'Grande decepção': por que Marcelo Queiroga volta a depor na CPI da Covid
Ministro já tinha prestado depoimento à comissão em maio, mas senadores consideraram suas respostas vagas e cheias e contradições.
O atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, volta a depor na CPI da Covid nesta terça-feira (8), um mês depois de prestar depoimento pela primeira vez, em 6 de maio, à Comissão Parlamentar de Inquérito.
Médico e presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Queiroga é o quarto ministro à frente da pasta durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele assumiu o ministério em março deste ano, após a saída do ex-ministro Eduardo Pazuello e em meio a um pico de mortes e contaminações por covid-19.
Queiroga foi reconvocado para depor na CPI da Covid porque os senadores consideraram que suas respostas em 6 de maio contiveram muitas contradições e não esclareceram os pontos investigados. O médico se recusou a responder diversas perguntas de maneira objetiva, o que irritou senadores.
O senador e presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), chamou a atenção do ministro diversas vezes, pedindo para que respondesse sem fugir do assunto. "O senhor é testemunha, tem que responder 'sim' ou 'não'", disse Aziz.
Depois do depoimento, Aziz afirmou que fala do ministro foi uma "grande decepção" e aprovou, algumas semanas depois, a sua reconvocação.
Entenda as principais dúvidas e as perguntas não respondidas que levaram ao segundo depoimento do atual ministro da Saúde à CPI da Covid.
Posição em relação à cloroquina
No primeiro depoimento, os senadores perguntaram diversas vezes à Queiroga qual sua posição em relação ao uso de cloroquina no combate à covid-19, mas o ex-ministro fugiu diversas vezes da resposta.
Queiroga afirmou que o uso da cloroquina contra covid-19 é uma "questão técnica que tem que ser enfrentada pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS)".
"Eu tenho opinião sobre isso, mas ela será manifestada em um momento oportuno", afirmou Queiroga. "Está sendo elaborado um protocolo e eu sou última instância decisória, se eu manifesto uma opinião aqui eu invalido a decisão", afirmou o ministro em seu primeiro depoimento, dizendo também não ter recebido nenhuma orientação direta do presidente sobre o assunto.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, perguntou se o ministro receitaria cloroquina a seus pacientes. "Estou aqui como ministro de Estado de Saúde", respondeu Queiroga.
Rodrigues perguntou ainda se Queiroga encontrou 4 milhões de comprimidos de cloroquina estocados no ministério quando assumiu. "Não sei. Não me deparei para verificar os estoques deste fármaco", disse o ministro.
Queiroga disse também que desconhece, em sua gestão, qualquer ação do ministério para promoção da cloroquina. No entanto, o ministério não revogou a portaria que prescreve o medicamento contra pandemia.
Esse ponto foi um dos apontados pelo senador Humberto Costa (PT-PE) no pedido de reconvocação do ministro e deve ser abordado nas perguntas feitas nesta terça.
O remédio não possui eficácia comprovada contra a doença, mas mesmo assim tem sido promovido por Bolsonaro desde o início da pandemia.
A promoção e distribuição da substância é uma das principais ações do governo federal investigadas pela comissão. Até janeiro de 2021, o governo já tinha gasto quase R$ 90 milhões com a compra de medicamentos do chamado "tratamento precoce", que inclui a cloroquina e outros remédios sem comprovação científica contra covid.
Demissão de Luana Araújo
Um dos temas centrais do segundo depoimento deve ser o motivo da não contratação pelo ministério da infectologista Luana Araújo, episódio que aconteceu após o primeiro depoimento de Queiroga na CPI.
Araújo havia sido anunciada em 12 de maio como titular da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, criada por Queiroga, mas sua nomeação foi cancelada dez depois e nunca foi explicada pelo ministério. Uma reportagem do jornal O Globo mostrou que Araújo havia se manifestado em suas redes sociais contra o uso da cloroquina.
Convocada à CPI, a médica afirmou que nunca foi informada do motivo do cancelamento de sua nomeação.
"O ministro disse que lamentava, mas que meu nome não ia passar pela Casa Civil", afirmou. "Ele disse que lamentava, mas minha nomeação não sairia e meu nome não seria aprovado."
Senadores esperam que Queiroga explique o motivo da não convocação da infectologista, que também explicou à CPI que não existe tratamento precoce contra covid-19.
"Quando não existe, não pode se tornar política de saúde pública. Quando disse um ano atrás que estávamos na vanguarda da estupidez mundial, infelizmente mantenho isso em vários aspectos. Não tem lógica, é como discutir de qual borda da Terra plana a gente vai pular. Estamos aqui discutindo algo que é ponto pacificado no mundo inteiro."
Embora não tenha comentado diretamente as falas do presidente em defesa da cloroquina, Araújo afirmou que "qualquer pessoa que defende algo sem comprovação científica expõe seu grupo a vulnerabilidades e todo mundo tem responsabilidade sobre o que acontece depois."
Falas do presidente
Em seu primeiro depoimento, o ministro evitou comentar as atitudes e falas do presidente sobre a pandemia, vacinas e cloroquina.
"Meu papel não é ser crítico das ações do presidente da República ou de outros integrantes do governo", disse Queiroga mês passado. "O que não está na minha alçada não cabe a mim fazer juízo de valor."
Senadores devem insistir sobre o assunto e perguntar sobre os possíveis impactos que a comunicação do presidente e do governo em geral têm na população.
Para o presidente da CPI, Omar Aziz, a falta de respostas e as contradições presentes no depoimento inicial de Queiroga mostram que, em certa medida, o ministro discorda das posições do presidente.
"São contradições que o próprio governo tem feito ele passar", afirmou Aziz a jornalistas após a reconvocação do ministro. "Tem acontecido isso: ele defende uma coisa e parte do governo federal contrária o que ele disse aqui", disse.
O senador Randolfe Rodrigues afirmou à Globo News que o objetivo da CPI não é que Queiroga "emita juízos de valor", mas que aponte fatos que recebeu da gestão anterior.
Compra de vacinas
Queiroga também evitou falar sobre os contratos de compra de vacina feitos pelo ministério antes de sua chegada - apesar de a pasta estar conversando com as mesmas empresas e manter um histórico da negociação.
O governo federal recusou dezenas de ofertas de vacinas feitas pela Pfizer, pelo Instituto Butantan, entre outras empresas. A recusa foi confirmada na CPI por documentos e pelos depoimentos do presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, e do CEO da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo.
Queiroga afirmou em seu depoimento que, se tivessem as doses que o governo recusou, isso "fortaleceria nosso programa" de vacinação, mas que não poderia falar sobre o histórico da atuação do ministério em 2020 e os contratos com as fabricantes de vacinas feitos na gestão anterior.
Nesta terça (7) o ministro deve ser questionado novamente sobre a compra de vacinas e as recusas feitas, mas também será cobrado sobre o que o ministério tem feito em sua gestão para resolver o problema da falta de insumos para a fabricação de imunizantes.
Copa América e isolamento social
Outro ponto que deve ser bastante abordado no depoimento nesta terça é porque o ministério da Saúde não se posicionou contra o recebimento da Copa América no Brasil.
O país topou sediar o evento apesar do agravamento da pandemia por aqui em 2021. A Copa América seria sediada na Argentina, que desistiu justamente por causa da pandemia.
A mudança do evento para o Brasil ainda não havia sido anunciada quando Queiroga prestou seu primeiro depoimento, por isso o assunto não havia sido abordado.
Os senadores, no entanto, haviam questionado Queiroga sobre medidas de restrição de circulação e incentivo ao isolamento social. Como em outros assuntos, o ministro evitou responder diretamente e por isso deverá voltar a ser questionado.
Em 6 de maio o médico afirmou que "tem apoiado medidas não-farmacológicas" e que "medidas extremas" podem ser exigidas em situações específicas, como "municípios com situação epidemiológica grave".
Mas não explicou porque o ministério ainda não tomou nenhuma medida ou fez nenhuma recomendação nacional sobre isso.