Fiocruz: laudo sem dados de Bolsonaro foi pedido do Gabinete
Defesa do presidente tem sustentado que usou codinomes para que os laboratórios não soubessem de quem era o exame
BRASÍLIA - A Fiocruz informou ao Estadão que emitiu um laudo de covid-19 atribuído ao presidente Jair Bolsonaro – sem CPF, RG, data de nascimento ou qualquer outra informação que vincule o documento ao chefe do Executivo – considerando uma solicitação "advinda do gabinete da Presidência da República". A defesa de Bolsonaro tem sustentado que usou codinomes para que os laboratórios não soubessem de quem era o exame.
Uma resolução da Anvisa exige que o laboratório clínico e o posto de coleta laboratorial solicitem ao paciente um documento que comprove a sua identificação. No papel da Fiocruz, no entanto, o laudo é atribuído genericamente ao "paciente 5", sem nenhuma informação adicional do sujeito.
O Estadão entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para obter acesso aos exames de novo coronavírus feitos por Bolsonaro por causa do interesse público em torno da saúde da presidente da República. Por determinação do ministro Ricardo Lewandowski, foram divulgados na última quarta-feira, 13, três laudos entregues pela defesa de Bolsonaro. Nesses três casos – que deram negativo – foram feitos testes do tipo RT-PCR, um exame que encontra o código genético do vírus que provoca a covid-19.
Procurada pela reportagem, a Fiocruz alegou que "os laudos são emitidos regularmente com a identificação do paciente", em atendimento a normas.
"Considerando o cenário da pandemia de covid-19 em curso, com os primeiros casos sendo identificados no Brasil, à época, e a solicitação advinda do gabinete da Presidência da República, a Fundação emitiu os laudos de acordo com as condições de recebimento do material biológico remetido para análise. Os resultados referentes a estas amostras foram emitidos no dia seguinte ao recebimento, em 19 de março", comunicou a instituição.
Em outro documento, também divulgado por determinação de Lewandowski, o coordenador de Saúde da Presidência, o urologista Guilherme Guimarães Wimmer, informou que recebeu em 6 de maio o resultado da Fiocruz referente à coleta feita quase dois meses antes, em 17 de março.
Pelas regras da Anvisa, o cadastro do paciente deve incluir número de registro de identificação do paciente gerado pelo laboratório, o nome dele; idade, sexo e procedência, entre outras informações. A resolução também exige que o laudo da análise mostre "nome e registro de identificação do cliente no laboratório", o que não consta no laudo da Fiocruz.
Codinomes
"O Sabin não utiliza codinomes nos cadastros realizados em suas unidades. Os casos referidos foram identificados e colhidos pelo HFA (Hospital das Forças Armadas). Coube ao Sabin apenas o processamento dos exames preservando todas as informações encaminhadas pelo hospital, que é responsável pela identificação", informou a empresa.
Em ofício encaminhado à Presidência da República, o comandante logístico do Hospital das Forças Armadas, general Rui Yutaka Matsuda, justificou o uso de codinomes alegando riscos de os exames se tornarem alvo de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda ou alteração dos dados. "Considerando que são constitucionalmente protegidas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas e por questões de segurança, foram adotadas medidas de proteção aptas a salvaguardar os dados pessoais do Senhor Presidente da República", escreveu Matsuda.
Fantasia
No mês passado, ao falar com a imprensa, Bolsonaro disse que o uso de codinomes é uma prática corriqueira adotada na última década. "O que eu faço nos últimos 10 anos, pra não ter dúvida? Eu já tive receita de farmácia de manipulação. Eu sempre falei com o médico, 'bote o nome de fantasia porque pode ir pra lá, 'Jair Bolsonaro', já era manjado, principalmente em 2010, quando comecei a aparecer muito, né; Alguém pode fazer alguma coisa esquisita. E assim foi em todo exame que eu faço tem um código", afirmou o presidente na ocasião.