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Coronavírus

Estudos apontam que covid-19 pode causar sequelas no coração

Pacientes recuperados do novo coronavírus apresentam inflamação do miocárdio

24 ago 2020 - 06h38
(atualizado às 07h35)
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Inicialmente a covid-19 foi entendida como uma doença pulmonar. Logo ficou claro, porém, que se trata de uma enfermidade sistêmica, que ataca praticamente todos os órgãos e funções do corpo. Agora, dados mais recentes têm mostrado que os danos mais graves do novo coronavírus podem ser ao coração.

Paciente com Covid-19 em hospital de campanha em Guarulhos (SP) 
12/05/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Paciente com Covid-19 em hospital de campanha em Guarulhos (SP) 12/05/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

A miocardite (inflamação do músculo cardíaco) associada à covid-19 é um problema que muitos médicos começam a notar com mais frequência, mesmo em pacientes que não apresentaram um quadro grave e até entre assintomáticos. A miocardite não é uma condição necessariamente grave, mas, em alguns casos, pode levar à insuficiência cardíaca.

"As complicações cardiovasculares precisam ser vistas com atenção. O novo coronavírus pode afetar qualquer estrutura do coração, causando inflamação e trombose nos vasos e tecidos", alerta Evandro Tinoco Mesquita, presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

"O vírus pode afetar o sistema cardiovascular com manifestações diversas, como injúria miocárdica, insuficiência cardíaca, arritmia, miocardite e choque", enumera a cardiologista Glaucia Moraes, coordenadora da SBC e do programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio (UFRJ).

Um pequeno estudo feito na Alemanha e publicado na revista Jama Cardiology em julho mostra como o coronavírus afeta o coração. Os pesquisadores estudaram cem pessoas, com idade média de 49 anos, que se recuperaram da covid. A maioria foi assintomática ou apresentou sintomas muito leves.

Cerca de dois meses depois do diagnóstico, os cientistas submeteram os pacientes já totalmente curados a exames de ressonância magnética e fizeram descobertas alarmantes: cerca de 80% deles apresentavam anomalias cardíacas e 60% tinham miocardite.

Outro estudo publicado também na Jama Cardiology apresentou número preocupante. Autópsias feitas em 39 pacientes que morreram de covid revelaram a presença do vírus no miocárdio em 60% dos casos.

Embora os estudos sejam considerados pequenos e suas conclusões não sejam ainda totalmente compreendidas, já está claro para os especialistas que é comum um paciente jovem, que aparentemente superou a covid, apresentar algum problema cardíaco.

Cientistas em diversas partes do mundo ainda tentam entender como o coronavírus causa a miocardite. Não se sabe se é por um dano causado diretamente pelo vírus ao coração ou se decorre da violenta resposta imunológica do organismo causada pelo vírus.

Causa dos danos deve ser multifatorial

"Esse dano cardíaco é provavelmente multifatorial", aponta Glaucia Moraes. "Pode ser resultado do desequilíbrio entre a alta demanda de oxigênio e a baixa reserva cardíaca, a tempestade de citocinas, a inflamação sistêmica e a trombogênese. E também pode ser decorrente da lesão direta do vírus no coração."

Alguns especialistas defendem a ideia de que parte do sucesso de medicamentos imunossupressores no tratamento da covid seria, justamente, por causa de seu efeito positivo na prevenção de danos ao coração. Alguns desses remédios são usados para tratar a miocardite.

Os médicos lembram que a cloroquina e azitromicina - que não apresentam resultados positivos no tratamento, segundo pesquisas, mas vêm sendo recomendados pelo presidente Jair Bolsonaro - têm como efeito colateral problemas cardíacos, como arritmias e taquicardias.

"O paciente da covid muitas vezes é examinado de forma rápida, há sempre um risco para o médico de deixar passar alguma coisa", afirma o cardiologista Marcelo Rivas, coordenador de emergências médicas da Universidade do Estado do Rio (Uerj).

"Acho que a mensagem mais importante é que precisamos ter atenção ao sistema cardiovascular do paciente de covid, auscultar, fazer eletro, dosar enzimas. A abordagem deve ser mais completa do que se fosse apenas uma doença pulmonar."

Mortes em casa por doenças cardíacas aumentam 31,8%

A covid-19 também pode ter um grave efeito indireto no coração. Estudo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) divulgado no mês passado revelou que, desde o início da pandemia, houve um aumento de 31,8% no número de mortes dentro de casa por doenças cardiovasculares.

O levantamento mostra que ocorreram 23.342 mortes por doenças cardíacas em domicílio em 2020, no período de 16 de março até o final de junho de 2020. No ano passado, no mesmo período, foram 17.707.

A tendência foi registrada também nos Estados Unidos. Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) mostram que, desde fevereiro, quando a epidemia começou por lá, foram registradas 25 mil mortes por problemas cardíacos a mais do que no mesmo período do ano passado.

Segundo os médicos, com medo de serem infectadas com o novo coronavírus, muitas pessoas deixaram de ir ao hospital e ao médico, mesmo quando passam mal. "O principal problema são as doenças cardiovasculares não diagnosticadas e não tratadas", diz a cardiologista Glaucia Moraes, do programa de Pós-Graduação da UFRJ. "E o problema foi ainda mais acentuado no Norte e no Nordeste, onde houve o colapso dos sistemas de saúde. As pessoas precisam voltar a se tratar, a procurar o cardiologista", diz.

Sem diagnóstico

"Podemos explicar o aumento por três fatores: acesso limitado a hospitais em locais onde houve sobrecarga do sistema de saúde, redução da procura por cuidados médicos devido ao distanciamento social ou por preocupação de contrair covid-19, e isolamento que prejudica a detecção de sintomas gerados por patologias cardiovasculares", diz o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga. O levantamento foi feito com base nas declarações de óbito - documentos preenchidos pelos médicos que constataram os falecimentos - registradas nos cartórios.

Estadão
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