Coronavírus: o que mantém a média de mortes por covid-19 tão alta no Brasil
País tem registrado em torno de mil óbitos por dia nas últimas semanas, mas a permanência da taxa em patamar tão elevado é preocupante; 'a gente começa a achar que é normal, mas isso não é normal', diz infectologista.
A média de pessoas que morrem por causa do novo coronavírus por dia no Brasil tem se mantido relativamente estável desde o início de junho.
A chamada média móvel de óbitos por covid-19 tem variado em torno de mil, segundo dados do Covid-19 Brasil, projeto que monitora a pandemia no país e reúne cientistas de diferentes universidades.
Essa taxa representa a soma das mortes divulgadas pelas secretarias estaduais de Saúde na última semana, dividida por sete. Ela tem esse nome porque varia conforme o total de mortes dos sete dias imediatamente anteriores.
A média móvel dá uma melhor noção da evolução da epidemia no Brasil do que os números divulgados a cada dia nos boletins, porque os dados diários flutuam bastante, por uma série de motivos.
Há atraso nos registros de casos e mortes nos sistemas de saúde. Faltam testes ou a demanda supera a capacidade de processamento dos laboratórios. E os resultados de exames feitos nos finais de semana são divulgados só no início da semana seguinte, o que infla os indicadores destes dias.
Calcular a média ajuda a contornar esses problemas e produz uma visão mais fiel do avanço do coronavírus — e esses dados não só mostram que a situação atual é grave no Brasil, mas que ela ainda pode piorar.
A média móvel de mortes por covid-19 no país aumentou rapidamente entre meados de março e o fim de maio. Mas variou muito pouco desde então.
O menor índice desse período foi registrado em 2 de junho: 923 óbitos. E o maior (1.057 óbitos), em 24 de junho. A média móvel de mortes por semana mais recente, de 14 de julho, ficou em 1.049 óbitos.
Isso seria uma boa notícia — porque ao menos a taxa parou de crescer exponencialmente — se a média de mortes não permanecesse tão alta.
"Ela estacionou em torno de mil. Isso significa que a pandemia ainda está muito agressiva, e, por isso, o total de óbitos está crescendo tanto", diz Domingos Alves, professor da Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e colaborador do Covid-19 Brasil.
Raquel Stucchi, infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, também considera esse dado preocupante.
"É muito complicado nos acostumarmos com mil mortes por covid-19 todo dia. A gente começa a achar que é normal, mas isso não é normal", diz Stucchi.
Pandemia está em diferentes estágios no país
Dois fatores fazem a média de mortes por dia continuar alta no país como um todo. O primeiro é que a pandemia está em estágios diferentes nos Estados e no Distrito Federal.
Em muitos, a média também está estável em um nível elevado. É o caso de Amapá, Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, São Paulo e Bahia.
A taxa está em queda no Amazonas, Acre, Pará, Roraima e Rio de Janeiro. Mas essa redução é compensada pelo crescimento de vários outros Estados, como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, Tocantins e no Distrito Federal.
Ao mesmo tempo, o surto de coronavírus pode estar dando sinais de que está arrefecendo em muitas capitais, mas está a pleno vapor fora delas.
"A epidemia no Brasil não é uma grande fogueira. São várias fogueiras pequenas. As fogueiras altas que a gente via nas capitais agora deram lugar a fogueiras menores nas principais cidades do interior, que estão cercadas por uma porção de fogueirinhas", diz Alves.
Da mesma forma que as tendências de diferentes regiões do país se equilibram e mantêm a média nacional de óbitos alta, o progresso nos grandes centros de vários Estados é anulado pela chegada da pandemia a (ou sua piora em) cidades menores.
Isso é preocupante porque o sistema de saúde no interior tem menos recursos, diz Stucchi. Mesmo se há leitos, faltam profissionais com mais experiência e bons equipamentos, mesmo em cidades das regiões metropolitanas.
"Se não tem isso disponível, aumentam as chances de um paciente morrer", afirma a infectologista.
Mais casos, mais mortes
A média móvel de novos casos indica que a situação ainda pode piorar.
Diferentemente dos óbitos, que cresceram até maio, o aumento dos casos continuou até o início de julho e parece ter se estabilizado nas últimas duas semanas.
Mas a média móvel diária continua alta: variou entre 37 mi e 38 mil nestes 15 dias. E provavelmente não deu tempo ainda para tudo isso se refletir na média de mortes.
A covid-19 costuma levar de oito a dez dias para se agravar depois dos primeiros sintomas. Os casos mais críticos precisam ir para a UTI e ficam em geral internados ali entre duas a três semanas ali. Alguns não resistem.
Por isso, o aumento de casos demora um pouco para se traduzir em mais mortes. E isso pode ainda ter acontecido também porque os laboratórios estão sobrecarregados e não conseguem dar conta de todos os exames de óbitos que precisam ser feitos, diz Alves.
"De maneira nenhuma chegamos ao pico. Acredito que a média de mortes vai voltar a crescer nas próximas semanas e atingir patamares ainda maiores."
Stucchi diz que a permanência das médias de casos e mortes em níveis tão altos é um sinal de uma "incapacidade" do sistema de saúde do país. "Não estamos conseguindo acabar com a pandemia", diz a médica.
Alves concorda e acredita que a crise vai se prolongar ainda mais. "Se a gente se mantêm em patamares tão elevados e nada é feito — pelo contrário, estamos reabrindo o comércio —, a pandemia vai ser muito longeva."