Juristas convidados pela CPI da Covid fazem plano de trabalho; confira quem são eles
Grupo de especialistas foi chamado pelos senadores para apresentar um estudo sobre possíveis crimes cometidos por Bolsonaro na pandemia
BRASÍLIA - Convidados pela CPI da Covid para apresentar um estudo sobre crimes que podem ser imputados ao presidente Jair Bolsonaro por ações e omissões no combate à pandemia da covid-19, um grupo de juristas e pesquisadores se reuniu pela primeira vez nesta sexta-feira, 11, para estabelecer diretrizes de trabalho. O requerimento que possibilitou a criação desse núcleo foi aprovada pela CPI.
O professor adjunto de Direito Penal Salo de Carvalho, da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vai liderar o grupo. Além dele, os outros juristas farão parte do time:
- Davi Tangerino, professor de direito penal dos cursos de graduação da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV Direito SP) e de graduação e pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
- Sylvia Steiner, que atuou como juíza do Tribunal Penal Internacional de 2003 e 2016, além de ter sido desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3)
- Helena Lobo da Costa, advogada e professora livre-docente da Faculdade de Direito da USP
- André Nascimento, advogado e mestre em Ciências Penais
- Nilo Batista, professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
O grupo vai se debruçar sobre documentos - atos administrativos e normativas do Ministério da Saúde e do governo, em geral - emitidos durante a pandemia. A previsão é de que haja encontros semanais e, ao final dos trabalhos, seja produzido um relatório para a CPI.
O requerimento que possibilitou a criação desse núcleo foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que é delegado de Polícia. "Precisamos de uma avaliação jurídica mais aprofundada sobre o enquadramento típico da conduta do presidente da República", afirmou Vieira. "Até tenho minha opinião sobre os tipos legais que se aplicam, mas é oportuno buscar um respaldo maior".
No começo do mês, a cúpula da CPI da Covid já avaliava ter provas suficientes de que o governo Bolsonaro não quis comprar vacinas para combater o novo coronavírus.
Em entrevista ao Estadão/Brodcast Político, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse que, com pouco mais de 30 dias de funcionamento, o colegiado havia conseguido reunir evidências de que Bolsonaro seguia orientações de um "gabinete paralelo" ao Ministério da Saúde, agindo de forma "deliberada" para atrasar a compra dos imunizantes.
Na avaliação do senador, as ações de Bolsonaro contrárias ao isolamento social e ao uso de máscara de proteção mostram que ele apostava na imunidade de rebanho e no tratamento precoce com medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina.
O que a CPI já ouviu sobre omissões do governo na pandemia:
Cloroquina
Em maio, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou que Bolsonaro debateu a possibilidade de se alterar a bula da cloroquina por meio de decreto para que constasse tratamento contra a covid.
A afirmação foi corroborada pelo presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres. O contra-almirante disse que a ideia foi comentada pela médica Nise Yamaguchi em reunião do comitê interministerial com a presença de Bolsonaro, numa sala do 4º andar do Palácio do Planalto. Nise afirma que o relato "não representa a realidade".
A aposta do governo na cloroquina levou o Exército a gastar R$ 1,14 milhão na produção de 3,2 milhões de comprimidos em 2020. A despesa foi informada pelo Ministério da Defesa à CPI. A última vez que a instituição militar havia solicitado a produção do medicamento foi em março de 2017, quando havia gasto R$ 43,4 mil para 259.470 comprimidos, quantidade que foi suficiente para a demanda de 2018 e 2019, segundo o Exército. O remédio tem como recomendação o uso contra doenças como malária, lúpus e artrite reumatoide e não tem comprovação científica contra a Covid.
Vacinas da Pfizer
O ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten admitiu à CPI da Covid, em maio, que a carta na qual a empresa Pfizer se dispunha a negociar vacinas contra o coronavírus foi enviada ao governo em setembro de 2020 e ficou dois meses sem resposta.
O presidente da Pfizer da América Latina e ex-presidente da farmacêutica no Brasil, Carlos Murillo, declarou, por sua vez, que a oferta de vacinas antecedeu a carta citada por Wajngarten em um mês. O governo Bolsonaro teria, então, ignorado a negociação de vacinas por 3 meses.
Nesta semana, na audiência que ouviu o ex-número 2 da Saúde, Élcio Franco, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), citou 81 correspondências da Pfizer ao governo, de 17 de março até 23 de abril deste ano. O senador disse que 90% das mensagens não foram respondidas.
Segundo Randolfe, apenas em 31 de julho a Pfizer enviou três e-mails ao Ministério da Saúde. O título das mensagens era "Pedido de audiência urgente".
Durante o depoimento, Elcio Franco relatou que "a Pfizer, às vezes, mandava um e-mail e reiterava no mesmo dia três ou quatro vezes".
Coronavac
No fim de maio, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, prestou depoimento à CPI e disse que o governo Bolsonaro havia negado oferta de 100 milhões vacinas em outubro de 2020. As doses seriam entregues até o fim de maio.
O contrato acabou assinado só em janeiro e possibilitou entrega de 47,2 milhões até agora. A proposta enviada ao Ministério da Saúde previa 52 milhões de doses a mais da Coronavac.
A entrega de doses da vacina ao Programa Nacional de Imunização passou por problemas no fim de abril porque o Butantan recebeu o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) da China com atraso.
Um dos documentos recebidos pela CPI foi um relato do Itamaraty sobre uma reunião, em Pequim, na qual a empresa chinesa Sinovac, desenvolvedora da Coronavac, cobrou diplomatas brasileiros sobre uma mudança de posicionamento do governo duas semanas após Bolsonaro atacar a China. O presidente da Sinovac, Weidong Yan, destacou a importância da alteração de comportamento político por parte do governo para enviar insumos ao Instituto Butantan, com o objetivo de produzir a vacina.
Gabinete paralelo
A existência de um gabinete paralelo, grupo extraoficial que aconselharia ações do governo no combate à covid-19, ganhou força após a descoberta de um vídeo e de depoimentos ouvidos pela CPI.
Durante depoimento ao senadores, em maio, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta mencionou um "aconselhamento paralelo" ao presidente.
"Fui chamado ao terceiro andar (do Palácio do Planalto) porque tinha lá uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina (...). Quer dizer, ele (Bolsonaro) tinha esse assessoramento paralelo. Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido naquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus", disse o ex-ministro.
"Me lembro do presidente algumas vezes falar que ele adotaria o chamado confinamento vertical, que era também algo que a gente não recomendava. Eu acho que ele tinha uma outra, provavelmente, eu não saberia lhe dizer, mas provavelmente uma outra fonte (de assessoramento) que dava para ele (orientações)", completou Mandetta.
O presidente da Pfizer da América Latina relatou, por sua vez, que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos - RJ), o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, e Fábio Wajngarten participaram de uma reunião no Palácio do Planalto para tratar da compra de imunizantes.
Um vídeo de setembro do ano passado mostra uma reunião entre Bolsonaro e defensores do tratamento precoce. O virologista Paolo Zanotto sugere, naquele encontro, a formação de um "shadow cabinet" (gabinete da sombra), para que seus integrantes não sejam expostos publicamente.
Apurações
Como mostrou o Estadão em março, os pedidos para a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigar presidentes bateram recorde na gestão de Bolsonaro. De cada três pedidos de investigação, dois foram apresentados após o início da pandemia.
Parlamentares de partidos de oposição, como PSOL e PT, assinam algumas dessas representações em que cobram a atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras. Nelas, acusam Bolsonaro de infrações a medidas sanitárias por não usar máscara, crime de responsabilidade e até genocídio. Nenhum dos pedidos, porém, avançou até agora.
A CPI já aprovou a quebra do sigilo telefônico e telemático de pessoas ligadas a Bolsonaro e integrantes do chamado "gabinete paralelo". O grupo assessorou o presidente, incentivando o discurso contrário à vacina e defendendo o tratamento precoce com medicamentos sem eficácia comprovada para combater o coronavírus, como a cloroquina.
"Fiz uma reunião aqui do (grupo) 'Médicos pela Vida'. Entre eles, a Nise Yamaguchi (...). Conversei com Arthur Weintraub. A CPI mostra aquilo como gabinete paralelo. É como falam em gabinete do ódio", criticou Bolsonaro, na noite desta quinta-feira, 10, em transmissão ao vivo pelas redes sociais.
A lista dos que terão seus dados abertos inclui os ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e o assessor especial da Presidência, Filipe Martins. Além disso, a CPI pediu acesso a informações de empresas que receberam recursos públicos e tiveram aumento nas vendas de cloroquina.
As medidas foram aprovadas nesta quinta-feira, 10, mesmo dia em que estava previsto o depoimento do governador do Amazonas, Wilson Lima. Ele não foi à CPI após decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), que o livrou de prestar depoimento. A determinação abre caminho para que o mesmo ocorra com os outros oito governadores convocados, deixando o foco de desgaste para Bolsonaro.