Mandetta vê crescer seu capital político e até 'colete' colabora com popularidade
Em atrito com presidente Jair Bolsonaro, ministro da Saúde é apoiado pela cúpula do Congresso e do Judiciário e até por bolsonaristas
BRASÍLIA - Em atrito com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o presidente Jair Bolsonaro mandou um recado ao auxiliar ao dizer que ninguém em seu governo é "indemissível". A declaração, no entanto, soou como uma bravata para interlocutores do governo. Não há dúvida que Bolsonaro deseja demitir Mandetta, mas sabe que ao fazê-lo arrisca a própria imagem diante da popularidade que o ministro alcançou no enfrentamento à pandemia do coronavírus. Conquistou o apoio de líderes do Congresso, do Judiciário, da oposição e até mesmo de bolsonaristas.
Pesquisas de opinião divulgadas nesta sexta-feira, 3, apontam que o ministro tem aprovação maior que a do presidente. Para aliados de ambos os lados que acompanham de perto o cabo de guerra, Mandetta caminha para ganhar a mesma musculatura política que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, outro auxiliar cuja popularidade gera incômodo e desconfiança em Bolsonaro.
Durante o agravamento da crise da covid-19, Mandetta, filiado ao DEM e ex-deputado federal Mato Grosso do Sul por dois mandatos, ganhou projeção nacional. Diariamente, ao final da tarde, surge na entrevista coletiva, transmitida ao vivo por emissoras de TV, para falar sobre a evolução da pandemia. Nas últimas semanas, trocou o terno e a gravata por um colete azul do Sistema Único de Saúde (SUS). Às vezes, as mangas da camisa estão dobradas. Assim, se destaca dos demais ministros do governo Bolsonaro e se assemelha aos técnicos da sua pasta, que também usam trajes com a marca do SUS.
"Não é só um colete de quem está vestido para a guerra. Com o símbolo do SUS no peito, ele cria uma conexão com pessoas mais pobres. E ao se vestir como seus secretários, reforça que trabalha com um time e com a ciência", observa Olga Curado, consultora de imagem para políticos e empresários. "O cabelo nunca está tão penteadinho e a barba que dá sinal que precisava fazer. É a imagem de quem está trabalhando", pontua.
Mandetta passou a usar o colete no dia 22 de março. A peça é usada pela equipe do Centro de Operações de Emergência (COE), criado em fevereiro para o enfrentamento ao coronavírus, e foi adotada pelo ministro. Usado diariamente, ele tem dois modelos iguais.
A especialista, que teve como clientes os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e o próprio presidente Bolsonaro, destaca a capacidade de Mandetta de, mesmo ao dar notícias duras, adotar uma linguagem empática e simples, usando metáforas para facilitar a compreensão, e apontar soluções. Para ela, essa habilidade é fruto da experiência dele como médico ortopedista de crianças por mais de 30 anos. O ministro também foi secretário de Saúde em Campo Grande, quando seu primo, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), foi prefeito da cidade.
"Mandetta passa a imagem de alguém prudente, focado e assertivo. Não adianta ser bonzinho. Ele avisa que o remédio é ruim, mas se tomar vai ser bom. Isso passa credibilidade", diz Olga Curado. "Apesar de Bolsonaro ficar minimizando o isolamento, por que as pessoas não vão para a rua? Porque elas preferem acreditar no doutor."
Para a consultora, Mandetta também se sai bem ao evitar a discussão política. Na quinta-feira, 2, após Bolsonaro dizer que faltava "humildade" a ele, o ministro respondeu que estava trabalhando. "Eu trabalho. Só lavoro, lavoro". Líderes do DEM veem projeções para 2022 como prematuras
Na cúpula do DEM, a percepção de que Mandetta ganhou um tônus político é nítida, mas, os líderes do partido, afirmam que é prematuro fazer projeções para 2022. Amigos reconhecem a projeção de Mandetta, mas afirmam que o ministro não tem agora foco "político-eleitoral." Não descartam, porém, que ele possa usar o destaque de agora no futuro. Nas redes sociais, começam a surgir teorias de que o ministro faz parte de um projeto político do DEM para tentar apequenar o presidente.
Em 2018, o então deputado se disse decepcionado com a política e desistiu da reeleição. Agora, políticos próximos veem a possibilidade de ele se projetar para 2022 como um nome ao governo de Mato Grosso do Sul ou ao Senado.
Diante da fritura e desgaste com o presidente, o ministro, em conversas reservadas, já não esconde que desejaria deixar o governo, mas afirma que não tomará a atitude para não arcar com o ônus de sair em momento de crise. "Médico não abandona paciente", disse na sexta.
No Planalto, a avaliação é de que, ao desafiar o presidente, seu superior hierárquico, o ministro dá munição para a oposição. Bolsonaro, por sua vez, sabe que se demiti-lo agora assume toda a responsabilidade da pandemia do coronavírus.
Dentro do governo, Mandetta também tem o apoio dos colegas de Esplanada. Vários integrantes do primeiro escalão defenderam o ministro da Saúde para o presidente e tentam acalmar os ânimos com o argumento de que os dois apenas têm estilos diferentes, mas possuem o mesmo objetivo.
Apoio vai da oposição a bolsonaristas
Enquanto sofre ataques de Bolsonaro, Mandetta capitaliza apoio de todos as matizes políticas. O ministro tem ao seu lado o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que pediram que ele seguisse "tocando o barco". Os três jantaram juntos na noite de quinta-feira após o ministro ser criticado por Bolsonaro em entrevista à rádio Jovem Pan.
O responsável pela Saúde também tem exibido bom relacionamento com o procurador-geral da República, Augusto Aras. Juntos, eles anunciaram medidas de controle à covid-19 na quinta-feira, 2. Em meados de março, Mandetta e o PGR tiveram outra uma reunião com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.
De acordo com integrantes do governo, foi este encontro que fez explodir a irritação do presidente. Logo após a reunião, Toffoli disse que "se há uma pessoa inamovível na República, é Luiz Henrique Mandetta." A avaliação de Bolsonaro, segundo interlocutores, foi que após este episódio que o ministro passou a agir por conta própria não respeitando a hierarquia.
Mandetta também conquistou a admiração de bolsonaristas. Recentemente, na portaria do Palácio da Alvorada, uma mulher pediu que Bolsonaro deixasse o ministro trabalhar. Nesta sexta-feira, um dia após o ataque do presidente ao ministro, outra apoiadora escreveu na página de Bolsonaro no Facebook: "Não estou feliz com sua postura em relação ao Mandetta, presidente. Por favor, não faça pouco caso de quem está querendo ajudar o povo junto com o senhor."
A mulher de Moro, a advogada Rosângela Moro, foi outra a sair em defesa do ministro. Ela publicou em seu Instagram a frase "In Mandetta I Trust" (Em Mandetta eu confio), uma variação usada também por apoiadores do ex-juiz da Lava-Jato. "Entre ciência e achismos eu fico com a ciência. Se você chega doente em um médico, se tem uma doença rara você não quer ouvir um técnico?", indagou logo após a entrevista na qual Bolsonaro disse que falta humildade a Mandetta. Poucos minutos depois, a publicação foi apagada.
Até mesmo integrantes da oposição tem elogiado a condução do ministro à frente da crise. A deputada federal e médica, Jandira Feghali (PCdoB), é uma delas. "Parabéns ao Ministério da Saúde, porque só o órgão e seu corpo técnico têm se esforçado e lutado contra o tempo para combater a pandemia de coronavírus", publicou ontem em seu Twitter.
O deputado federal Fábio Trad (PSD-MS), que também é primo de Mandetta, classificou a investida de Bolsonaro contra o ministro como "infeliz e inábil politicamente porque a população apoio o trabalho técnico e científico do Mandetta. "O presidente trabalha contra o próprio governo. Se tivesse segurança de sua força eleitoral, Bolsonaro pegaria o Mandetta a tiracolo e faria brilhar o governo. Mas ele fica incomodando com ascensão de quem brilha. Isso não é liderança", disse o parlamentar. / COLABORARAM TÂNIA MONTEIRO, CAMILA TURTELLI e JULIA LINDNER