Do contágio à recuperação: os curados do novo coronavírus
Diagnóstico errado, demora em resultado de exames e recomendações contraditórias colaboraram para contaminação na 1ª quinzena de março
Como se não bastasse o temor pelas incertezas econômicas e a falta de perspectiva sobre a volta da normalidade social, o brasileiro precisa lidar também com o medo de ser infectado com o novo coronavírus. A doença, que já matou mais de 1.200 pessoas no País, hoje parece estar muito mais na mira da população do que estava na primeira quinzena de março. A desinformação e a falta de preparo das autoridades de saúde colaboraram para que o contágio naquele período acontecesse de maneira inconsciente, conforme apontam os relatos de quem já se recuperou da covid-19.
Com viagem marcada para a Argentina, a publicitária e atriz Rafaela Zangari, de 23 anos, chegou a questionar os médicos se devia ou não continuar com os planos de visitar o país vizinho devido à pandemia do novo coronavírus. Ao apresentar sintomas que mais pareciam com os de uma sinusite, a jovem foi orientada a tratar o problema com remédios para dor de cabeça e seguir viagem.
A decisão pode parecer descabida hoje, quando mais de 20 mil casos já foram confirmados no Brasil, mas na época que buscou ajuda médica, em 10 de março, não se falava sobre o assunto com tanta seriedade por aqui. “Falaram para a gente fazer [a viagem], que não estava esse alarde todo e não tinha problema”, recorda.
Dois dias depois de chegarem ao destino, ela, a mãe e o padrasto, que também estavam com sintomas suspeitos antes de embarcarem, pioraram e chegaram a passar o restante da viagem trancados no quarto do hotel, de cama.
Apesar de tentarem antecipar a volta ao Brasil, só conseguiram retornar na data prevista, em 15 de março. Assim que saíram do aeroporto, foram direto ao hospital, onde os três tiveram o diagnóstico positivo para covid-19 e ficaram internados.
A falta de informação sobre a doença pode ter colaborado para que o trio transmitisse o vírus na viagem e no aeroporto, e até mesmo antes de viajarem para fora, quando foram ao hospital ainda no Brasil.
O despreparo também colaborou para que o ator e cantor Felipe Assis Brasil, de 32 anos, transmitisse coronavírus a outros amigos. Ao notar dores no corpo, febre, tosse e dificuldade para respirar “como se tivesse alguém fumando por perto”, Felipe foi ao hospital e recebeu o diagnóstico de sinusite.
Mesmo com medicações, o ator piorou e precisou voltar dias depois à unidade médica, por volta do dia 17 de março. Lá, só se levantou a suspeita de coronavírus quando foi constatado que ele estava com febre. A partir desse momento, protocolos começaram a ser seguidos. “No exame, as pessoas estavam com máscara, aventais, luvas, distantes de mim. Senti que estavam bem mais preocupados do que quando acharam que eu estava com sinusite”, conta.
O resultado do exame, que deveria ter saído em até 72 horas, deu positivo, mas só chegou às mãos de Felipe após 5 dias e depois de muito cobrar o laboratório por uma resposta. Nesse período, o ator conta que precisava trabalhar e, sem saber se estava infectado ou não, seguiu a vida. “Nesse período eu acabei infectando outras pessoas, que chegaram a ficar com os mesmos sintomas que eu”, lamenta.
O mesmo aconteceu com o advogado Marcio Murilo Sagaz, 56, e sua mulher Salete Moser de Simas, 53, que manifestaram sintomas desde o dia 1º de março, quando estavam viajando em um cruzeiro, na Itália.
Ele conta que, além da febre acima de 38º C, também sentiu frio, falta de apetite, mal-estar e fraqueza. Ainda assim, os dois só conseguiram retornar ao Brasil no dia 12 de março, por conta das dificuldades para encontrar passagens. “Chegando [ao Aeroporto de] Guarulhos, não fomos recebidos por qualquer órgão da saúde, nem examinados. Fomos liberados para vir para Santa Catarina. E aqui, no hospital, foram feitos exames clínicos, nada mais do que auscultar os pulmões”, se lembra.
Apenas quando já tinham sido medicados e estavam em casa, no dia 13 de março, funcionários vieram coletar material na residência do casal para o teste de coronavírus. O resultado de Salete chegou 6 dias depois, enquanto o de Marcio demorou 15 dias.
“Em nossa viagem, estávamos em 13 amigos. Dos 13, só eu apresentei febre alta. Mas ao chegar no Brasil, apenas uma pessoa do grupo atestou negativo para a doença. Ou seja, todos estavam com o vírus e devem ter passado, infelizmente, na viagem e no avião”, afirma.
Os dois reforçam a importância de levar a situação a sério e fazem um apelo para que todos que puderem fiquem em casa, respeitem a quarentena.
Os entrevistados, que tiveram o diagnóstico confirmado antes que a quarentena fosse decretada na maior parte do Brasil, relataram ao Terra como a doença se manifesta e quais foram as recomendações que receberam dos médicos. Confira os depoimentos no vídeo abaixo: