Covid: o que Brasil pode aprender com países que reagiram bem à pandemia
Um ano após o início da pandemia, confira exemplos de sucesso no combate à covid em países como Coreia do Sul, Alemanha, Índia e Reino Unido.
A covid-19 abalou o mundo, com mais de 2,7 milhões de mortes e 123 milhões de casos confirmados. Há, no entanto, bons exemplos de estratégias de combate ao vírus em diversos países.
Estas medidas podem servir como referência para nações que enfrentam dificuldades, como é o caso do Brasil, que vive o maior colapso sanitário e hospitalar de sua história, segundo a Fiocruz.
A seguir, a reporter Jane Corbin, da BBC, conta o que descobriu:
Passei o ano passado inteiro cobrindo a pandemia de covid-19. Agora, decidi conversar com líderes globais e autoridades de saúde em quatro continentes para descobrir quais foram suas prioridades no combate ao vírus.
O que ficou claro para mim é que existem quatro áreas principais em que os esforços têm sido bem-sucedidos na contenção da propagação do vírus e na prevenção de mortes:
Ninguém no mundo hoje se gabar de ter tomado todas as decisões certas durante a pandemia Mas as etapas listadas a seguir mostra que políticas se mostraram mais eficazes em diferentes lugares.
Juntas, elas formam uma espécie de "manual para uma pandemia", que serve também para gerenciar futuros surtos de doenças infecciosas.
ETAPA 1: Preparação
Stanley Park mora em Seul, na Coreia do Sul. Quando foi buscar sua filha, Joo Yeon, no aeroporto, ele a cumprimentou não com um abraço, mas com uma máscara e um frasco de álcool em gel.
Esta não é a primeira experiência de Stanley em uma pandemia. Ele se lembra da devastação e do medo que o surto de Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers) trouxe ao Sudeste Asiático em 2015.
A Coreia do Sul aprendeu lições com essa experiência.
Depois dela, o governo realizou 48 reformas para reforçar a preparação e resposta a emergências de saúde pública. O esforço valeu a pena. Quando o coronavírus chegou, autoridades foram capazes de aplainar a curva da epidemia rapidamente, sem fechar negócios ou implementar restrições nacionais mais rígidas.
Após sua chegada na Coreia do Sul, Joo Yeon completou uma quarentena estrita de duas semanas na casa de seus pais, baixou um aplicativo que rastreia seus movimentos e recebeu seis ligações de verificação das autoridades.
Ela levou sua quarentena tão a sério que "nem foi ao jardim, por precaução".
"Desde o início, colocamos em prática medidas de prevenção para impedir que a mesma coisa acontecesse novamente — é a história se repetindo", disse o primeiro-ministro Chung Sye-kyun.
ETAPA 2: Teste e rastreamento
Na maioria dos países do leste da Ásia, o rastreamento de pessoas com suspeita da doença começou em janeiro.
Na Coreia do Sul, hospitais como o Yangji, no distrito de Gwan-Ak em Seul, foram designados para cuidar da covid-19 desde os testes até o tratamento.
Nestes lugares, as pessoas nem precisam entrar no prédio — elas são testadas em uma área especial totalmente vedada.
O hospital processa todos os seus próprios testes no local e os resultados geralmente ficam disponíveis em quatro ou cinco horas.
Uma equipe de rastreamento acompanha cada caso suspeito. A equipe tem acesso até mesmo aos dados do cartão de crédito e do celular de cada pessoa e monitora todo o distrito com câmeras de segurança.
Quando existe alguma preocupação específica, equipes são enviadas a campo para investigar casos.
O primeiro-ministro Chung Sye-kyun assumiu pessoalmente o controle da situação antes mesmo que o país tivesse o primeiro caso confirmado de covid-19, dando prioridade aos sistemas de testes e rastreamento.
"Ao aplicar essa estratégia, alcançamos um resultado bom e significativo", disse Sye-kyun.
O número de mortos na Coreia do Sul, um país de 52 milhões de habitantes, é de 1.704.
ETAPA 3: apoio para quem está em casa
"Fazer as pessoas ficarem em casa é o principal motivo pelo qual conseguimos conter a covid", disse Usha Kumari, uma trabalhadora de saúde comunitária em Kerala, na Índia. Usha é um dos 30 mil ativistas de saúde social credenciados, conhecidos como trabalhadores Asha.
O papel de Usha tem sido garantir que todos que precisam se isolar o façam. Ela faz compras, busca remédios e faz tudo que seja necessário para que não saiam de casa.
O apoio aos que se isolam não termina aí.
Cozinhas comunitárias fornecem até 600 refeições gratuitas para pessoas que se isolam em casa ou no hospital todos os dias, e serviços de saúde mental têm sido oferecidos desde o início da pandemia. Foi fornecida ajuda financeira e, em alguns casos, as contas a pagar foram temporariamente suspensas.
A ministra da Saúde de Kerala, KK Shailaja, aprendeu lições importantes há três anos, lidando com o vírus mortal Nipah, e aplicou essas lições para combater a covid. Ela insiste que, ao garantir o apoio àqueles que se isolam, as autoridades foram capazes de controlar a propagação e evitar que os hospitais ficassem sobrecarregados.
Com uma população de 35 milhões, Kerala passou de ter o maior número de casos na Índia em março de 2020 para uma das menores taxas de mortalidade Covid-19 do mundo.
ETAPA 4: Proteger os idosos
No início de abril, a médica Lisa Federle começou a realizar testes em lares de idosos na cidade de Tübingen, no Estado de Baden Württemberg, na Alemanha, para permitir que visitantes frequentassem o local sem riscos.
O prefeito da cidade, Boris Palmer, pensou: "Temos que construir um escudo especial de proteção para as pessoas que correm os maiores riscos". Ele havia visto o impacto do vírus na Itália e na Espanha entre os mais velhos.
Palmer usou seu orçamento local para priorizar o atendimento e o apoio à população idosa da cidade, incluindo um serviço de táxi subsidiado, máscaras gratuitas entregues em residências e horários especiais de compras para os mais velhos.
Com ajuda dessas medidas, o Hospital Universitário da cidade recebeu menos pacientes com covid-19 e não foi forçado a cancelar outros procedimentos médicos. A Alemanha, com seu sistema federal, permite que cada um de seus Estados decida localmente sobre como responder ao vírus.
Os idosos estão entre as maiores vítimas da pandemia — particularmente aqueles que vivem em lares de idosos.
"Quando se trata de lares de idosos, eles são um grupo vulnerável e isso não deveria ser uma surpresa", disse o professor Dale Fisher, um especialista em doenças infecciosas que foi enviado ao epicentro do surto em Wuhan, China, em fevereiro de 2020.
"Acho que ficou óbvio que onde os lares de idosos não receberam atenção, o número de mortes foi significativo."
ETAPA 5: Uma estratégia de vacinação
Quase 30 milhões de pessoas no Reino Unido receberam pelo menos uma dose de uma vacina contra o coronavírus — parte do maior programa de inoculação que o país já lançou. Embora bem atrás do líder mundial Israel, que até agora inoculou totalmente mais da metade de sua população, o Reino Unido teve um sucesso extraordinário com seu programa de vacinas.
O sucesso do Reino Unido se deve em grande parte a um enorme esforço de planejamento.
O Departamento de Saúde e Assistência Social começou a planejar um programa de vacinação em massa antes mesmo que houvesse a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Reino Unido.
Na metade do ano passado, o governo assinou um contrato para 100 milhões de doses da vacina Oxford-AstraZeneca e 30 milhões de doses da vacina Pfizer-BioNTech.
É uma história bem diferente na Europa e países como o Brasil, onde o planejamento começou mais tarde e a vacinação tem sido lenta.
Apenas 8% das pessoas na Europa receberam uma vacina até agora, em comparação com 36% no Reino Unido. No Brasil, o índice é de 5,8% da população.
As compras de vacinas do Reino Unido foram fechadas três meses antes das da União Europeia.
No Brasil, levantamento de veículos de imprensa a partir de dados de secretarias de Saúde aponta que 12.279.559 pessoas tomaram a primeira dose, enquanto tomaram a 4.213.858 a segunda. Até o fechamento desta reportagem, no total, quase 16,49 milhões de doses haviam sido aplicadas no Brasil.
Muitos países mais pobres estão contando com entregas da Covax, um esquema que visa garantir o acesso de todos às vacinas da Covid.
No entanto, uma estratégia de vacinação deve ser um esforço internacional. Em países onde o acesso à vacina é limitado, o vírus tem oportunidade de sofrer mutação — como aconteceu na África do Sul e no Brasil — criando novas variantes, mais transmissíveis, que podem se espalhar para o exterior.
Os cientistas temem que as variantes possam ser mais resistentes às vacinas existentes e, portanto, ameaçar os países que tiveram uma implementação bem-sucedida.
À medida que o trabalho continua para distribuir a vacina globalmente, parece que finalmente conseguimos conquistar vitórias importantes na nossa luta contra a pandemia de covid-19.
O professor Dale Fisher diz que não podemos perder a oportunidade de aprender as lições dos últimos 12 meses.
"Fomos duramente atingidos e pagamos um preço alto. Uma das piores coisas que podemos fazer é quando isso acabar, voltamos ao normal. Se você não aprender com isso, a história se repetirá."