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Coronavírus

Governo turbinou pandemia ao ignorar circulação do vírus

Estudo na 'Science' aponta que falta de vigilância genômica favorece transmissão da doença e pode ser ameaça à saúde global

15 abr 2021 - 11h46
(atualizado às 12h04)
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Um estudo publicado na Science, uma das mais importantes revistas de divulgação científica do mundo, apontou falhas que favoreceram a propagação descontrolada da covid-19 no Brasil. Segundo o trabalho, divulgado nessa quarta, 14, na mesma semana em que se discute uma CPI para apurar responsabilidades da pandemia, o vírus se espalhou porque o País fracassou na tomada de medidas coordenadas e equitativas contra a doença, em contexto de profundas desigualdades socioeconômicas. Atualmente, o território brasileiro é o epicentro mundial da pandemia. Tem explosão de casos e sistema de saúde em colapso. Os mortos são mais de 350 mil.

Uma mês antes de assumir a Presidência, Bolsonaro comparecia à cermimônia de graduação de oficiais da Academir Militar das Agulhas Negras
01/12/2018
REUTERS/Paulo Whitaker
Uma mês antes de assumir a Presidência, Bolsonaro comparecia à cermimônia de graduação de oficiais da Academir Militar das Agulhas Negras 01/12/2018 REUTERS/Paulo Whitaker
Foto: Reuters

Assinado por dez cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, o trabalho tem como principal autor a demógrafa Márcia Castro. Ela integra o Departamento de Saúde Global e População da Universidade Harvard. O estudo analisa trajetórias, velocidade e intensidade da propagação da covid no País. Cita indicadores de aglomeração populacional, combinados a medidas políticas adotadas.

A conclusão, segundo Márcia, é que, embora "nenhuma narrativa única possa explicar a propagação do vírus", há alguns motivos principais que ajudam a entender por que a pandemia alcançou tal patamar no Brasil.

O estudo aponta que a ausência de vigilância genômica bem estruturada, em um País de dimensões continentais, deixou o vírus circular por mais de um mês sem ser detectado. As profundas desigualdades sociais e econômicas entre as regiões também ajudaram no descontrole.

"O Brasil é grande e desigual", diz a demógrafa. "Com disparidades em quantidade e qualidade de recursos de saúde (por exemplo, leitos hospitalares, médicos) e de renda."

Brasil pode se tornar ameaça à saúde global

Não houve ação conjunta, coordenada pelo governo federal, para enfrentar a pandemia. A polarização, segundo Márcia, politizou a pandemia. Assim, impactou a adesão às ações de controle. O presidente Jair Bolsonaro é contrário ao lockdown. Também defende remédios sem eficácia contra a doença.

"Uma densa rede urbana que conecta e influencia os municípios por meio de transporte, serviços e negócios não foi totalmente interrompida durante picos de casos ou mortes", lembra Márcia. "Cidades impuseram e relaxaram medidas em diferentes momentos, com base em critérios distintos, facilitando a propagação da doença."

A conclusão do trabalho é que, se nenhuma medida mais drástica for tomada contra a pandemia, o Brasil deve enfrentar uma crise humanitária sem precedentes. O País, nesse caso, poderá se tornar uma ameaça à saúde global.

"Sem contenção imediata, com medidas coordenadas epidemiológicas e de vigilância genômica, além do esforço de vacinar o maior número possível de pessoas no período mais curto de tempo, a propagação da P1 (a variante do vírus descoberta em Manaus que já se revelou até duas vezes mais transmissível) levará a uma perda de vidas inimaginável", sustenta o estudo. "A falha na detenção desta segunda onda de propagação vai facilitar o surgimento de novas variantes, isolar o Brasil como uma ameaça à saúde global, e levar a uma crise humanitária completamente evitável."

Ventilação não invasiva e esteroides salvam pacientes, diz pesquisa

Outro estudo, com oito autores brasileiros, foi publicado também nessa quarta, na Intensive Care Medicine. O trabalho avaliou a evolução de 13.300 pacientes de covid-19 internados em 126 unidades de terapia intensiva de uma rede privada de hospitais. As internação foram entre 27 de fevereiro e 28 de outubro de 2020. O levantamento revelou queda na mortalidade ao longo desse período de até 42%.

"O que a gente quer mostrar é que o que aprendemos ao longo desse ano de pandemia leva à redução de mortalidade, embora isso não esteja disseminado em todo o sistema", diz o infectologista Fernando Bozza, da Fiocruz e do Instituto D'Or de Pesquisa (Idor), um dos autores do estudo.

Segundo o estudo, o aumento do uso de ventilação não invasiva no período inicial da internação e a prescrição de esteroides ajudaram na redução. ´É importante lembrar também que, no mesmo período, a idade média dos pacientes internados na rede privada caiu de 57 anos para 53 anos. Isso significa pacientes menos frágeis.

Estadão
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