Covid-19 derruba exportações brasileiras do setor de defesa
No primeiro semestre, vendas externas alcançaram US$ 366 milhões, uma queda de 34% em relação ao mesmo período do ano passado
A crise provocada pela pandemia do coronavírus também atingiu as exportações brasileiras da indústria de defesa. A queda nas vendas no primeiro semestre deste ano foi de 34%, em relação a igual período do ano passado. O Ministério da Defesa estima que as vendas externas atinjam US$ 850 milhões em 2020, mas na primeira metade do ano o resultado foi de US$ 366 milhões.
Se a estimativa for concretizada, será uma queda em relação ao desempenho de 2019, quando as exportações alcançaram US$ 1,2 bilhão, 33% de aumento em relação à média dos anos anteriores. Hoje, o Brasil ocupa o 24º lugar em exportações no mundo. Por outro lado, o País importa algo em torno de US$ 2 bilhões por ano para o setor de defesa, o que garante o 11º lugar. O objetivo do ministério é inverter essa proporção ao ampliar as vendas brasileiras.
O secretário-geral do Ministério da Defesa, almirante Almir Garnier Santos, disse ao Estadão que a meta é que, ao final do governo Bolsonaro, as vendas dos produtos de defesa alcancem entre US$ 4 bilhões e US$ 6 bilhões. "Estamos trabalhando para remover os gargalos do setor. Vamos movimentar a máquina do governo para facilitar financiamentos, garantias, seguros, oferecendo apoio e velocidade de análise das questões, mesmo aquelas que envolvam questões mais delicadas como a geopolítica, com objetivo de ajudar a ampliar as exportações".
De acordo com o governo, o setor gera cerca de 1,2 milhão de empregos em empresas que fabricam de alfinete a foguete. O portfólio também inclui aviões, sistemas de artilharia e de controle do tráfego aéreo, diferentes tipos de armas, explosivos e munições. Hoje existem 1104 empresas classificadas como sendo da base industrial de defesa. Elas representam 1,4% do PIB. As companhias que fabricam armas e munições são minoria neste segmento, apenas 1,7%. Só 121 dessas companhias são classificadas como empresas estratégicas pelo Ministério da Defesa, o que garante uma série de incentivos por possuírem tecnologias "essenciais para a manutenção da soberania nacional".
"Não somos sindicalistas da indústria de defesa", diz o almirante Santos. "Embora sejam empresas privadas, a administração pública precisa entender como esse sistema funciona, a fim de que os gargalos sejam removidos, sem criarmos embaraços internacionais."
Para se tornar uma empresa estratégia de defesa, é preciso preencher uma série de requisitos, sendo o mais importante o compartilhamento tecnológico com as Forças Armadas, incluindo o direito de propriedade intelectual e industrial dos produtos. Por outro lado, além de contar com a estrutura do Exército, Marinha e Aeronáutica para desenvolver as tecnologias, as empresas estão isentas do pagamento de tributos federais, como o Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) e o PIS/Cofins.
Empresas
A Embraer, terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo, foi responsável pela maior parte das exportações dos primeiros seis meses de 2020, com 66% do total das vendas, seguida pela CBC, que vende armas e cartuchos, com 29%. Em seguida, aparecem a AEQ, que fabrica explosivo e munições, e a Taurus, que fabrica pistolas.
O Ministério da Defesa evita dizer os países que mais importam produtos de defesa brasileiros, limitando-se a informar que o Oriente Médio responde pela metade das compras. O Estadão apurou, no entanto, que Arábia Saudita, Emirados Árabes, Qatar e Israel estão entre os países do Oriente Médio que mais compram do Brasil. A parceria com esta região começou nos anos 1980, com venda de blindados da empresa Engesa.
Nos outros países da América Latina, que respondem por 30% das exportações, os principais compradores são Colômbia, Chile e Peru. Também há vendas para a África, Ásia e Europa. Portugal, por exemplo, já manifestou interesse em comprar o novo cargueiro brasileiro, o KC-390. No caso da Ásia, o Brasil está de olho em países como Filipinas, Índia, Indonésia e Malásia.
Também há negociações para realizações de parcerias também com a Ucrânia, República Tcheca e Eslovênia. Este último país do leste europeu está instalando a primeira fábrica de armamentos leves (pistolas e rifles de diversos calibres) fruto de uma joint venture (parceria entre empresas para fabricar um produto,) da empresa goiana DFA (Delfire Fire Arms) com a eslovena Arex, no Brasil, com um investimento estimado de três milhões de euros.
Em janeiro e fevereiro de 2020 as exportações tinham alcançado US$ 46 milhões e a expectativa, agora frustrada pela pandemia, era superar os US$ 1,2 bilhão de 2019. O almirante Garnier reconhece que a pandemia provocou um baque no setor, já que houve uma parada dos negócios no mundo todo. "O impacto acaba sendo mais diluído porque os contratos e as relações são de longo prazo", afirmou. Segundo ele, os contratos giram em torno de 20 anos. "O governo Bolsonaro tem uma estratégia clara de retirar ou diminuir ao máximo os gargalos à exportação para que as indústrias brasileiras tragam mais recursos para o País e consigam mais tecnologia às Forças Armadas sem dinheiro do Orçamento porque não temos a intenção de disputar recursos com outras áreas", afirma.
Segundo o almirante, estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Universidade de São Paulo (USP) e Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), para cada real investido na indústria da defesa, o retorno é de cinco a seis vezes, em média, porque são produtos de valor agregado.
Em 2019, pela primeira vez em 40 anos, os produtos básicos - que não têm tecnologia envolvida ou acabamento, como minerais, frutas, grãos e carnes - representaram mais da metade das vendas brasileiras ao exterior. As exportações de itens básicos recuaram 2% no ano passado, ao mesmo tempo em que as vendas externas de produtos industrializados caíram cinco vezes mais.
Dentre os industrializados, as exportações de produtos manufaturados - que possuem maior tecnologia, como os da indústria da defesa - sofreram queda de 11%. Já as vendas externas de produtos semimanufaturados - que passaram por alguma transformação, mas que não estão no estado final, como celulose, açúcar bruto e couro - recuaram 8%. Segundo analistas, o Brasil precisa aumentar a exportação desses produtos porque isso pode ajudar na geração de emprego e renda, além de proporcionar faturamento e lucro maiores para os produtores.