Novo coronavírus e HIV: a resposta da ciência
Infectologista Marcia Rachid, referência no tratamento de pacientes com HIV no Brasil, explica diferenças no enfrentamento dos dois vírus
Os primeiros casos de aids identificados no mundo são datados de 1981 e o HIV foi detectado somente em 1983. Foram dois anos sem saber o agente responsável. Esse tempo seria ainda mais catastrófico se hoje, diante da covid-19, o novo coronavírus (SARSCov2) não tivesse sido rapidamente relacionado à nova doença. São muitas as diferenças com as quais médicos e cientistas tiveram – e têm – que se defrontar no embate com os dois vírus causadores de pandemias
Lá atrás, o Brasil teve de esperar vários anos até fazer uso do primeiro medicamento para tentar combater o HIV – o antiviral AZT aportou por aqui em 1990/1991, apesar de as primeiras publicações mostrando bons resultados nos EUA já datarem de 1987. Além disso, não há até hoje nenhuma vacina contra o vírus da aids.
Essas circunstâncias, diante do que se vê hoje com a pandemia da covid-19, mostram o quanto a ciência evoluiu nas últimas décadas. Em poucos meses da nova infecção, já se conhecia o agente causal, sua forma de transmissão e medidas preventivas. Acrescente-se a isso a possibilidade real de surgirem vacinas em breve.
Para a infectologista Marcia Rachid, que trabalha há quase 40 anos com pacientes infectados pelo HIV, é possível verificar, no entanto, uma comparação especifica relacionada ao comportamento dos que conviveram próximos a pessoas com o HIV e os que atualmente tentam se proteger do novo coronavírus. Em ambos os casos, ela diz, reações despropositadas podem ser destacadas.
“Mesmo com a ciência avalizando em 1983 que não havia transmissão do HIV por aperto de mãos, abraço, uso compartilhado de talheres, os pacientes, muitos deles, eram abandonados, ninguém ia visitá-los. O estigma que os acompanhava matou tanto quanto a própria aids.”
“Agora, o novo coronavírus, por ter transmissão aérea, impõe o distanciamento e pacientes internados não podem receber visitas. Há real restrição ao contato físico. Mas o que me chama mais a atenção são os exageros de alguns ao lavar sacolas plásticas e depois pendurá-las no varal, ao acionar o spray de álcool líquido e sair borrifando tudo que veem pela frente e até a lavar ovos e frutas em potes com água sanitária. Perdem a lógica por causa do medo. Basta lavar bem as mãos com água e sabão após tocar objetos. Pronto. Pra que tudo isso?”
Uma das fundadoras, em 1989, do Grupo Pela Vidda-RJ – entidade que se notabilizou pela luta contra o isolamento dos que vivem com HIV e aids e pela desconstrução do estigma relacionado à doença -, Marcia Rachid lançou recentemente o livro ‘Sentença de Vida’ (Editora Máquina de Livros), no qual destrincha com leveza e emoção seu convívio profissional com portadores daquele vírus desde os anos 80.
A obra traz relatos comoventes de quem fazia o papel de parente dos que carregavam a pecha de doentes por causa da orientação sexual (inicialmente, o HIV esteve bastante associado à homossexualidade masculina). “Eu via as pessoas morrendo e ficava ao lado delas porque sabia que ninguém ia aparecer.”