'O dentista passou a ter certa importância na saúde geral do ser humano', diz dr. Sergio Giorgi
Ex-professor da Faculdade de Odontologia da USP, ele alerta para a importância da higiene oral na prevenção de outras doenças e comenta a descoberta de Sars-CoV-2 no tecido gengival de vítimas fatais da covid-19
"As doenças periodontais são uma agravação para todo o corpo", afirma o dr. Sérgio Mauro Giorgi. Doutor em Periodontia e ex-professor da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, ele explica como a saúde bucal pode influenciar todo o restante do corpo humano, causando desde doenças pulmonares e cardiológicas até o agravo da covid-19.
Em março, um estudo realizado por pesquisadores da USP descobriram pela primeira vez a presença do Sars-CoV-2 na gengiva de pacientes que vieram a óbito por causa do coronavírus. A descoberta foi publicada no Journal of Oral Microbiology e abre caminho para ligar a saúde bucal à presença da covid-19 na saliva de pessoas infectadas pelo vírus.
Para o dr Giorgi, essa é mais uma evidência do quão necessária é a higiene oral adequada e focada em cada paciente de forma individual. Ele explica que, através da boca, vírus como o Sars-CoV-2, a herpes e uma infinidade de bactérias que podem ser transmitidas para a corrente sanguínea e agravar quadros já graves de doenças existentes.
"Amostras colhidas em pesquisas nos Estados Unidos apontam a presença de uma bactéria que só existe na boca, a Porphyromonas gingivalis, no cérebro de pessoas que recentemente vieram a óbito de covid e de Alzheimer. Como ela foi para o cérebro?", questiona.
Membro da American Academy of Periodontology, da American Dental Association e membro ativo da New York Academy of Sciences, Sérgio Giorgi explica na entrevista abaixo os principais cuidados a serem tomados na saúde bucal e o efeito da pandemia na boca dos brasileiros.
O que a descoberta do Sars-CoV-2 na gengiva de pacientes significa, na prática? Isso pode acarretar algum dano maior para a saúde dos pacientes?
Isso pode acontecer quando o estado de manutenção da higiene da boca não é bem desenvolvido pelo paciente. O pessoal da medicina achou que o tecido gengival pode ser um alvo da doença e contribuir para a presença do vírus até na saliva. Quando o microbioma oral sofre um desequilíbrio, a boca ou o sistema imunológico não conseguem proteger a superfície oral apenas com os dentes.
Quando esse microbioma está desequilibrado é que chamamos de disbiose. Isso impede uma resposta do próprio sistema imunológico, daí a importância de cirurgiões dentistas criarem protocolos individuais, de acordo com o paciente e a capacidade de praticar a higiene.
O que seriam esses protocolos individuais de higiene oral?
Às vezes, com a idade, o paciente perde a motivação para manter a higiene oral. É comum que os cirurgiões dentistas sejam treinados para, nas Unidades de Tratamento Intensivo, verificarem a condição de saúde bucal dos pacientes, de forma a protegê-los melhor.
O que a má higiene da boca pode acarretar para o ser humano, além das já conhecidas cavidades dentárias (cáries)?
Amostras colhidas em pesquisas nos Estados Unidos apontam a presença de uma bactéria que só existe na boca, a Porphyromonas gingivalis, no cérebro de pessoas que recentemente vieram a óbito de covid e de Alzheimer. Como ela foi para o cérebro?
Isso provavelmente tem a ver com a saúde bucal do paciente. Não à toa criou-se a medicina periodontal, porque hoje já entendemos que as doenças periodontais podem ser uma agravação para todo o corpo. O dentista passou a ter uma certa importância na saúde geral do ser humano.
As doenças periodontais estão associadas a uma série de enfermidades, como a doença coronariana, doença hepática não-alcoólica, doença renal, distúrbios pulmonares e a esclerose, além de também contribuírem para cânceres da cavidade oral e outras inflamações. Por isso é importante manter o microbioma oral sempre equilibrado.
Quais os principais sinais de que há algum problema na saúde bucal?
O mais importante é ser aconselhado por um profissional. A doença gengival é perigosa em idosos, mais de 70% dos adultos com 65 anos ou mais têm periodontite, que afeta os ossos e o enfraquecimento das fibras colares que unem os dentes ao osso. Isso provoca o enfraquecimento do sistema imunológico. Essas doenças são muito graves e mais perigosas que as cavidades, as cáries.
Além da escovação, o que pode ser feito para manter a saúde oral em dia?
Antes de escovar os dentes, o interessante é fazer uma limpeza prévia, com fio dental e limpadores interdentais que você encontra farmácia, só com esse procedimento você já evita 70% das doenças periodontais. Mas a escovação e o fio dental tradicionais podem não ser suficientes para afastar as doenças da gengiva e da boca.
Outra coisa importante é escovar a língua, principalmente o dorso. E evitar o compartilhamento de utensílios com pessoas que estão contaminadas. Essas medidas devem ser levadas para o resto da vida, porque a qualquer momento as pessoas podem ser infectadas. Fora isso, também é importante seguir a forma correta de cuidar das escovas e higienizadores. O ideal é mantê-los imersos em água e enxaguante bucal, com clorexidina, que são bactericidas.
Nosso mercado ainda não oferece isso, mas hoje nos Estados Unidos existem pastilhas que você tritura na boca após a escovação matinal e elas liberam bactérias vivas e "boas". São os probióticos orais.
10 cuidados fundamentais para manter a higiene oral na pandemia do coronavírus:
- Lavar as mãos: usar sabão suficiente para que a espuma cubra toda a superfície das mãos; esfregue as palmas por cinco segundos, caprichando entre os dedos, no dorso e no pulso;
- Usar escova de cerdas macias, bem higienizada para que ela chegue à cavidade bucal;
- Utilize pasta dental com flúor e clorexidina a 0,12%;
- Após o uso, lave a escova e deixe-a mergulhada em uma solução com clorexidina a 0,12%, em posição vertical;
- Escove a língua, principalmente o dorso, onde acumulam-se placas bacterianas que podem levar à contaminação pulmonar;
- Evite roer as unhas, hábito que pode prejudicar os dentes e levar o vírus ao organismo;
- Antes da escovação, limpar os dentes com fio dental e limpadores interdentais;
- Evitar o compartilhamento de alimentos e utensílios como pratos, copos e talheres;
- Se for diagnosticado com a covid-19, use um banheiro separado ou, caso isso não seja possível, afaste itens como escova dental e toalhas;
- Procure o seu dentista em qualquer quadro de urgência ou emergência, como sangramentos, fraturas, cáries, dor extensa etc.