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Coronavírus

Nem vacina garante volta à normalidade, dizem especialistas

Eles destacam dificuldades desde produção até proteção, que vão levar à manutenção de medidas de higiene e distanciamento

9 ago 2020 - 05h10
(atualizado às 09h53)
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RIO DE JANEIRO - Não vai ser aquela celebração com a qual muitos sonhavam. Mesmo que não haja absolutamente nenhum contratempo no teste e na aprovação de uma vacina eficaz contra a covid, que esteja liberada para uso no início de 2021, ainda vai levar um bom tempo para a vida voltar ao normal. E essa volta à normalidade pré-pandêmica será muito lenta e gradual, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão.

Mulher segura seringa e frasco com rótulo de vacina para Covid-19 em foto de ilustração
10/04/2020 REUTERS/Dado Ruvic
Mulher segura seringa e frasco com rótulo de vacina para Covid-19 em foto de ilustração 10/04/2020 REUTERS/Dado Ruvic
Foto: Reuters

O freio no otimismo generalizado veio da própria Organização Mundial de Saúde (OMS). Na segunda-feira (3), o diretor-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que a vacina pode não se tornar realidade, a despeito de vários testes estarem sendo feitos em uma velocidade sem precedentes e alguns já apresentarem até mesmo resultados promissores. São 164 substâncias candidatas em desenvolvimento; 25 em fase clínica, seis delas já no último estágio.

"Não existe bala de prata no momento e talvez nunca exista", alertou o diretor-geral. "Há uma preocupação de que talvez não tenhamos uma vacina que funcione. Ou que a proteção oferecida possa durar apenas alguns meses, nada mais."

Para especialistas, o alerta faz todo o sentido, sobretudo diante do relaxamento das medidas de isolamento social e uso de máscaras, com a pandemia estacionada em um patamar muito alto, de aproximadamente mil novos casos por dia no Brasil. "Alguns gestores já estão achando que a vacina vai resolver tudo, que a vida vai voltar ao normal, que não é preciso mais fazer distanciamento", enumera Cristiana Toscano, representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em Goiás e membro do Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização da OMS. "Isso é muito preocupante porque o Sars-Cov2 claramente não vai desaparecer rapidamente, ele vai ficar entre nós."

Segundo a pesquisadora, o otimismo existe, mas precisa ser realista. "É ótimo termos um número recorde de vacinas sendo desenvolvidas, achamos que mais cedo ou mais tarde uma delas vai dar certo. Mas, de fato, não temos nenhuma pronta, nem garantias, e não sabemos quando teremos."

Apesar de o novo coronavírus pertencer a uma família viral já bastante conhecida e de ser um vírus estável (diferente do HIV, por exemplo, que sofre muitas mutações), historicamente, apenas uma em cada dez substâncias que chegam à fase final dos testes se transforma, de fato, em vacina.

"A fase 3 é, justamente, a mais complexa, é ela que avalia a eficácia do produto, que diz se ele consegue prevenir ou não a infecção", explica o virologista Flávio Guimarães da Fonseca, pesquisador do Centro de Tecnologia de Vacinas da UFMG. "A taxa de sucesso nesta fase clínica é de 10%, e é preciso lembrar que nunca se gerou uma nova vacina numa velocidade tão alta; esse açodamento pode ter um preço."

Proteção

A primeira questão a ser observada é o porcentual de proteção da população. A vacina contra o sarampo, por exemplo, apresenta um dos mais altos, de 98%. A vacina contra a dengue, desenvolvida em quatro anos, tem 70% e não é oferecida gratuitamente. No caso de uma pandemia mundial, uma porcentagem ainda mais baixa, de pelo menos 50%, poderia ser estrategicamente importante.

Além disso, os níveis de proteção para grupos demográficos distintos podem também variar - idosos, por exemplo, podem ter respostas imunes menos robustas. "Em vista de uma emergência sanitária, isso pode ser considerado. Mas mesmo que seja de 80% para todo mundo, por exemplo, é bom lembrar que ainda vai ter uma parcela significativa da população sem proteção", aponta Guimarães. "Ou seja, não vai ser possível voltar à normalidade."

Outro problema é o período da proteção oferecido pelo imunizante. Se for de alguns meses, por exemplo, valeria a pena vacinar todo mundo? Ou seria o caso de imunizar apenas profissionais de saúde que trabalham na linha de frente do atendimento? A necessidade de várias doses da vacina para um resultado mais eficaz é viável do ponto de vista logístico e econômico? Uma vacina que só atenua os sintomas da doença é válida? São questões importantes a serem respondidas.

Por fim, as capacidades de produção e distribuição de bilhões de doses de uma vacina no mais curto período de tempo possível podem representar um gigantesco desafio. "Não há no mundo inteiro nenhum laboratório privado ou público capaz de produzir 7 bilhões de doses", afirma Guimarães. Além disso, precisaria haver alguma garantia de que o produto seria acessível aos mais pobres.

Para a distribuição e aplicação da vacina, outro tipo de logística teria de ser montada. Envolveria um escalonamento da população, de forma que os mais expostos e os mais vulneráveis recebessem a imunização em primeiro lugar. "Isso tudo leva meses", frisa Cristiana Toscano. "E quando for disponibilizada, não vai ser de uma vez só que todos estarão protegidos; é um processo paulatino."

Flávio Guimarães concorda com a colega. "Pode parecer uma previsão pessimista, mas é realista. E mesmo com uma vacina eficaz já sendo aplicada, vamos continuar tendo de manter o distanciamento e usar máscara por muito tempo ainda até o controle dessa doença."

Estadão
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