns casos até mais.
O País de Gales, no Reino Unido, recebeu uma enorme quantidade de visitantes antes que as restrições britânicas fossem reforçadas, enquanto na Austrália as pessoas em Bondi Beach não estavam dispostas a deixar o vírus interromper seu relaxamento até que a polícia se envolvesse.
Em Miami, nos Estados Unidos, os estudantes de férias estavam determinados a comemorar. "Se eu pegar corona, peguei", disse um deles. "No final das contas, não vou deixar que isso me impeça de festejar."
E não são apenas grupos de jovens que lutam para entender a realidade da vida com o covid-19. Uma pesquisa nos EUA feita em meados de março descobriu que, àquela altura, menos da metade das pessoas com mais de 60 anos estavam preocupadas com o risco de morte pelo vírus.
Para alguns, como Karen Swallow Prior, no Estado americano do Maine, isso levou a uma inversão geracional de papéis — ela tentava convencer seus pais idosos a não escapar para a cidade.
Diante do fato de que órgãos de saúde pública, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS), os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC), entre outros, estão deixando claro que existem maneiras eficazes de retardar a propagação da covid-19, evitando o contato próximo com outras pessoas, por que tantos deixam de prestar atenção mesmo após a introdução de medidas rígidas?
E como você pode convencer as pessoas a começarem a cuidar de si mesmas e das pessoas ao seu redor?
Uma pesquisa descobriu que pessoas nos EUA e no Reino Unido entenderam logo cedo quais eram medidas de saúde pública para conter o vírus, diz Pascal Geldsetzer, pesquisador da Escola de Saúde Pública T.H. Chan, da Universidade de Harvard.
Em um estudo realizado entre 23 de fevereiro e 2 de março, Geldsetzer usou um questionário on-line para perguntar a 2.986 pessoas nos EUA e 2.988 no Reino Unido sobre suas opiniões e sua compreensão do novo coronavírus.
A maioria dos participantes (93% nos EUA e 86% no Reino Unido) sabia quais medidas poderiam impedir a disseminação do vírus: lavar as mãos, evitar contato próximo com pessoas doentes e evitar tocar em seu rosto. Mas há uma diferença entre saber quais ações podem reduzir a transmissão do vírus e colocá-las em prática. (Leia mais sobre por que é tão difícil parar de tocar em seu rosto)
Espírito de guerra
Uma das razões pelas quais isso é tão difícil pode ser que, quando se trata de uma crise, geralmente procuramos experiências passadas para entendê-la.
Há um exemplo histórico óbvio a ser usado em países onde as epidemias de Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers, na sigla em inglês) e Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, na sigla em inglês), ambas causadas por outros tipos de coronavírus, ocorreram anteriormente.
Mas mesmo no Canadá, que era um ponto de acesso da Sars, o impacto desse conhecimento parece ter se dissipado, diz Jacalyn Duffin, professora emérita de História da Medicina na Universidade canadense de Queens.
A Sars matou 44 pessoas no país em 2003, mas isso não se traduziu em um planejamento consistente a longo prazo para lidar com futuros surtos de doenças respiratórias. "O planejamento pandêmico foi realmente grande logo após a Sars", diz Duffin. "Isso durou alguns anos no Canadá, mas é incrível a rapidez com que desapareceu".
Mesmo para quem viveu uma delas, a pandemia de covid-19 está em outra escala, diz Duffin. E para as pessoas que não o fizeram, quando nos voltamos para nossas próprias histórias pessoais para comparação, há um espaço em branco.
"Nós nunca passamos por isso antes, mas vivemos coisas que têm semelhanças de alguma forma", diz Robert West, professor de ciências comportamentais e saúde da Universidade College London. "Sempre que os humanos se deparam com uma nova situação procuram paralelos."
Na Europa, talvez a primeira comparação que as pessoas tenham feito, principalmente as gerações mais antigas, seja com os tempos de guerra. "Você notará algumas pessoas falando sobre isso", diz West. "Existem algumas coisas semelhantes e outras diferentes".
A semelhança, diz West, é a ideia central de ameaça existencial. "Não apenas havia o risco de serem mortos a curto prazo dentro de casa, como também havia a ameaça de invasão, o que seria catastrófico. Uma coisa que essa pandemia de coronavírus compartilha com essa situação é a sensação comum de ansiedade."
Esse paralelo é útil para entender a resposta das pessoas às orientações de saúde pública — segui-las atentamente ou ter comportamentos evitáveis. "Tem gente andando por aí sentindo que nada vai acontecer e essas pessoas vão lidando com os problemas à medida que forem surgindo", diz West. "E haverá outros com um sentimento de ansiedade do momento em que acordam até o final do dia."
Onde quer que você se enquadre nesse espectro, uma crise trará sua resposta com mais nitidez do que nunca, diz West.
Então, como você lida com alguém que permanece complacente em meio a uma pandemia?
Leslie Martin, psicóloga em saúde da Universidade La Sierra, na Califórnia, e coautora do Manual de Oxford sobre Comunicação em Saúde, Mudança de Comportamento e Adesão a Tratamentos, diz que sem um precedente para comparar com a crise, precisamos ser um pouco mais criativos. Martin sugere tentar imaginar o mundo meses ou anos no futuro, quando a pandemia já tiver se encerrado.
"Como vamos olhar para trás e ver nosso comportamento? Teremos arrependimentos sobre como agimos?", ela diz. "Embora não tenhamos passado por isso antes, pense em como refletiremos sobre isso mais tarde. Isso poderia nos ajudar a fazer escolhas melhores."
Regras para nos guiar
Outro grande desafio de seguir as orientações de saúde pública sobre o coronavírus, diz Martin, é a natureza invisível e intangível da propagação do vírus.
"Os seres humanos em geral são muito mais receptivos quando há evidências imediatas do resultado", diz ela. "Mas como há um período de incubação tão longo e como muitas pessoas ficam assintomáticas no início, pode ficar tarde demais para que as pessoas pensem: 'Eu deveria ter me isolado mais'".
As imagens e gráficos, como os pontos usados em muitas simulações, explicam a transmissão e a eficácia do distanciamento social. Se as pessoas que têm o vírus fossem imediatamente visíveis, pode-se imaginar que pessoas não infectadas ficariam mais vigilantes ao permanecer na distância recomendada. Na ausência de um marcador claro, diz Martin, a ameaça parece distante e hipotética.
Uma terceira razão é que muitas de nossas decisões são tomadas em tempo real. A escolha do que fazer minuto a minuto nos deixa com opções que concorrem entre si: devo comer outro biscoito agora ou dar uma corrida? Devo lavar as mãos, ou não devo me preocupar?
"Quando as pessoas estão tomando esse tipo de decisão de momento, o pensamento é: 'vai dar tudo certo desta vez'", diz West. Um bom exemplo é parar de fumar, diz ele. O padrão é pensar que o próximo cigarro não vai te matar, então você continua, o acúmulo de cigarros aumenta muito o risco de morte prematura também.
"Então, uma das tendências é que as pessoas pensem: 'Vai ficar tudo bem desta vez'. Precisamos que as pessoas entendam que não, não vai."
De fato, as evidências mostram que as pessoas tendem a ser muito ruins na avaliação de riscos. É uma das razões pelas quais as pessoas têm mais probabilidade de ter medo de voar de avião do que de dirigir, mesmo que o risco de um acidente ou morte seja muito maior em um carro, ou que explica por que as pessoas se arriscam quando a probabilidade está contra elas.
A saída dessa avaliação defeituosa do risco é parar de confiar nas decisões de momento. "As pessoas precisam pensar nos riscos, não em termos de julgamento em cada ocasião, mas como um conjunto de regras às quais sempre aderem", diz West.
"É uma equação simples: quanto mais barreiras você colocar no caminho desse vírus, que passa dos pulmões de uma pessoa para os pulmões de outra pessoa, menos infecções haverá".
Entendendo o recado
Portanto, diante desses desafios — como você pode conversar com pessoas que não levam a sério as orientações de saúde pública de uma maneira que seja eficaz?
Primeiro, cite as instituições médicas e os profissionais mais bem posicionados para fornecer informações sobre a epidemia, como órgãos independentes de saúde pública que fundamentam seus conselhos em evidências. "É muito mais provável que aceitemos seriamente conselhos de pessoas que achamos que sabem do que estão falando".
Segundo, torne a mensagem positiva. "Como pedimos que as pessoas fiquem isoladas, e isso não é visto como algo positivo para a maioria das pessoas, o que podemos fazer é enquadrar esse isolamento em termos de algo positivo", diz Martin. "Talvez esteja tendo mais tempo para algo que talvez você não tivesse, como a leitura."
Para os idosos, focar na oportunidade de fazer algo criativo e útil pode funcionar, acrescenta Martin, como cuidar do jardim ou fazer um projeto de arte que sempre quiseram fazer.
Terceiro, faça um apelo pessoal aos seus entes queridos. "Faríamos coisas pelos outros que não necessariamente faríamos por nós mesmos", diz Martin. "Quanto mais pudermos tornar essas mensagens pessoais, melhor. Diga para a pessoa pensar nos netos ou nos seus pais e se perguntar: 'quero correr algum risco adicional que possa prejudicá-las?'". Quanto mais pessoal a mensagem, maior será a repercussão, diz Martin.
É aqui que a comunicação de massa de órgãos de saúde pública pode ser menos eficaz do que o boca a boca. "As pessoas podem se tornar líderes dentro de sua própria família e grupos sociais, para dar um bom exemplo", diz Martin. "É difícil ser o primeiro, mas esse é um presente realmente valioso que podemos dar aos outros, ser esse exemplo positivo".
A covid-19 é uma doença que tornou nossos sinais habituais de afeto a coisa mais perigosa para as pessoas que amamos. Mas, independentemente de alguém ser um jovem de vinte e poucos anos ou um octogenário obstinado, apelar para as pessoas e os relacionamentos que eles realmente valorizam pode ser a melhor estratégia para protegê-las.