Equipe econômica quer usar lucro do Banco Central para reforçar o caixa do Tesouro
Até 15 de maio, o BC registrou um resultado positivo de R$ 566,335 bi; plano da equipe econômica é garantir os recursos necessários à gestão da dívida pública num momento de aumento de gastos
BRASÍLIA - A equipe econômica deve pedir a transferência do lucro do Banco Central obtido no primeiro semestre deste ano para reforçar o caixa do Tesouro Nacional, segundo apurou o Estadão/Broadcast. A medida será importante para garantir os recursos necessários à gestão da dívida pública num momento de forte aumento de gastos e maior dificuldade para o País se financiar no mercado. O resultado positivo deve superar os R$ 500 bilhões e pode ser repassado no segundo semestre, mediante autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN).
O valor exato do lucro dependerá do reflexo da variação do dólar nas reservas internacionais e do resultado do BC nas operações equivalentes à venda da moeda americana no mercado futuro, o chamado swap cambial. Até 15 de maio, o BC registrou um ganho de R$ 646,174 bilhões com as reservas e uma perda de R$ 79,838 bilhões com as operações de swap, o que dá um resultado positivo de R$ 566,335 bilhões em operações cambiais.
O Tesouro já queimou uma parte do seu caixa com o aumento dos gastos do governo para combater a pandemia e com as condições menos favoráveis para o País emitir títulos e se financiar. Em meio às incertezas trazidas pelo novo coronavírus e seus efeitos econômicos, investidores têm cobrado taxas de juros mais elevadas para emprestar ao governo, principalmente em papéis com prazo mais longo de vencimento.
O valor nominal da dívida pública federal tem até caído diante da cautela do Tesouro em novas emissões para evitar um aumento no custo com juros. Em março, fechou em R$ 4,214 trilhões, uma queda de 1,55% em relação ao mês anterior.
No caixa do governo, a subconta de recursos da dívida pública já caiu de R$ 750,4 bilhões em dezembro de 2019 para R$ 574,3 bilhões em março de 2020, segundo dados do Tesouro Nacional.
Sem pressa
Segundo um integrante da equipe econômica, ainda há espaço para o governo seguir administrando a dívida sem ter "pressa" para voltar ao mercado. "Não estamos desesperados para levantar os recursos ainda nesse ambiente tão incerto", diz essa fonte. A transferência do lucro do BC, porém, será um reforço importante no segundo semestre.
O repasse do lucro do BC já foi adotado em outras ocasiões pelo governo, mas não de maneira tão significativa. No fim do ano passado, uma nova lei mudou o relacionamento entre Tesouro e Banco Central, mas ainda permite a transferência "quando severas restrições nas condições de liquidez afetarem de forma significativa o seu refinanciamento (da dívida)". É esse dispositivo que o governo pretende acionar no segundo semestre. O lucro do BC é destinado exclusivamente ao pagamento de compromissos da dívida.
Apesar desse esforço na gestão, a dívida total do País deve continuar em alta porque, com a elevação nos gastos do governo, o BC precisa "enxugar" a liquidez de recursos no mercado por meio das operações compromissadas, que são contabilizadas na dívida bruta do País. A previsão do governo é que a dívida bruta feche o ano em 93,5%, patamar considerado elevado para países emergentes como o Brasil.
Além da cautela nas emissões, o governo tem elevado os gastos para fazer frente à crise. Só o auxílio emergencial de R$ 600 pago a trabalhadores informais deve custar R$ 151,5 bilhões.
O governo já cancelou R$ 164,4 bilhões em dotações destinadas à rolagem da dívida pública para abrir caminho aos gastos emergenciais da pandemia, como o próprio auxílio emergencial de R$ 600 pago a trabalhadores informais. Depois disso, recursos do caixa que só podem ser usados no pagamento da dívida pública foram remanejados para cobrir o "buraco" deixado, numa sequência de operações apelidada por técnicos de "triangulação de fontes".
Outras despesas foram bancadas diretamente com recursos sacados da conta única do Tesouro Nacional.
Na prática, a transferência do lucro do BC dará mais conforto para que o governo continue administrando os compromissos da dívida sem necessidade de pagar qualquer preço para emitir novos títulos da dívida para levantar os recursos. Isso é importante porque grande parte da dívida pública brasileira (21,41%, ou R$ 902 bilhões) vence nos próximos 12 meses.
Para o economista Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, um "colchão" da dívida desidratado poderia gerar insegurança no mercado em relação à capacidade do Brasil de honrar sua dívida. Por isso, a transferência do lucro do BC deve ser inevitável. "As condições que o governo vai encontrar no mercado para emitir títulos não vão ser boas. Acho que esse ano vai diminuir bastante (o colchão), dificilmente o auxílio emergencial vai durar só três meses", afirmou.