Fiocruz tenta reverter possível veto para exportar vacina
Laboratório brasileiro articula a importação de 2 milhões de doses prontas do produto, fabricado em planta na Índia da AstraZeneca
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tenta reverter um possível veto do governo indiano para a exportação de vacinas contra a covid-19 desenvolvidas pela farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford. O laboratório brasileiro articula a importação de 2 milhões de doses prontas desse produto, fabricado em planta na Índia da AstraZeneca, o que permitiria antecipar para janeiro o calendário de imunização no Brasil. O plano da Fiocruz é também produzir doses, mas o primeiro lote deve ficar pronto apenas em fevereiro.
A intenção é buscar uma solução diplomática por meio do Itamaraty e do Ministério da Saúde para permitir a chegada das doses, segundo dirigentes da Fiocruz que acompanham a discussão. O laboratório deve pedir nesta semana o aval para uso emergencial da vacina à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Até o dia 15, o plano é solicitar o registro definitivo. A Fiocruz e a agência tiveram reunião nesta segunda-feira, 4, para acertar detalhes sobre esses pedidos.
Segundo integrantes do governo federal, o veto indiano não deve atrasar a discussão sobre uso emergencial. Parte das autoridades que acompanha o debate afirma acreditar que a liberação das doses deve ocorrer mesmo com um eventual veto indiano, pois as unidades estariam já reservadas para venda ao exterior.
De acordo com declaração do CEO do Instituto Serum da Índia, que fabrica as doses da AstraZeneca, Adar Poonawalla, no domingo, 3, o país não permitirá a exportação. "Só podemos dar (as vacinas) ao governo da Índia no momento", disse Poonawalla, acrescentando que a decisão também foi tomada para evitar o encarecimento do imunizante. Como resultado, de acordo com ele, a exportação de vacinas para a Covax (iniciativa da Organização Mundial de Saúde para garantir acesso equitativo aos imunizantes contra a covid-19) deve começar apenas em março ou abril.
Não será a primeira investida diplomática do Brasil para a liberação de produtos contra a covid-19 presos na Índia. Em abril de 2020, o presidente Jair Bolsonaro conversou com o primeiro-ministro Narendra Modi e pediu o desbloqueio da exportação de insumos farmacêuticos para a produção da hidroxicloroquina. Bolsonaro é entusiasta do medicamento, que não tem eficácia comprovada para tratamento da doença.
Fiocruz ainda vai receber insumos para produzir vacina no Brasil
A importação de 2 milhões de doses prontas da AstraZeneca foi autorizada no dia 31 de dezembro pela Anvisa. Antes, a Fiocruz pretendia apenas receber o insumo farmacêutico neste mês e completar a fabricação das doses no Brasil, que só seriam liberadas em fevereiro, num primeiro lote de 30 milhões de unidades.
Como se trata de importação excepcional, a Anvisa exige que as vacinas fiquem sob a guarda da Fiocruz até que seja dado o registro ou aval de uso emergencial. Trata-se do mesmo processo autorizado ao Instituto Butantã, que afirma ter 10,8 milhões de doses de unidades da Coronavac estocadas, à espera da autorização para o uso.
A compra das doses prontas é a principal aposta do governo para começar a vacinação em 20 de janeiro, ainda que em público restrito. Além disso, a ideia é distribuir outras 210,4 milhões de doses em 2021 com insumo farmacêutico que chegará ao País. Estas unidades serviriam para imunizar mais de 105 milhões de pessoas.
O governo investiu cerca de R$ 2 bilhões para a compra de doses e transferência de tecnologia para a Fiocruz. No plano nacional de imunização, o governo prevê aplicar doses desta vacina em cerca de 50 milhões de brasileiros de grupos prioritários ainda no primeiro semestre.
A falta de transparência na divulgação dos dados da vacina de Oxford/AstraZeneca gerou críticas na comunidade científica. Um erro de dosagem levou a dois resultados de eficácia do produto: 62% quando aplicada em um regime de duas doses completas e 90% com meia dose seguida de outra completa. Há ainda dúvidas sobre os resultados para pessoas acima de 55 anos.
Responsável por coordenar o estudo clínico da vacina no Brasil, a médica Lily Yin Weckx disse ao Estadão que a primeira dose da vacina já mostra eficácia de cerca de 70% contra a doença, mas em intervalo curto. "A gente ainda pode ficar com a média de eficácia de 70%. O estudo continua; teremos um ano de segmento para ver a persistência da proteção, dos anticorpos, de segurança, etc. O que é importante é que temos uma vacina segura, eficaz e que pode fazer a diferença na pandemia. Esses número de 60%, 70%, 80% é de proteção contra a doença covid. Mas se considerarmos doenças graves e hospitalização, a vacina foi capaz de evitar quase 100%. Entre as pessoas que foram vacinadas, nenhuma delas teve uma doença grave nem ficou hospitalizada por covid. Todas as hospitalizações ocorreram no grupo controle", disse a médica.