Estudo: quarentena reduziu pela metade transmissão no Brasil
Contágio voltou a crescer com flexibilização do isolamento social
As medidas de isolamento social adotadas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro reduziram pela metade a transmissão do novo coronavírus, revela um estudo publicado nesta quinta-feira (23/07) na revista científica americana Science.
De acordo com os pesquisadores, as medidas de isolamento social têm impacto importante na redução do número de reprodução básico do vírus, ou R, que indica seu potencial de propagação. Se ele é superior a 1, cada paciente transmite a doença a pelo menos mais uma pessoa, e o vírus se dissemina. Se é menor que 1, o número dos contágios retrocede.
Realizado por instituições brasileiras e britânicas, com a Universidade de Oxford, a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o estudo mostra que o número R tanto de São Paulo quanto do Rio de Janeiro era maior que 3 antes do começo das medidas de distanciamento social, e caíram para um intervalo entre 1 e 1,6 após a implementação das regras.
Entre 21 e 31 de março, o R chegou a ficar consistentemente menor que 1 na capital paulista, mas voltou a crescer com o aumento da mobilidade da população e a queda na taxa de isolamento, que passou de 57% para 47% entre o final de março e o começo de abril. Já no Rio, o número nunca chegou a ser inferior a 1.
"Na Europa, começou-se com R de 2,6 ou 2,8, e, após o lockdown, ele cai para abaixo de 1. Com isso a epidemia diminui. Mas esse não é nosso caso", afirmou Ester Sabino, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da USP, uma das autoras do estudo. "Aqui as medidas começaram antes, mas foram menos efetivas. Na Europa, há uma subida muito alta da curva, que cai com o lockdown. No Brasil, essa curva vai subindo lentamente", comparou.
Em 4 de maio, o R era de 1,3 para ambas as cidades. Em uma medição de 22 de julho, feita pela Faculdade de Medicina e do Instituto de Pesquisa em Engenharia (COPPE) da UFRJ, o R da capital carioca estava em 1,27.
Segundo o professor do Instituto de Biologia da Unicamp, José Luiz Proença Módena, que participou do estudo, o R médio do país era de 4 antes da quarentena, e caiu para 1,2 ou 1,3 após, voltando a subir posteriormente. Hoje, estaria em torno de 1,4.
Apesar desta redução, o número é insuficiente para conter a epidemia. "O 1 mantém em nível quase em endêmico. Quando está um pouco acima de um já há dez pessoas transmitindo para 11, e assim por diante", explica o professor titular de epidemiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Medronho.
Para o estudo, os pesquisadores sequenciaram 427 genomas do novo coronavírus, coletados de 21 estados. Também foram analisadas taxas de isolamento da população e deslocamento em viagens aéreas.
O levantamento procurou ainda entender a trajetória do vírus no Brasil. Os dados revelam que houve mais de cem eventos de introdução do vírus no país por meio de viajantes que chegaram da Europa e dos Estados Unidos, ainda antes do início da quarentena. A maior parte deles ocorreu em São Paulo (36%), Minas Gerais (24%), Ceará (10%) e Rio de Janeiro (8%).
A partir dessa introdução maciça e ainda antes da adoção de medidas de isolamento social, o vírus se disseminou principalmente em três grandes grupos, que se espalharam no Brasil.
As viagens de longa distância dentro do país foram fundamentais na dinâmica de disseminação do vírus. Segundo o estudo, quase ao mesmo tempo em que começaram a ser adotadas medidas de distanciamento social, a distância média da rota percorrida em viagens áreas aumentou em 25%. Esse fenômeno teria ajudado a disseminar a covid-19 do Sudeste para as demais regiões a partir de meados de março.
"Temos duas ondas bem distintas: primeiro uma distribuição local em torno dos grandes centros que têm os maiores aeroportos, com viagens de carro e viagens mais curtas de avião, e, depois das medidas de isolamento, viagens de avião de longa distância, muito provavelmente de pessoas que voltavam para suas cidades de origem", avaliou Módena.
Para Lorena Barberia, professora do Departamento de Ciência Política da USP, que realiza um levantamento sobre as políticas de isolamento no país, a falta de uma coordenação nacional pesou nessa segunda fase de disseminação.
"Como não estávamos testando nesse período, nem rastreando e isolando, a questão das viagens foi muito importante para ajudar na transmissão, que aumentou não só pelos contatos locais, mas também pelas interações ocorridas entre estados", disse Barberia, destacando que a coordenação do governo federal era fundamental para controlar esse avanço.
O estudo conclui ainda que "as intervenções atuais permanecem insuficientes para controlar a transmissão do vírus no país". Os pesquisadores alertam para a urgência na adoção de medidas para frear o avanço da doença, como a ampliação de testes, o rastreamento de contato de infectados e a coordenação destas ações a nível nacional.