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Coronavírus

Medo de voar: especialistas dão dicas para quem teme entrar no avião

Embora o avião seja um dos meios de transporte mais seguros do mundo (só perde para o elevador), o medo de embarcar é algo comum; há até cursos para ajudar quem sofre da fobia

27 ago 2022 - 05h10
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Andrà tutto bene! Em três palavras, o exclamativo recado no WhatsApp de Ana Paula Faria sintetiza sua mais recente conquista: enfrentar o medo de avião para realizar o sonho de conhecer a Itália. Ficou tudo bem, como preconiza a mensagem em italiano. E a professora de São Paulo viu que consegue entrar num avião e permanecer horas lá dentro para sobrevoar o Atlântico até a Europa.

Antes de chegar a esse destino, porém, a rota percorrida por ela foi mais longa. Durante anos, Ana Paula foi buscando formas de lidar com o medo de voar.

A primeira viagem aérea foi em 2008, aos 29 anos. "É superseguro, conscientemente sei disso." De fato: segundo uma pesquisa da revista norte-americana Condé Nast Traveller, acidentes aéreos são responsáveis por 0,006 mortes a cada 1 bilhão nos Estados Unidos. Por outro lado, são 6 milhões de acidentes com carros por ano; destes, um em cada 654 são fatais. No Brasil, dados do Ministério da Infraestrutura apontam que em 2021 foram 11.647 vítimas de acidentes de trânsito no País.

Mas, como qualquer medo, a fobia de avião não tem nada de racional. Muitos de nós, incluindo famosos, fazemos coro com a professora, como a jornalista Fátima Bernardes, o cantor Luan Santana e os atores Ben Affleck e Jennifer Aniston.

"As fobias estão dentro da categoria relacionada à ansiedade. A pessoa pode ter uma ansiedade generalizada ou se sentir mal por alguma coisa, diante de cobra ou por medo de avião, por exemplo. Aí é uma fobia específica, mas todas cabem dentro de um quadro de ansiedade", explica a professora Alessandra Turini Bolsoni Silva, do curso de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Turbulência derruba avião?

Decidir lidar com a fobia, segundo a especialista, vai depender do "prejuízo funcional que essa pessoa tem por causa disso". "Um jogador de futebol precisa viajar para jogar. Se ele sente medo de avião, tem de levar em conta o trabalho, o quanto aquilo prejudica", afirma. "O mais confortável não é enfrentar. Mas se a pessoa perde a viagem dos sonhos... Enfrentar é aversivo, mas perder aquilo, também."

Essa é a história de Ana Paula. A professora de 43 anos já fazia terapia por causa do transtorno de ansiedade, diagnosticado aos 25 anos. Contava com o suporte profissional, mas só encontrou motivação para encarar o medo de avião após perder uma viagem a Portugal a convite da mãe, em 2017. "Pesquisei o aeroporto na Ilha da Madeira e vi que era uma pista complicada para pouso e decolagem."

Ir à Itália era um desejo de infância, presente prometido pela avó italiana, Alessandrina, e depois mantido pela mãe, Miriam. "Pensei: 'Quer saber? Vai com medo mesmo!' Em janeiro de 2020, falei para a minha mãe: 'Vamos para a Itália'. Seria em 8 de julho. Aí veio a pandemia. Meu marido e eu tivemos covid. Ele ficou internado", lembra.

Com um terço do valor já pago, a visita à Europa foi remarcada para 9 de julho deste ano. De janeiro em diante, a professora buscou informações sobre aviões, o que eram os barulhos e movimentos que causam o medo. "Foi maravilhoso conhecer como funcionava. Eu via vídeos do canal Aviões e Músicas, no YouTube. Lá ele dá explicações técnicas dos sons, mostra que 'turbulência não derruba avião'. Isso virou um mantra para mim", conta Ana Paula.

"Eu usava também o app flightradar24. Todos os dias olhava aquela quantidade de aviõezinhos no céu e pensava 'hoje tem esse trânsito de centenas e não caiu nenhum'. Ter um medo muito grande cansa. Ou você dá um jeito, e busca um caminho para enfrentar. Fiquei, além de feliz, muito orgulhosa de mim porque consegui", comemora. De norte a sul, foram 16 dias, passando pela sonhada Torre de Pisa, ao lado da mãe, de 75 anos, e do irmão, André, de 41.

Medo de voar envolve outros medos

Os sentimentos estão relacionados aos pensamentos, explica Paula Ventura, coordenadora do Laboratório de Trauma e Medo do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ), departamento que desenvolveu um estudo sobre o tema. "No projeto Livre para Voar, a gente procurou identificar o que os pacientes pensavam sobre avião. Aí buscava dados de realidade. Se a pessoa tivesse medo de lugar fechado e achava que ia morrer sufocada no avião, a gente via evidências para mostrar que isso não acontecia."

A professora do Instituto de Psicologia e da pós-graduação da Psiquiatria, ambos na UFRJ, explica que o medo de voar envolve vários outros, por exemplo, de cair, de perder o controle, de estar num lugar fechado, de ser ridicularizado por não conhecer aquele ambiente. "A gente tem de entender como é o medo para aquele paciente, as situações traumáticas que tenha passado. Se a pessoa foi abusada fisicamente num lugar fechado, pode ter medo de voar. Pode ter transtorno do pânico e ter medo das próprias características, como sentir taquicardia", exemplifica.

O projeto Livre para Voar incluiu a criação de um software para simular, com realidade virtual, todo o trajeto de uma viagem, da mala ao pouso no destino. "É uma parceria entre a Psiquiatria e a Psicologia da UFRJ e a Informática da PUC do Rio, com o professor Alberto Raposo. A gente queria ver se o tratamento com realidade virtual era mais eficaz do que o trabalho em consultório", avalia.

A aplicação nos participantes começou em meados de 2017, e o estudo está agora em fase de conclusão, pois foi interrompido pela pandemia.

O assunto rendeu duas teses: uma já defendida por Helga Rodrigues, sobre o desenvolvimento do protocolo, e outra da doutoranda Cíntia Machado, sobre o estudo randomizado controlado. Durante a pesquisa, alguns participantes interrompiam o trajeto virtual proposto. "Acontecia numa sessão, e na outra a pessoa acabava conseguindo. Ao longo das várias sessões, fazia o programa todo", afirma.

Realidade virtual pode ajudar

A psicóloga Solange Regina Signori Iamin também usa realidade virtual no tratamento. "Antes da pandemia, era somente presencial e terminava com um voo comercial, no qual eu acompanhava a pessoa. Era uma maneira de 'verificar e identificar aquilo que ainda era preciso mudar'. Agora, tenho utilizado a modalidade online. Foi surpreendente a eficácia", diz. "Os recursos terapêuticos mudaram. Eu faço um programa direcionado para cada paciente."

Em Curitiba, a profissional trabalha em parceria com a empresa EPA Training Center, na qual a pessoa pode experimentar o simulador de voo com um piloto instrutor, para conhecer os procedimentos em situações meteorológicas adversas, como tempestade, casos de turbulência e voos noturnos.

Atualmente, a especialista organiza programas com, em média, de 8 a 12 sessões. "Alguns conseguem voar em quatro sessões, outros, em 20. Até hoje todos que fizeram o tratamento e abraçaram a própria causa aprenderam a gerenciar a ansiedade e a voar com mais conforto." A partir da sua experiência clínica e da pesquisa sobre o assunto, Solange Regina escreveu o livro Eu Voo Sem Medo - Um Guia para Vencer o Medo de Voar, incluindo dicas e técnicas da Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC). Ele custa R$ 18 no site da Editora Appris.

"Tirar o medo da pessoa é um processo", afirma Lito Sousa, do site Aviões e Músicas, cujo YouTube foi usado como ferramenta pela professora Ana Paula. "Como eu trabalhava na aviação comercial, sei todos os procedimentos de segurança. Comecei a escrever na internet em 2004. Depois criei o canal em 2010." Mecânico de aviões, ele trabalhou 25 anos na área, dez na Varig e na Transbrasil e depois o restante na United Airlines.

Curso para superar o medo de voar

Desde o fim do ano passado, ele se dedica exclusivamente ao canal e criou também um curso, em módulos, com informações detalhadas e participação de profissionais, como piloto, comissário, psicólogo, engenheiro aeronáutico e meteorologista. "Estou vendo um resultado prático. Tem uma rede de suporte muito boa, com um grupo no Telegram. As pessoas passam a ficar confiantes. Estão fazendo uma lista para fretar um avião quando chegar a 150. Eu vou junto. Já está com 110", conta Lito. "Mas, se você tem medo de voar, mesmo adquirindo conhecimento, o primeiro passo é sempre difícil."

Ana Paula chegou a fazer algumas viagens aéreas no Brasil, antes de ir à Itália: "Sempre chorando. No destino, esqueço o medo e curto a viagem". No entanto, as lembranças desses voos não impediram que ela desistisse do avião ao ver o céu escurecer Congonhas uma vez.

"Em todos os voos, essas frases me vinham à cabeça: 'Por que eu fui inventar isso?' e 'o que estou fazendo aqui?'", lembra a professora. Mas, naquela ponte aérea, foi além: desafivelou o cinto, procurou a comissária e disse baixinho: "Eu tenho medo, não quero ir mais. O céu está muito escuro". A que a funcionária respondeu: "O quê?! Você não vai mais?!". "Ela me disse 'viajo há 20 anos', mas eu pensava: 'Se ela for morrer hoje, morre comigo, que diferença faz?'. Decidi descer mesmo.

De compreensiva, a comissária fechou a cara." A situação atrasou o voo em meia hora, lembra. "Tiveram de retirar a minha mala e buscar a escadinha para eu descer. Todo mundo esperando, e eu ali chorando."

E o que fazer se uma pessoa entrar em pânico ao seu lado? "É lembrar que o pânico tem um tempo para acabar. O pico de ansiedade está relacionado a uma grande liberação de adrenalina, que não dura para sempre", explica Paula, professora da UFRJ. "Uma coisa que ajuda bastante é fazer algo abrupto para interromper aquele processo, como jogar alguma coisa no chão."

Para evitar o pânico, Ana Paula baixou música para escutar no celular, mas nem ouviu. "Hoje eu tenho um medo que considero normal. Voo sem desespero. Ainda entro com pé direito no avião, levo um saquinho de medalhinhas de santos e faço uma oração. Para a viagem à Europa, eu fiz uma camiseta em italiano em que está escrito 'Va avante, senza paura (Vá em frente, sem medo)'."

Cada um pode encontrar recursos para relaxar antes e durante o voo, exceto lançar mão do uso de bebida alcoólica, reforça Solange Regina. "O álcool potencializa seus efeitos nas alturas, pela questão da pressão atmosférica ser menor e assim o nível de oxigênio no sangue está mais baixo. Isso pode trazer ansiedade e pior, agressividade, a ponto de a pessoa precisar de contenção durante o voo." Ela recomenda ainda evitar tomar café, chá verde e energético, "pois são psicoestimulantes do sistema nervoso e geralmente causam taquicardia, tremores, agitação, e isso pode ser confundido inclusive com os sintomas do medo".

Estadão
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