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Coronavírus

Entidade tirou médicos de UBS para atender hospital de campanha no Anhembi

CPI tem confusão por suspeita de que diretores da Iabas tenham mentido sobre estar na mesma sala; conselheiro de OS acumulou cargo público até março

26 ago 2020 - 18h49
(atualizado às 21h17)
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Alvo de uma operação que prendeu dirigentes no Rio de Janeiro há um mês, o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) usou médicos contratados em unidades de saúde para atender o Hospital de Campanha do Anhembi, construído para atender exclusivamente casos do novo coronavírus. A suspeita é que a entidade tenha recebido duas vezes pelo serviço dos mesmos profissionais, ao misturar recursos de vários contratos que mantém com a Prefeitura de São Paulo.

O assunto foi abordado pelo presidente do Iabas, Cláudio Alves França, em uma sessão conturbada da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Quarteirizações, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A sessão terminou em confusão após os deputados constatarem que França e outro depoente, o assessor técnico Cassiano Ricardo da Silveira, haviam mentido ao dizer que não estavam na mesma sala (leia mais abaixo).

O Iabas foi contratada em março deste ano para administrar 561 leitos no pavilhão de exposições do Anhembi. Ao longo de quatro meses, entre abril e julho, houve sobra de vagas no hospital de campanha, e o contrato foi reduzido para cerca de 200 leitos, menos da metade da capacidade inicial. O instituto recebeu um total de R$ 71,4 milhões para administrar o hospital de campanha. Na capital, a entidade é responsável por mais de 80 serviços no atendimento básico de saúde na cidade de São Paulo.

O presidente do instituto disse que o deslocamento de profissionais foi necessário em casos excepcionais, para cobrir a ausência de médicos que ficavam doentes ou não conseguiam comparecer ao trabalho. Ele também alegou que o atendimento nas unidades de saúde não foi comprometido.

"Estamos finalizando toda a parte da prestação de contas, e aquilo que não foi utilizado será devolvido para os cofres públicos", disse o presidente da entidade. "Eles são profissionais nossos do Iabas, não são profissionais exclusivos de uma unidade ou outra."

A discussão levantou dúvidas entre os deputados. "Se ele estava recebendo para manter o médico, ele está cobrando duas vezes? Ele abateu o dia que o médico deixou de trabalhar lá (na UBS), para não receber do contrato?", disse ao Estadão o presidente da CPI, deputado Edmir Chedid (DEM).

A entidade enviou nota na qual diz que "optou por realocar colaboradores, principalmente enfermeiros, que estavam ociosos em outras unidades de saúde para cobrir ausências eventuais no Hospital de Campanha do Anhembi, provocadas por absenteísmo em função da Covid-19". A entidade diz que "não houve prejuízo ao serviço nas unidades de saúde, pois a demanda de atendimento se reduziu em função da pandemia. Tal ação é amparada pela legislação trabalhista."

"O remanejamento de funcionários foi feito de forma a garantir que não houvesse prejuízo na qualidade dos serviços nas unidades das quais os profissionais foram transferidos", disse o Iabas.

A Secretaria Municipal de Saúde disse, por meio de nota, que "para atender à urgência da pandemia do novo coronavírus, foi necessário o remanejamento de alguns colaboradores contratados" pelo Iabas. "Importante ressaltar, portanto, que a fonte pagadora desses colaboradores é o Instituto, por intermédio do repasse da SMS - sob contrato de gestão, sem nenhum prejuízo para atenção aos usuários e o município."

Conflito de interesse

Em depoimento à CPI, o assessor técnico Cassiano Ricardo da Silveira admitiu aos deputados que acumulou o cargo no conselho de administração do Iabas com um cargo público, em uma autarquia estadual. Silveira foi, até março deste ano, diretor do Serviço de Bucomaxilo no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe). Ele teve seu desligamento do órgão público concluído quando as tratativas para a contratação do Iabas no Anhembi já estavam em andamento.

O presidente da Iabas, Cláudio França, em depoimento virtual à CPI da Alesp
O presidente da Iabas, Cláudio França, em depoimento virtual à CPI da Alesp
Foto: Reprodução/Youtube / Estadão

Segundo os deputados, a situação pode configurar conflito de interesse pelo fato do local ter contado com verba estadual. Em março, o governo estadual anunciou o repasse de R$ 50 milhões para a Prefeitura, o que ajudou a custear o hospital de campanha no Anhembi. Durante a sessão, o assessor do Iabas negou qualquer irregularidade.

"Eu entendo que não existe nenhum vínculo meu, nenhum sendo funcionário do Iamspe, com o Iabas", justificou Silveira. "Eu não fui beneficiado em nada, não beneficiei ninguém, eu não mexo com gestão de recursos, não indico ninguém para fazer contrato com nada", disse. Aos fundos, era possível ouvir o advogado de Silveira ditando algumas palavras.

O instituo disse, por meio de nota, que "não há conflito de interesses pelo fato de Cassiano Silveira ter acumulado as funções de presidente do conselho administrativo do IABAS e diretor no Iamspe". "O colaborador é assessor técnico do IABAS com carga horária de 30 horas semanais e, como representante dos funcionários, foi eleito Presidente do Conselho de Administração do Instituto em setembro de 2019", diz o instituto.

A Prefeitura de São Paulo disse que "foram direcionados R$ 50 milhões como repasse de verba do Governo do Estado para o Hospital Municipal de Campanha do Pacaembu", e não ao Anhembi. Uma nota à imprensa emitida pelo governo estadual em 23 de março, no entanto, registrou à época que a verba financiaria parcialmente os dois hospitais de campanha.

Confusão

Cerca de 15 minutos antes da sessão ser encerrada, quando o presidente da comissão já fazia as despedidas, o deputado Wellington Moura (Republicanos) pediu que o assessor técnico girasse sua câmera para mostrar o ambiente da sala em que estava. Durante a sessão virtual, o presidente do Iabas, Cláudio França, havia afirmado aos parlamentares que ele e o outro depoente estavam em salas separadas, cada um com seu respectivo advogado.

Quando o deputado pediu que Silveira girasse a câmera, a imagem do presidente da entidade subitamente sumiu da sessão. O assessor técnico mostrou a imagem de seu advogado a seu lado, mas não apontou a câmera para a direita do vídeo.

"Ele saiu da sala, excelência", avisou o presidente da CPI ao deputado Moura.

Minutos depois, Cláudio França ressurgiu, dessa vez em uma sala com iluminação diferente. No fundo era possível notar que havia apenas uma janela, e não duas, como na sala em que França estava anteriormente. Ao abrir o microfone, ele e seu advogado insistiram que ele estivera sozinho na sala o tempo todo.

"Vossa excelência está fazendo juízo equivocado", disse o advogado de França, sem se apresentar. "É incrível o nível de desconfiança de vossas excelências e o nível de ofensas a mim."

Houve um momento de bate-boca. Enquanto a sessão prosseguia, era possível ouvir França dizer ao advogado: "não dá mais".

"Uma mentira traz muitas outras mentiras", disse o deputado Moura. Ele disse que as imagens deveriam ser analisadas para conferir se eles trocaram de sala. "É uma vergonha isso que nós estamos vivendo aqui."

Após a sessão, Chedid ressaltou que os parlamentares passaram a confiar muito pouco no depoimento dos dirigentes da Iabas. Após terem sido questionados se estavam "Se mente por quase nada, começa a perder a credibilidade de tudo que eles falaram", disse.

Estadão
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