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Coronavírus

Coronavírus no Brasil: Bolsonaro troca ministro, mas condução da crise deve seguir com Estados, Congresso e STF, dizem analistas

Para cientistas políticos, presidente não tem poderes hoje para reverter política de isolamento social adotada no país.

17 abr 2020 - 04h14
(atualizado às 07h45)
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Bolsonaro em coletiva após demissão de Mandetta; para analistas ouvidos pela reportagem, presidente já não tem forças para mudar o rumo do país na condução de pandemia
Bolsonaro em coletiva após demissão de Mandetta; para analistas ouvidos pela reportagem, presidente já não tem forças para mudar o rumo do país na condução de pandemia
Foto: REUTERS/Adriano Machado / BBC News Brasil

O presidente Jair Bolsonaro fez valer o peso de sua caneta, como havia ameaçado, e demitiu nesta quinta-feira (16/04) Luiz Henrique Mandetta do cargo de ministro da Saúde, após de um mês de embates sobre a melhor estratégia para o enfrentamento da pandemia de coronavírus.

Para o lugar dele, foi escolhido o oncologista e empresário Nelson Luiz Sperle Teich, que foi consultor informal de Bolsonaro para área de saúde durante a eleição de 2018.

Embora Teich defenda, assim como Mandetta, a política de isolamento social para conter o contágio da doença, o novo ministro chega no governo comprometido com a missão estabelecida pelo presidente de "gradativamente" possibilitar a retomada de atividades econômicas paralisadas pela quarentena de parte da população.

"Existe um alinhamento completo aqui, entre mim e o presidente, e todo o grupo do ministério, e que realmente o que a gente está aqui fazendo é trabalhar para que a sociedade retome cada vez mais rápido uma vida normal", disse em seu primeiro pronunciamento no comando da Saúde.

Para analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, Bolsonaro hoje é um presidente enfraquecido e seu governo não terá forças para ditar uma mudança de rumo na condução da crise.

Eles notam que, embora a troca de ministro pareça uma tentativa do presidente demonstrar poder e retomar protagonismo, concretamente a decisão sobre a paralisação de diversas atividades econômicas está nas mãos dos governadores, com respaldo do Supremo Tribunal Federal (STF) e das principais lideranças do Congresso Nacional.

Bolsonaro chegou a editar uma medida provisória (MP) lhe dando poderes para determinar quais seriam as atividades essenciais que não poderiam ser paralisadas por determinação de governadores e prefeitos, inclusive tentando liberar o funcionamento de casas lotéricas e igrejas em todo o país. No entanto, o STF declarou, na quinta-feira (17), inconstitucionais trechos dessa MP, garantindo aos governadores e prefeitos o poder de estabelecer regras de isolamento, fechamento do comércio e restrição de trânsito em rodovias.

"Permanece um cenário em que o presidente tem pouca capacidade de influenciar a política pública e coordenar os atores políticos", nota o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.

"Quando o Supremo reconhece a autonomia dos Estados no desenho de políticas públicas de combate à covid-19, ele limita o potencial de mudança que venha a partir da substituição no Ministério da Saúde", reforça.

O próprio presidente parece reconhecer seu poder limitado de influência ao se queixar mais uma vez de não ter sido ouvido por governadores e prefeitos antes de suas decisões. "Em nenhum momento eu fui consultado por medidas adotadas por grande parte dos governadores e prefeitos. Tenho certeza, eles sabiam o que estavam fazendo", criticou, ao anunciar o novo ministro.

'Troca tem custo alto para o país e o presidente'

Com o 'peso da caneta', Bolsonaro demitiu Luiz Henrique Mandetta e nomeou Nelson Teich para o Ministério da Saúde nesta quinta-feira (16)
Com o 'peso da caneta', Bolsonaro demitiu Luiz Henrique Mandetta e nomeou Nelson Teich para o Ministério da Saúde nesta quinta-feira (16)
Foto: AFP PHOTO/AGENCIA BRASIL/Marcelo CASAL JR / BBC News Brasil

Para a cientista política Maria Hermínia Tavares, professora aposentada da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, a mudança de comando no Ministério da Saúde no meio da pandemia terá um "custo alto" para o país no enfrentamento da doença. Ele ressalta que atuação de Mandetta tinha 76% de aprovação popular, segundo pesquisa do início de abril do Instituto Datafolha, o que sinaliza que sua demissão também terá "custo político" para Bolsonaro.

A mesma pesquisa apontou aumento do índice de reprovação do presidente, de 33% para 39%, enquanto o percentual de brasileiros que avaliam seu trabalho como ótimo ou bom oscilou de 35% para 33%.

Tavares também vê Bolsonaro enfraquecido nesse momento de crise. "Nós vivemos num sistema presidencialistas que não tem presidente. Ele não é capaz de coordenar sua equipe ministerial, não é capaz de conversar com outros Poderes, num momento em que a coordenação, a união nacional, seria importante", crítica.

"Ele se ocupa de atividades de menor importância: tirar selfie com apoiadores na porta do Palácio do Alvorada, alimentar a minoria que o apoia no Twitter. Bolsonaro não exerce a Presidência em nenhum sentido significativo da palavra", disse ainda.

Em demostração de alinhamento no contraponto a Bolsonaro, os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, divulgaram nota conjunta criticando a demissão de Mandetta.

"A maioria das brasileiras e dos brasileiros espera que o presidente Jair Bolsonaro não tenha demitido Mandetta com o intuito de insistir numa postura que prejudica a necessidade do distanciamento social e estimula um falso conflito entre saúde e economia", disseram no comunicado.

"O Congresso Nacional espera que o novo ministro, Nelson Teich, dê continuidade ao bom trabalho que vinha sendo desempenhado pelo Ministério da Saúde, agindo de forma vigorosa, de acordo com as melhores técnicas científicas. A vida e a saúde dos brasileiros devem ser sempre nossa maior prioridade", cobraram também.

Os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, divulgaram nota conjunta criticando a demissão de Mandetta
Os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, divulgaram nota conjunta criticando a demissão de Mandetta
Foto: Marcos Brandão/Agência Senado / BBC News Brasil

Analistas não vêem risco de impeachment

Apesar da fraqueza do presidente, os analistas ouvidos pela reportagem não acreditam que a demissão de Mandetta possa ser um gatilho para que o Congresso inicie um processo de impeachment.

"Não há condições políticas mínimas para se pensar em impeachment hoje. Todo mundo está empenhado na guerra contra o coronavírus. Não tem como começar um processo político que leva meses e corre o risco de paralisar o país. Se em momentos normais já é complicado, imagina agora", acredita Antonio Lavareda, professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

A avaliação é a mesma de Hermínia Tavares e Rafael Cortez. O analista da Tendências, porém, acredita que a troca de ministro eleva o risco de Bolsonaro enfrentar um processo de impeachment mais à frente, caso essa mudança venha acompanhada de uma piora da situação de pandemia.

Nos últimos dias, o país registrou casos crescentes de contaminação e mortes provocadas pela covid-19. Até quinta-feira, o Ministério da Saúde contabilizava 30.425 pessoas contaminadas pelo coronavírus e 1.924 vítimas fatais. Epidemiologistas, no entanto, acreditam que o quadro é ainda pior que os números oficiais já que a falta de testes está provocando subnotificação.

Para Cortez, mesmo no cenário menos provável hoje de a pandemia regredir sensivelmente após a troca de ministros, o contexto político pós-coronavírus tende a ser negativo para Bolsonaro. Na sua avaliação, esse novo cenário aumentou a importância da agenda de redução da desigualdade social e reduziu a relevância do antipetismo como motor político.

"A covid-19 tem um efeito político oposto ao da Operação Lava Jato", acredita ele.

"Enquanto a Lava Jato abriu caminho para a eleição de um candidato de oposição ao sistema política tradicional, como Bolsonaro, a pandemia favorece o pacto político, a cooperação", analisa ainda.

Mandetta desponta nacionalmente

Analistas apontam que conduta de Mandetta à frente do ministério fortalece não só sua figura política como o seu partido, o DEM
Analistas apontam que conduta de Mandetta à frente do ministério fortalece não só sua figura política como o seu partido, o DEM
Foto: Andressa Anholete/Getty Images / BBC News Brasil

Lavareda também vê a covid-19 como um marco importante para os rumos da política brasileira.

"Essa pandemia, pela gravidade, pela profundidade, é uma espécie de divisor de águas na história da nossa sociedade, da nossa economia, e também na história política", afirma.

Nesse sentido, o professor da UFPE acredita que a boa avaliação de Mandetta na condução do Ministério da Saúde lhe dá força para futuras disputas eleitorais, sendo hoje o nome mais forte do DEM, seu partido, para disputar a eleição presidencial de 2022.

"É muito difícil que essa aprovação não se traduza, ao menos em parte, em apoio eleitoral. Ainda que o capital político não se mantenha na mesma proporção de hoje, já que ele vai se afastar do cenário principal do Ministério da Saúde, com certeza ele será um nome eleitoralmente forte para quaisquer disputas nas próximas eleições", afirma.

Para Rafael Cortez, ainda é cedo para chamar o ex-ministro de presidenciável. Mas ele acredita que a ascensão de Mandetta deixa o DEM mais forte nas negociações para alianças eleitorais em 2022. Antes de ser ministro, seu cargo mais alto foi o de deputado federal pelo Mato Grosso do Sul.

"Ele deixa agora de ter um cargo público e isso vai reduzindo sua exposição. Acredito que terá mais força para disputar o cargo de governador no seu Estado", disse.

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