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Coronavírus

O que a Ciência já sabe da covid longa, que afeta 1 em cada 10 pacientes

Muitos meses após infecção inicial por covid-19, alguns pacientes ainda sofrem com variedade desconcertante de sintomas — e cientistas estão começando a desvendar o que está por trás disso.

6 jul 2021 - 08h10
(atualizado às 08h14)
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Quando Melissa Heightman criou a primeira clínica de reabilitação pós-covid-19 do Reino Unido no Hospital da Universidade College London (UCLH), no Reino Unido, em maio de 2020, ela esperava que a maior parte de seu tempo seria preenchida ajudando os pacientes a se recuperarem dos efeitos colaterais de passar várias semanas em um respirador.

Foto: BBC News Brasil

Para a maioria destes pacientes, ela esperava que o caminho para a recuperação completa fosse rápido.

"No início da pandemia, não sabíamos quais seriam as sequelas de longo prazo de uma infecção por covid", diz Heightman, especialista em aparelho respiratório.

"Nós pensamos que seria como uma gripe, que tudo iria embora e ficaria bem."

O que ela não podia imaginar é que, um ano depois, um terço dos pacientes da clínica ainda estaria mal e, em grande parte, incapaz de trabalhar. Mais da metade nunca deu entrada em hospitais por causa da covid-19.

Quase tão logo a clínica foi aberta, Heightman começou a receber ligações de médicos locais intrigados, confusos com um fluxo repentino de pacientes — muitas vezes relativamente jovens e sem problemas de saúde subjacentes — que apresentavam sintomas crônicos.

Todas as histórias seguiam um padrão recorrente, começando com uma infecção aparentemente branda, até que uma estranha constelação de doenças começava a aparecer. Em vez de diminuir, esses sintomas continuavam a persistir por semanas e até meses depois que o vírus supostamente havia deixado seus corpos.

Era um enigma que a comunidade médica não esperava.

"Estes pacientes foram inicialmente deixados para trás", diz Heightman.

"A maioria dos hospitais não conseguia vê-los facilmente, porque não tinha orçamento para abrir uma clínica pós-covid dedicada a isso. Mas agora eles são nosso foco principal."

O sintoma mais comum, que Heightman diz ter sido observado em mais de 80% dos pacientes em sua clínica, é uma fadiga sufocante que atrapalha suas vidas, tornando difícil completar as tarefas diárias mais simples.

Pesquisas mostraram que a fadiga persistente está presente em pelo menos 62% dos pacientes com covid longa.

Estes casos são conhecidos agora como "covid longa", "covid-19 pós-aguda" ou "síndrome pós-covid", uma doença pós-viral que provou ser mais prevalente do que se imaginava inicialmente.

O consenso científico geral é que cerca de um em cada 10 pacientes com covid-19 ainda apresentará sintomas 12 semanas depois.

Mas para compreender totalmente as sutilezas dessa condição complexa, é necessário considerar que a covid longa engloba dois grupos de pacientes muito díspares — aqueles que foram hospitalizados e aqueles que não foram — cada um com diferentes causas subjacentes.

O primeiro grupo se revelou muito mais simples para os médicos administrarem.

Normalmente, seus pulmões ou coração foram danificados pela infecção viral aguda ou pela tempestade de citocinas resultante — a resposta inflamatória severa que pode fazer com que o sistema imunológico de um paciente ataque seus próprios tecidos.

A tomografia computadorizada e a ressonância magnética revelam rapidamente a extensão do dano, enquanto medicamentos como a colchicina podem ser usados para atenuar qualquer inflamação persistente nos órgãos internos.

Heightman diz que dois terços dos pacientes da clínica com covid longa que foram hospitalizados estão se recuperando bem, enquanto o terço restante apresentou melhora em seus exames após seis meses.

"Esperamos que a grande maioria desses pacientes melhore a ponto de não ficar com problemas que limitem suas vidas", diz ela.

"Esperamos que menos de 10% dos que ficaram na UTI por muito tempo, fiquem com alguma anormalidade cardíaca ou pulmonar permanente."

Mas os pacientes com sintomas de longo prazo que não foram hospitalizados se mostraram muito mais complicados.

De acordo com Heightman, o pico de idade tende a ser entre 35 e 49 anos, e eles relatam uma variedade misteriosa de sintomas. Algumas pesquisas com pacientes identificaram até 98 sintomas diferentes.

Os mais comuns incluem fadiga, névoa cerebral, dores musculares e nas articulações, distúrbios do sono, enxaquecas, dor no peito, erupções cutâneas, nova sensibilidade a cheiros e sabores e disautonomia, condição normalmente rara que causa um aumento rápido e desconfortável dos batimentos cardíacos quando a pessoa tenta desempenhar qualquer forma de atividade.

Heightman diz que enquanto 50% dos pacientes da clínica com covid longa que não foram hospitalizados melhoraram ao longo de um ano a ponto de serem capazes de gerenciar seus sintomas sozinhos, a metade restante ainda não está bem.

Muitas das informações que temos sobre o prognóstico e os sintomas de longo prazo apresentados por este grupo de pacientes vieram de um punhado de clínicas especializadas, como a de Heightman, em todo o mundo, juntamente aos esforços de comunidades virtuais de covid longa, como a Patient-Led Research Collaborative (PLRC).

Enquanto metade dos pacientes de Heightman teve uma boa recuperação, outros não tiveram tanta sorte. Uma pesquisa recente da PLRC pintou um quadro mais sombrio.

De 3.762 pacientes com covid longa, 77% ainda apresentavam fadiga após seis meses, 72% sentiam mal-estar após esforço, 55% sofriam de disfunção cognitiva, enquanto 36% das pacientes do sexo feminino tinham problemas com o ciclo menstrual.

"Meu próprio ciclo desapareceu por três meses", diz Hannah Wei, parte da equipe de liderança da PLRC, que também sofreu com a covid longa no ano passado.

A pesquisa identificou que, para muitos pacientes com covid longa que não foram hospitalizados, os sintomas vêm e vão em três ondas distintas.

Esse padrão começa com tosse seca e febre, seguidas rapidamente por uma segunda onda de novos sintomas, como disautonomia, que atinge o pico após dois meses e, em seguida, diminui gradualmente.

Um mês após a infecção inicial, uma terceira onda de sintomas aparece, incluindo erupções cutâneas, dores musculares, novas alergias e névoa cerebral.

"Isso é o mais preocupante, porque essa onda de sintomas só continua a piorar gradualmente, atingindo o pico por volta dos quatro meses, e depois continua", diz Wei.

Mas por que a covid-19 impacta esses pacientes dessa forma, e como é que algumas pessoas que foram infectadas há um ano ainda não se recuperaram?

Um dos maiores desafios para os médicos que tentam tratar a covid longa é que provavelmente haja uma variedade de gatilhos ou causas subjacentes, dependendo do paciente.

Epidemias recentes têm servido como uma forma de obter pistas cruciais sobre quais podem ser essas causas subjacentes.

Alguns cientistas acreditam que quase todos os surtos infecciosos deixam para trás uma proporção de pacientes que permanecem cronicamente doentes com padrões de sintomas semelhantes à covid longa.

Isso é conhecido como a "cauda longa" das epidemias. Ao estudar sobreviventes do surto de Sars (síndrome respiratória aguda grave) no início dos anos 2000 e da crise de ebola na África Ocidental na década passada, um grupo de cientistas acredita que sabe por que isso acontece.

A cauda longa

Em 2004, Harvey Moldofsky, neurocientista da Universidade de Toronto, no Canadá, recebeu um telefonema de um velho amigo. Um ano antes, a Sars havia saído da Ásia e se espalhado brevemente pelo Canadá, infectando 251 pessoas, sobretudo profissionais de saúde na área de Toronto.

Porém, mais de 12 meses depois, 50 ainda não estavam bem, e John Patcai, médico do Toronto General Hospital, queria tentar descobrir o motivo.

"Era um mistério porque, embora não parecesse haver nenhuma evidência de inflamação pulmonar persistente, ou do vírus da Sars, eles apresentavam todos esses sintomas", diz Moldofsky.

"Eles se sentiam fracos, extremamente fatigados, tinham dores por todo o corpo e eram completamente incapazes de trabalhar. Chamamos isso de síndrome pós-Sars e, como eu tinha um histórico de estudos de fadiga, John me pediu para dar uma olhada neles."

Moldofsky logo identificou que os pacientes que sofriam dessa condição dormiam muito mal.

Ele suspeitava que isso, junto a outros sintomas, era um sinal de inflamação generalizada no cérebro, mas não tinha financiamento para investigar a fundo.

Até que veio uma luz. Cientistas na China relataram a descoberta de fragmentos do material genético do vírus em várias células cerebrais de pacientes com síndrome pós-Sars.

Para Moldofsky, essa descoberta explicava grande parte do mal-estar que sentiam.

"Sabemos que há uma conexão direta do nosso nariz com o cérebro, chamada nervo olfatório, e é provavelmente assim que o vírus entrou diretamente na circulação cerebral", diz ele.

"Acredito que esses fragmentos virais estavam interferindo no funcionamento de seus cérebros, o que explicaria a má qualidade do sono e outros problemas."

Amy Proal, microbióloga que dirige a PolyBio Research Foundation, que estuda as causas das doenças inflamatórias crônicas, acredita que pequenas quantidades de patógenos que permanecem além do alcance do sistema imunológico em compartimentos remotos do corpo, conhecidos como reservatórios ou santuários anatômicos, são pelo menos parcialmente responsáveis por uma série de síndromes pós-infecciosas.

Isso inclui a covid longa, mas também uma série de doenças misteriosas que intrigam os cientistas há décadas, como a doença de Lyme crônica e a síndrome da fadiga crônica (SFC), condição que há muito tempo se especula ter origens infecciosas, embora alguns cientistas acreditem que pode haver uma variedade de causas potenciais, e apresenta uma série de semelhanças com a covid longa.

"O fenômeno de pessoas que desenvolvem sintomas crônicos após um surto infeccioso não é novo", diz ela.

"Se o vírus Sars-CoV-2 não fizesse isso, seria praticamente a única vez documentada em que um patógeno importante não resultou em casos crônicos. Há uma grande quantidade de estudos, que foram negligenciados pela principal corrente da comunidade médica, mostrando como os organismos infecciosos podem persistir nos tecidos e contribuir para os processos de doenças. Alguns vírus são altamente neurotróficos, o que significa que podem penetrar nos nervos e se esconder lá, e há evidências de que o Sars-CoV-2 (causador da covid-19) é capaz disso."

Proal diz que, no passado, muitos médicos foram rápidos em atribuir as síndromes pós-infecciosas a fatores psicológicos, em vez de a efeitos latentes de um patógeno que ainda causava danos em algum lugar do corpo.

No entanto, na última década, os surtos de ebola, zika e agora de covid-19 resultaram em doenças crônicas de longo prazo em uma parte dos sobreviventes, gerando uma maior abertura a essa ideia.

Em particular, o ebola já ensinou muito aos cientistas sobre a capacidade de os vírus permanecerem no corpo por meses e, às vezes, até anos.

Desde 2013, Georgios Pollakis, microbiólogo da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, tem trabalhado com hospitais em toda a África Ocidental, monitorando casos registrados de ebola longo, em que os sobreviventes relatam dor, fadiga e uma série de sintomas neurológicos, incluindo dor de cabeça e tontura.

Intrigados com pesquisas que indicam que uma alta proporção de sobreviventes do ebola apresentam uma ressurgência dos níveis de anticorpos do vírus até um ano após a infecção, Pollakis e outros pesquisadores detectaram a presença de seu material genético em reservatórios por todo o corpo, do olho aos linfonodos, e até mesmo nos fluidos corporais, como leite materno e sêmen.

Embora os cientistas pensassem anteriormente que esses traços virais poderiam ser relativamente benignos, o ebola longo mostrou que um vírus pode permanecer ativo nesses reservatórios por meses ou até anos.

No início deste ano, uma nova análise genética, publicada como preprint (sem revisão de pares), sugeriu que um surto recente na Guiné se originou a partir de um sobrevivente do ebola que contraiu a infecção inicialmente entre 2014 e 2016.

O homem espalhou o vírus ao infectar uma parceira sexual, depois de o mesmo ter ficado dormente em seus testículos por pelo menos cinco anos.

Pollakis acredita que os sintomas do ebola longo e da covid longa ocorrem porque o corpo não consegue eliminar completamente o vírus.

Em vez disso, os restos do material genético do vírus se escondem em reservatórios onde induzem inflamação local.

Periodicamente, o vírus volta para a corrente sanguínea e desencadeia uma reação imunológica, junto a outros sintomas.

Ele ressalta que o Sars-CoV-2 demonstrou ser capaz de infectar uma ampla variedade de tecidos do corpo, do cérebro aos testículos.

"Com a covid-19, foi mostrado que o vírus pode ser medido no sêmen por longos períodos de tempo", diz ele.

"Portanto, já temos suspeitas de que ele pode permanecer nesses locais imunoprivilegiados."

Mas fragmentos intrusos do vírus Sars-CoV-2 provavelmente não são a única causa da covid longa.

O aparecimento súbito de alergias que antes não existiam, assim como as dores musculares e na articulação de alguns pacientes, sugerem que o vírus pode desencadear uma reação autoimune em alguns casos.

"Achamos que, em alguns pacientes, algo na covid estimula o sistema imunológico a atacar o próprio tecido do corpo, de maneira semelhante a doenças autoimunes como lúpus, artrite reumatoide e esclerose múltipla", afirma Heightman.

Isso pode ajudar a explicar a proporção relativamente alta de mulheres que sofrem de covid longa.

Heightman diz que 66% dos pacientes da clínica são mulheres, e distorções de gênero semelhantes foram relatadas em quem sofre SFC.

As mulheres também são mais vulneráveis ao desenvolvimento de doenças autoimunes.

A PLRC está trabalhando atualmente com uma série de grupos de pesquisa para identificar pacientes com covid longa com autoanticorpos — anticorpos que atacam suas próprias proteínas — que podem estar causando alguns de seus sintomas.

Uma resposta autoimune à infecção viral inicial também pode estar ligada a outra teoria dominante, que pode explicar alguns dos sintomas mais estranhos da covid longa, como disautonomia e coágulos sanguíneos.

Alguns cientistas veem a covid-19 como uma doença endotelial, em que a inflamação gerada contra o vírus acaba danificando o endotélio vascular, uma camada frágil que atua como uma interface entre o sangue e os tecidos do corpo.

No início deste ano, cientistas da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, propuseram que, em alguns pacientes com covid longa, o corpo poderia acabar atacando suas próprias estruturas vasculares.

Mas em outro subgrupo de pacientes, algo ainda mais estranho pode estar acontecendo.

Vários estudos relataram a reativação do vírus herpes zoster — mais comumente conhecido como causador da catapora —, assim como do vírus Epstein-Barr e do citomegalovírus em pacientes com covid-19 aguda.

Todos esses são vírus que sabemos que são retidos no corpo por toda a vida, uma vez que podem permanecer inativos dentro das células.

Alguns pesquisadores especularam que a covid-19 poderia estar desencadeando a reativação de vírus que permaneceram latentes no corpo por anos ou até mesmo décadas, levando ao desenvolvimento de sintomas crônicos.

"Uma das coisas que o vírus Sars-CoV-2 faz é neutralizar a sinalização do interferon, e os interferons fazem parte do sistema imunológico que mantém os vírus sob controle", diz Proal.

"Então, se você já tinha o vírus Epstein-Barr adormecido em seu corpo, ele poderia ser reativado e infectar um novo nervo ou novo tecido, talvez entrar no sistema nervoso central, e isso poderia resultar nesses sintomas crônicos."

Essa complexidade da covid longa, com seus inúmeros sintomas e múltiplas causas possíveis, gera um grande desafio para os médicos que tentam descobrir como tratar os pacientes.

Embora os governos tenham se esforçado para destinar fundos para aprofundar nossa compreensão da doença — em fevereiro, o Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde e a Agência de Pesquisa e Inovação do Reino Unido concederam a cientistas da Universidade de Birmingham £ 2,2 milhões para estudar a covid longa —, ensaios clínicos analisando a possibilidade de diferentes tratamentos ainda estão por começar.

Para médicos e pacientes, essa demora está se revelando difícil de aceitar.

"Você se sente um pouco desamparado porque, tanto para os médicos quanto para os pacientes com covid longa, não há tempo, precisamos de respostas agora", diz Heightman.

"Você tem pacientes lá fora que estão tentando todos os tipos de coisas em desespero."

Entre os medicamentos alternativos que estão sendo experimentados, estão a quercetina, um pigmento vegetal encontrado no chá verde, na cebola e em várias frutas silvestres, e a niacina, uma forma de vitamina B com propriedades antioxidantes.

A base de evidências para qualquer uma dessas terapias permanece insignificante, mas, como observa Heightman, os pacientes estão recorrendo a elas porque os médicos podem oferecer poucas opções.

Por causa disso, alguns especialistas acreditam que os pacientes devem ser tratados com base no que sabemos sobre outras doenças semelhantes.

A busca do tratamento

Para a covid longa e outras síndromes pós-infecciosas, a fadiga, a dor e a névoa cerebral são alguns dos sintomas mais persistentes e preocupantes.

"Quando eu estava realmente lutando contra a covid longa no verão passado, havia dias em que eu simplesmente não sabia o que estava fazendo", lembra Wei.

"Tinha dificuldade de pensar com clareza, e teve um momento em setembro em que percebi que não conseguia me lembrar de muita coisa do verão. Para mim, isso foi bastante assustador, porque normalmente tenho memórias muito vivas."

Esse tipo de perda de memória e confusão é frequentemente visto na SFC, e nos últimos oito anos os cientistas que pesquisaram a doença chegaram à conclusão de que uma das principais causas subjacentes é a neuroinflamação, impulsionada por células imunológicas no cérebro chamadas micróglias.

Em indivíduos saudáveis, as micróglias desempenham um papel fundamental em manter os neurônios do cérebro funcionando normalmente, mas elas são vulneráveis a distúrbios.

Picos de inflamação na corrente sanguínea, seja por uma reação autoimune desencadeada por uma infecção ou pela presença prolongada de um vírus, podem fazer com que essas células bombeiem para fora suas próprias moléculas inflamatórias, que então se dispersam rapidamente pelo cérebro.

Estudos de imagem conduzidos por cientistas japoneses revelaram uma neuroinflamação crônica em vários pacientes com SFC, enquanto um distúrbio microglial semelhante ocorre em vários transtornos psiquiátricos, como depressão e esquizofrenia.

Como resultado, Valeria Mondelli, imunologista do Kings College London, no Reino Unido, está defendendo a realização de testes de medicamentos anti-inflamatórios para pacientes com covid longa.

"Tanto anti-inflamatórios quanto a minociclina — um antibiótico que parece funcionar para pacientes com níveis mais elevados de inflamação no sangue — ou inibidores de citocinas, podem ser opções de tratamento em potencial", diz ela.

David Kaufman, médico especialista em SFC que tratou cerca de 1 mil pacientes em Mountain View, na Califórnia, nos últimos oito anos, acredita que os médicos dedicados à covid longa também deveriam procurar evidências de disfunção no microbioma, o que poderia estar deixando esses pacientes mais vulneráveis a sofrer problemas de longo prazo com o vírus SARS-CoV-2.

Embora a SFC seja frequentemente considerada uma doença em que os pacientes raramente melhoram, Kaufman tem uma taxa de sucesso incomumente alta. Segundo ele, de 15% a 20% de seus pacientes tiveram uma recuperação completa, embora esta afirmação seja puramente baseada no relato dele.

Ele diz que isso se deve em parte à sua persistência em procurar e tratar sinais de um intestino gotejante — uma maior permeabilidade do revestimento intestinal, que deixa as pessoas geneticamente suscetíveis mais propensas a desenvolver doenças autoimunes em resposta a um gatilho externo, como uma infecção viral.

Isso acontece porque o intestino está permitindo que toxinas e bactérias entrem na corrente sanguínea, causando uma série de problemas subjacentes, desde a inflamação crônica até a síndrome de ativação dos mastócitos — condição que normalmente ocorre durante uma reação alérgica.

Isso pode ser agravado ainda mais por uma infecção subsequente.

"80% dos pacientes com SFC que testei têm um pequeno supercrescimento de bactérias intestinais", diz Kaufman.

"Como o intestino é um importante órgão imunológico, isso os leva a um caminho para problemas autoimunes."

Alguns estudos preliminares já sugeriram que desequilíbrios no microbioma de pacientes com covid longa podem estar contribuindo para seus sintomas inflamatórios persistentes.

Mas embora provavelmente mais pesquisas sejam necessárias para que medicamentos como prebióticos ou anti-inflamatórios sejam recomendados para pacientes com covid longa, alguns sintomas individuais já estão se mostrando mais tratáveis do que outros.

Heightman conta que os pacientes com covid longa que apresentam reações do tipo alérgica tendem a responder bem aos anti-histamínicos.

Amy Kontorovich, cardiologista do Hospital Monte Sinai que se especializou no tratamento de disautonomia, desenvolveu um novo programa de fisioterapia conhecido como Terapia de Condicionamento Autônomo (ACT, na sigla em inglês) que demonstrou ser capaz de reduzir os sintomas de fadiga em alguns pacientes com covid longa e, desde então, foi adotado por 53 centros de fisioterapia em toda a área de Nova York.

Kontorovich explica que o ACT começa com exercícios de amplitude de movimento, antes de progredir para diferentes exercícios aeróbicos que aumentam lentamente de intensidade, mas nunca permitem que o paciente ultrapasse 85% de sua frequência cardíaca máxima.

A técnica é inspirada em um programa de recondicionamento semelhante, que se mostrou eficaz no tratamento de uma forma de disautonomia, conhecida como POTS.

"Parece programar o sistema nervoso autônomo para reconectar as coisas", diz ela.

"Uma das tendências interessantes que vi em muitos dos pacientes com covid longa que tratei é que eles eram anteriormente muito ativos e, durante o período de sua doença aguda, ficavam deitados na cama ou principalmente sedentários. Esse período de inatividade pode ser um fator que contribui para o padrão de disautonomia pós-covid, pois sabemos que isso pode acontecer com o descondicionamento."

Mas a ACT não é uma solução milagrosa — Kontorovich afirma que alguns pacientes com disautonomia particularmente severa muitas vezes não conseguem completar o programa porque se sentem muito mal — mas seus primeiros resultados mostram que pode beneficiar os pacientes que conseguem completá-lo.

Heightman acrescenta que muitos pacientes com covid longa também simplesmente melhoram com o passar do tempo, conforme seus corpos se recuperam e se curam.

Como o vírus SARS-CoV-2 existe há pouco mais de um ano e meio, ainda é muito cedo para dizer por quanto tempo os sintomas crônicos podem durar.

"Não quero que ninguém com sintomas de covid longa tenha medo de que nunca vai passar, porque uma proporção muito significativa de pessoas melhora no primeiro ano", diz ela.

Para aqueles que continuam a lutar, no entanto, a esperança é que os milhões de dólares em bolsas de pesquisa que estão sendo distribuídos gerem algumas possibilidades de tratamento viáveis, caso contrário, a covid longa pode deixar consequências sociais e econômicas profundas na sociedade.

"Se não encontrarmos respostas, podemos estar falando de milhões de pessoas que não conseguirão trabalhar da mesma maneira", diz Kaufman.

"Uma parcela muito significativa dos pacientes com covid longa são profissionais da saúde. São pessoas qualificadas, ativas e altamente produtivas que agora não podem funcionar. O impacto disso será enorme."

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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