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Coronavírus

Inflação acima de 10% pelo 2º ano seguido começa a entrar no radar de economistas

Com guerra na Ucrânia, lockdown na China, juros mais altos nos EUA e aumento de preços mais disseminado, projeções para o IPCA têm subido consistentemente

5 mai 2022 - 15h10
(atualizado às 18h54)
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A possibilidade de o Brasil registrar, pelo segundo ano seguido, uma inflação acima de 10% começou a entrar no radar dos economistas. A possibilidade vem crescendo em meio aos persistentes impactos da guerra na Ucrânia, dúvidas sobre o efeito da política de "covid zero" na China nas cadeias produtivas, aumento dos juros nos Estados Unidos e o espalhamento das altas de preços no Brasil. Além disso, o cenário eleitoral no Brasil também aparece como fator de pressão adicional.

Se isso de fato acontecer, será a primeira vez, desde o início do Plano Real, que o País teria inflação de dois dígitos por dois anos seguidos - no ano passado, ficou em 10,06%. Com esse cenário, a taxa de juros básica, que foi elevada pelo Banco Central nesta quarta-feira, 4, para 12,75% ao ano, teria provavelmente de subir acima dos patamares hoje projetados e se manter alta por mais tempo. E começam a voltar também os temores de inércia inflacionária e indexação, "doenças" da época da hiperinflação em que as altas de preços passadas acabavam se refletindo nos preços futuros e mantendo a inflação em alta.

O banco BNP Paribas foi o primeiro a elevar, oficialmente, a projeção de IPCA em 2022 para 10% - o dobro do teto da meta. "Esperamos pressão dos mesmos setores, mas com impacto mais forte e duradouro", disseram Gustavo Arruda, chefe de pesquisa para América Latina do BNP, e Laiz Carvalho, economista para Brasil da instituição, em relatório. "E esperamos que parte dos aumentos de preços em 2022 afetem a inflação de 2023." A projeção do BNP Paribas para o IPCA fechado no ano que vem subiu de 4,5% para 5% (o teto da meta no ano que vem é de 4,75%).

Segundo Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, a probabilidade de o IPCA atingir dois dígitos em 2022 aumentou de 10% para 30% nos últimos dois meses. Ela atribui o risco crescente à mudança de dinâmica da inflação.

"Há alguns meses, imaginávamos que essa inflação mais elevada tinha a mesma característica de 2021. Hoje, vemos uma situação diferente, com espalhamento preocupante e núcleos afetados, sem a evolução esperada para os itens que o BC tem maior condição de controlar", diz. "Nossa expectativa atual para o IPCA 2022 está em 8,4%, mas pode chegar a um patamar até mais elevado que o de 2021. É uma possibilidade que não é remota."

João Fernandes, economista da Quantitas, elevou, nos últimos dias, a projeção de IPCA de 2022 de 8,8% para 9%, e alertou que os riscos ainda são para cima. Um novo reajuste de preços de combustíveis por parte da Petrobras, por exemplo, adicionaria até 0,2 ponto porcentual à estimativa.

"Nós temos ficado, ao longo de todo esse ciclo, na banda superior das projeções de inflação, mas algumas coisas vêm se materializando em um sentido ainda mais de alta do que o esperado", diz Fernandes. Entre as pressões sobre o IPCA o economista cita os aumentos de vestuário, devido à alta do algodão no mercado internacional, além de reajustes acima do esperado para distribuidoras de energia e das altas de passagens aéreas.

Preços dos alimentos

De acordo com o BNP Paribas, a principal pressão virá de alimentos, cuja taxa deve ter a maior variação de preços em 2022, de 17%. Mas o banco estima ainda impactos vindos do petróleo, de problemas na cadeia de suprimentos mundial e da expectativa de aceleração da atividade de serviços no Brasil.

"O impacto de alimentos é por conta de vários fatores. Com a guerra - e sua continuidade - acaba tendo impacto na produção de trigo para o mundo e na demanda por outros grãos. Já vemos preços mais altos de milho, trigo. Tem pressão sobre combustíveis. Uma outra preocupação é com a política de 'covid zero' na China, que tem elevado custos com fretes, enquanto há portos parados", diz Laiz Carvalho, do BNP Paribas.

Na XP Investimentos, as projeções para o IPCA são atualmente 7,4% para 2022 e 4% para 2023, mas o economista-chefe, Caio Megale, admite que uma taxa de 9% este ano é um cenário bastante plausível, mesmo com a Selic alcançando 13,75% em junho.

Megale cita riscos para cima na projeção de preços de alimentos, de serviços, sustentado pela reabertura econômica e programas de antecipação de renda do governo, no setor industrial, com os lockdowns na China, e também em preços administrados, com os reajustes anuais nas distribuidoras rodando em torno de 20%.

"Quando começa a apertar item por item, só tem risco para cima. Não vamos mexer na projeção ainda. Mas, fazendo uma pequena análise de sensibilidade, o 7,4% vira 9% muito fácil", diz. "Se escorregar para faixa 9% de fato, a projeção para 2023 não vai ficar em 4%. Pode colocar mais 0,5 ponto a 1 ponto. Já fica muito no limiar da banda de tolerância ou até talvez acima", diz Megale, sobre o teto da meta de 4,75% no ano que vem.

Efeito das eleições

Loureiro, da Trafalgar, também reconhece risco para cima para o IPCA em caso de uma tensão eleitoral que leve a um aumento mais forte do dólar. Em 2023, o economista espera um IPCA próximo de 4%, mas também vê a chance de um nível maior, a depender da política econômica e fiscal adotada pelo próximo governo. O economista lembra que os dois líderes das pesquisas já sinalizaram perspectivas de flexibilizar o teto de gastos.

"O tema é: vai ser quase inevitável falar de mais impostos, mas qual é o apetite do Congresso e da sociedade para aceitar isso? Esse é um cenário que pode contaminar mais as expectativas e levar a uma convergência da inflação para patamares mais altos", afirma.

Carla Argenta, da CM, acrescenta ainda que medidas de cunho populista do governo, como o aumento do Auxílio Brasil e programas robustos de curto prazo, acabam minimizando os efeitos da política monetária no combate à inflação. "Quando analisamos sob essa perspectiva, quase não existem vetores que fariam a gente enxergar um arrefecimento inflacionário mais significativo", afirma.

Estadão
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