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Coronavírus

Foi erro achar que a retomada no Brasil ficaria aquém do resto do mundo, diz estrategista da BofA

Para David Beker, alta de 1,20% no PIB no primeiro trimestre mostra que houve muito pessimismo na avaliação do cenário para 2021 devido à redução do auxílio emergencial e às preocupações com a segunda onda de covid-19

2 jun 2021 - 10h10
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O crescimento de 1,20% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre mostrou que houve muito pessimismo na avaliação do cenário para 2021 devido à redução do auxílio emergencial e às preocupações com a segunda onda de covid-19, avalia o chefe de Economia e Estratégia do Bank of America (BofA) no Brasil, David Beker, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.

"Vimos as economias se recuperando basicamente de uma desaceleração muito importante no ano passado por conta do choque da pandemia. O que estamos vendo no Brasil é similar ao que está acontecendo nos outros países. Talvez o nosso erro foi imaginar que o Brasil teria um comportamento diferente, muito aquém do resto", pontua Beker, que elevou a expectativa do PIB em 2021 de 3,40% para 5,20%.

Com crescimento mais forte e inflação mais alta, estimada em 5,90% no fim do ano, o BofA também elevou a projeção para a Selic no fim de 2021, de 5,00% para 6,00% ao ano. Beker espera que o BC sinalize redução no ritmo de aumento dos juros, que tem ocorrido com altas de 0,75 ponto porcentual - a taxa básica de juros está atualmente em 3,50% ao ano.

O estrategista comenta que a melhora fiscal em 2021 não é estrutural, mas reduz o risco de a dívida ficar insustentável. Apesar disso, diz que é cedo para influenciar uma decisão de rating do Brasil, ponderando que pode haver alguma melhora da perspectiva ao longo do tempo.

O chefe de Economia e Estratégia do Bank of America (BofA) no Brasil, David Beker.
O chefe de Economia e Estratégia do Bank of America (BofA) no Brasil, David Beker.
Foto: Reprodução/TV Estadão / Estadão

Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) deve anunciar o "caminho das pedras" da normalização da política monetária nos próximos meses, mas a expectativa é que a retirada dos estímulos só ocorra em 2022. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

O que explica a surpresa positiva com o PIB e a forte revisão para o crescimento este ano?

A verdade é que, quando estávamos fazendo o cenário para este ano, diria que estávamos com pessimismo muito grande de como a atividade iria se comportar dada a redução do auxílio emergencial, que a gente sabia que teria uma queda importante frente a 2020. E a segunda coisa é que estávamos preocupados com a segunda onda e como isso iria afetar o comportamento das pessoas. Mas o que os dados estão mostrando é que, primeiro, as pessoas acabaram se adaptando a essa nova realidade. É claro que tem um longo caminho pela frente, as pessoas ainda precisam ter imunidade para ter confiança em voltar aos seus hábitos anteriores. Mas, em termos de atividade, estamos saindo de um patamar muito baixo e as pessoas vão "aprendendo" a viver nessa nova realidade, tudo isso ajuda a explicar dados mais fortes. Com isso e, dado que a gente já espera um segundo trimestre de atividade forte, uma vez que se compara com o ano passado fraco, nossa visão é que a atividade está surpreendendo e nos levou à revisão para o PIB do ano para cima de 5,0%. Vamos monitorar porque os números do PIB do primeiro trimestre foram até um pouco melhores do que a gente esperava.

Pode ser até um crescimento maior que 5,20% este ano?

O risco, olhando os dados neste momento, é de uma atividade mais forte, mas eu diria que é muito cedo para bater o martelo. Mas a atividade está mais robusta do que a gente imaginou.

Quais são os principais riscos ao crescimento de 5,20% este ano?

O primeiro é a evolução da pandemia e a da vacinação. Esse é um fator-chave. Nossa expectativa é de que a população elegível à vacina já esteja imunizada na virada do terceiro para o quarto trimestre. Também há os riscos de terceira onda. Já chegou a haver aumento de casos e de ocupação hospitalar. Fora isso, tem a questão da hidrologia. Temos visto os níveis de reservatórios caindo e, dependendo de como as chuvas vão se comportar adiante, se tivermos restrição de oferta de energia, isso terá um impacto.

Apesar do desempenho surpreendente do PIB, é possível dizer que teríamos ainda um crescimento maior se não fosse a situação tão crítica da pandemia no País?

Eu colocaria resposta de forma diferente. Se olharmos o crescimento da China no início do ano em relação ao período em que tiveram a pandemia, houve um dado muito forte. Vimos a mesma coisa nos Estados Unidos. Vimos as economias se recuperando basicamente de uma desaceleração muito importante no ano passado por conta do choque da pandemia. O que estamos vendo no Brasil é similar ao que está acontecendo nos outros países. Talvez o nosso erro foi imaginar que o Brasil teria um comportamento diferente, muito aquém do resto. Não está acontecendo, está havendo trajetória de recuperação. Claramente, o fator-chave é conseguir vacinar a população e possibilitar retorno ao padrão de comportamento das pessoas do pré-pandemia.

Passada a recuperação do tombo devido à pandemia, qual é a perspectiva para 2022?

Tem a questão da base, um crescimento mais alto este ano dificulta uma expansão muito elevada no ano que vem. Em 2022, teremos os desafios estruturais para o Brasil: um desemprego elevado, um consumidor que já está alavancado, a questão eleitoral, que sempre traz volatilidade e afeta decisões de consumo e investimento. Esse é o conjunto que nos leva a projetar alta de 2,1% do PIB em 2022. Mas eu diria que crescer 2,1% depois de crescer 5,2% é um resultado bastante razoável, é um número bom.

O câmbio é um risco para a inflação de 2022, considerando os riscos eleitorais?

Projetamos R$ 5,20 para o câmbio no fim deste ano, mas o risco talvez seja de um câmbio mais forte. No ano que vem, historicamente falando, sempre tivemos volatilidade alta (em período eleitoral). Mas é muito cedo para ter convicção alta com o nível do câmbio no ano que vem, porque mal sabemos quem serão os candidatos. As pesquisas de hoje não significam nada. Eu diria que é muito cedo para ter alta convicção, mas, no curto prazo, a chance é de real mais forte.

Por causa do crescimento econômico mais forte?

Crescimento mais alto, preços de commodities em patamar elevado, exportações têm surpreendido. Tem tido entrada de recursos na Bolsa de investidores internacionais. Acho que o crescimento define bem. Na medida em que as pessoas ficam mais construtivas com o crescimento, esse fluxo em busca do crescimento acaba acontecendo. Então, é isso que estamos vivendo neste momento. A cotação do real acaba dependendo muito do que está acontecendo com o dólar.

A projeção para Selic subiu de 5,0% para 6,0% no fim de 2021. É uma normalização total?

O mercado tem sido bastante sensível às declarações do Fed, então o anúncio de como vão atuar pode trazer volatilidade no curto prazo. Na nossa visão, nos próximos meses, o Fed deve dar o caminho das pedras do que eles pretendem fazer. Com esse cenário de maior crescimento e maior inflação, na nossa visão, o BC deveria remover a palavra "parcial", de normalização parcial, do comunicado no próximo Copom. Revisamos a projeção de Selic no fim deste ano de 5,0% para 6,0%. A gente acha que, na próxima reunião, poderia sinalizar a redução do passo. Começou o ciclo surpreendendo, aumentando mais do que o mercado imaginava. Depois de alguns aumentos de 0,75 ponto porcentual, achamos que poderia retirar o parcial, sinalizar redução de intensidade, mas continuar subindo. Hoje, o nosso cenário é de Selic terminando o ano em 6,0% e ficando nesse patamar, que já consideramos neutro, no ano que vem. Estamos sujeitos à evolução da inflação e da atividade.

A volta do estrangeiro à renda fixa e à Bolsa brasileira é uma nova tendência, considerando melhores perspectivas de crescimento e fiscal?

Eu acho que sim. O Brasil, na medida em que cresce mais e esse crescimento ajuda também a questão fiscal, passa a ser mais atrativo. Em particular na renda fixa, tem muito prêmio na curva de juros, está precificando mais aumentos adiante. Temos visto mais interesse do estrangeiro tanto na renda fixa quanto na variável. Na renda variável, a alocação até o momento foi muito concentrada em commodities. Agora, o que pode acontecer é uma mudança de alocação nos diversos setores, talvez os mais favorecidos pela reabertura, para esse cenário de maior crescimento. Eu diria que o humor melhorou, é lógico que os investidores estão monitorando risco político e pandemia, mas a surpresa com o crescimento trouxe fluxo para ações e renda fixa.

Nos indicadores fiscais, além do crescimento, a inflação tem bastante influência também?

Olhando para o resultado primário, há melhora das receitas, puxada por inflação mais alta e atividade mais alta. O que acaba melhorando o número para o primário, imaginando que o governo vai continuar cumprindo o teto de gastos. Quando olhamos a relação dívida/PIB, tem um fator adicional, porque o PIB acaba sendo inflado pelo crescimento maior e pelo crescimento mais alto. É interessante que, toda vez que há crescimento mais alto, a preocupação fiscal diminui. Isso não quer dizer que o problema foi resolvido. Mas queira ou não, por um período de tempo, as receitas acabam fazendo com que as pessoas fiquem mais tranquilas com o fiscal. Por exemplo, temos uma discussão agora sobre extensão do auxílio. Se estivesse acontecendo no início do ano, a reação do mercado seria muito ruim. Mas, agora, como tem mais crescimento e dados fiscais melhores do que o esperado, não está trazendo tanto impacto no mercado.

A melhora então é conjuntural?

Não significa que o fiscal melhorou de forma estrutural, precisamos continuar avançando com reformas estruturais, mas o ponto de partida está melhor. Nossa projeção de dívida bruta em relação ao PIB passou de 88,9% este ano para 84,3%; é uma melhora bastante significativa. O ponto de partida ajuda muito. Quando rodamos simulações na dívida/PIB, é o que vai acontecer no médio e longo prazo. Quando tem o curto prazo melhorando, a dinâmica fica melhor. Anteriormente, nas nossas projeções, o pico da dívida/PIB seria a 96,2% em 2027, agora é 89,9% em 2024. Embora não tenha melhora estrutural, que seria não depender de aumento de receita para ter melhora significativa do fiscal adiante, temos mudança na dinâmica, porque o ponto de partida melhorou por conta desse choque de crescimento e inflação.

Então o risco de sustentabilidade da dívida caiu?

Sim, sem dúvida. O que tem que monitorar para o ano que vem é, como vai definir o teto de gastos ano que vem com a inflação mais alta deste ano, acaba tendo um cenário onde há maior liberdade de gastos. Então, no ano que vem, tem que monitorar o gasto com cautela. A despeito do espaço no teto ser maior, tem que monitorar o efeito no primário e na relação divida/PIB.

A melhora na dinâmica da dívida pode influenciar decisões de classificação de risco?

A despeito da melhora, a dívida ainda é alta na comparação com outros países. Vimos a Fitch mantendo o rating (nota de classificação de risco) do Brasil e a perspectiva negativa. O que poderia acontecer eventualmente é que essa melhora retirasse a perspectiva negativa ao longo do tempo. Não há nesse momento pressão de elevação do rating. Eu diria que reduziu o risco de rebaixamento. O que já é boa notícia, mas ainda é cedo para falar em elevação. As agências querem ver uma melhora consistente. Não imaginaria que as agências de rating fizessem movimentos antes da definição do processo eleitoral, a não ser que a gente cometesse algum erro importante de política econômica. Mas acho que poderiam eventualmente tirar uma perspectiva negativa.

Estadão
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