O que se sabe sobre a disputa entre a AstraZeneca e a UE
A farmacêutica anunciou gargalos no fornecimento de sua vacina da covid-19, desenvolvida com a Universidade de Oxford, para o bloco europeu
Na próxima sexta-feira (29/01), a vacina da AstraZeneca contra a covid-19, desenvolvida em cooperação com a Universidade de Oxford, poderá se tornar a terceira contra o coronavírus a receber luz verde para uso na União Europeia (UE). A vacina foi a principal aposta do governo do presidente Jair Bolsonaro contra a doença e já teve seu uso emergencial aprovado pela Anvisa.
Às vésperas da decisão da UE, no entanto, gerou polêmica o anúncio da AstraZeneca, um conglomerado farmacêutico sueco-britânico, de que atrasaria a entrega das 400 milhões de doses encomendadas pela Comissão Europeia.
Após a farmacêutica não conseguir explicar de maneira satisfatória a origem dos problemas, a Comissão Europeia anunciou uma reunião a ocorrer nesta quarta-feira. Poucas horas antes, um funcionário da UE disse que a AstraZeneca havia cancelado a reunião, mas a empresa desmentiu.
A DW checou o que se sabe sobre a disputa:
É possível haver gargalos de fornecimento, apesar de a UE ter pagado milhões de euros para acelerar a produção da AstraZeneca?
Não é verificável. A UE parece estar tão pouco informada a respeito quanto a opinião pública. Originalmente, a UE deveria receber 80 milhões de doses até o fim de março, mas em 22 de janeiro, a AstraZeneca comunicou que inicialmente só entregaria 31 milhões, justificando-se com problemas "numa instalação de nossa cadeia de fornecimento europeia".
A resposta da empresa à consulta da DW permaneceu vaga: "Embora não esteja planejado um atraso para o início do fornecimento de nossa vacina, os volumes iniciais serão menores do que o originalmente esperado, devido ao desempenho reduzido em um local de produção dentro de nossa cadeia de fornecimento europeia."
A UE está seriamente contrariada, pois pagou antecipadamente centenas de milhões de euros para a AstraZeneca iniciar sua produção antes mesmo da autorização oficial para uso da vacina no bloco.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, observou que "a Europa investiu muito para apoiar o desenvolvimento das primeiras vacinas da covid-19 em todo o mundo", e que agora os fabricantes devem cumprir seus compromissos
No momento faltam informações mais concretas sobre as dificuldades de fornecimento da AstraZeneca na Europa. Há também atrasos com o imunizante da Biontech-Pfizer.
O Reino Unido está sendo basicamente suprido sem problemas, ao contrário da Europa?
Sim. No país, onde o produto da AstraZeneca já vem sendo aplicado desde o começo de janeiro, atualmente não há gargalos. Por isso muitos se perguntam se as doses pré-produzidas para a UE foram parar no Reino Unido e se o conglomerado estaria dando tratamento preferencial aos britânicos.
O porta-voz para assuntos de saúde do Partido Popular no Parlamento Europeu, Peter Liese, comentou à DW TV que considera inverossímil a explicação da AstraZeneca de que só haveria dificuldades de fornecimento para a Europa.
"Segundo a empresa, as cadeias de fornecimento são separadas, mas isso não procede. Até poucos dias atrás, o enchimento das ampolas para o Reino Unido só transcorria em Dessau, na Alemanha. Em contrapartida, no contrato com a UE são mencionados dois locais de produção no Reino Unido." A AstraZeneca precisa se decidir se quer agir como uma empresa britânica ou internacional, instou Liese.
Consultada pela DW, a farmacêutica sueco-britânica explicou que "a aceleração da produção e entrega de vacinas envolve a cooperação com mais de 20 parceiros de fornecimento em mais de 15 países, apoiados por mais de 20 centros de testes analíticos".
Em reação às dificuldades com a AstraZeneca e a Biontech-Pfizer, a Comissão Europeia planeja implementar um "mecanismo de transparência" para a exportação de vacinas a países fora da UE. Não se trata de uma proibição de exportação, explicou um porta-voz, mas quer-se "saber o que as firmas exportam para mercados fora da UE".
A AstraZeneca está infringindo seu contrato com a UE?
Provavelmente sim. Segundo o eurodeputado social-democrata Tiemo Wölken, caso até o fim do primeiro trimestre de 2021 a firma de fato só entregue 40% das doses de vacina anti-covid combinadas, como anunciou, poderá se caracterizar uma "quebra de contrato".
O parlamentar enfatiza, contudo, que não teve acesso ao documento em questão, já que a UE o mantém sob sigilo, como todos os demais referentes ao fornecimento das vacinas. Até o momento, apenas o contrato com a fabricante CureVac foi em parte divulgado. Wölken baseia sua avaliação na suposição de que o fechado com a AstraZeneca seja semelhante.
A Comissão Europeia frisa que está buscando soluções junto à AstraZeneca para que se alcance o volume de doses estabelecido contratualmente. Caso isso não ocorra, poderão ser tomadas medidas legais contra a farmacêutica, dependendo do que conste do acordo.
No contrato com a CureVac, porém, não estão previstas quaisquer sanções em caso de não cumprimento, observa Wölken, mas sim "apenas que o fabricante se compromete a informar a Comissão o mais cedo possível sobre possíveis atrasos".
A eficácia do imunizante da AstraZeneca-Oxford em idosos é restrita?
Não é verificável. Os idosos são um grupo de alto risco nas infecções com o vírus Sars-Cov-2, portanto seria fatal se a vacina fosse pouco eficaz justamente para eles. Segundo reportagens dos jornais alemães Handelsblatt e Bild, a eficácia do produto da AstraZeneca em maiores de 65 anos seria de apenas 8%.
No entanto os dados a respeito são contraditórios. Um porta-voz do Ministério alemão da Saúde argumenta que essas notícias se baseariam numa confusão: "Cerca de 8% dos participantes dos estudos de eficácia da AstraZeneca tinha entre 56 e 69 anos de idade, apenas 3% a 4% tinham mais de 70 anos. No entanto isso não implica uma eficácia de apenas 8% entre os mais idosos."
Por sua vez, um artigo publicado pela revista científica The Lancet afirma que o número de adultos mais idosos nos testes de fase 3 da AstraZeneca era pequeno demais para, desde já, dar um veredito definitivo sobre a eficácia da vacina nesse grupo etário.
Através de uma porta-voz, a farmacêutica sueco-britânica rechaçou como "completamente erradas" as notícias sobre a pouca eficácia de seu produto. Ela cita os dados publicados em novembro pelo The Lancet, segundo os quais o efeito é igualmente elevado em todas as faixas etárias. Por outro lado, esse artigo se refere a um estudo de fase 2, e não aos testes subsequente, em que se baseiam dúvidas sobre a eficácia para a terceira idade.
Na União Europeia, o licenciamento de vacinas cabe à Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Conforme seja a avaliação do órgão, o bloco europeu possivelmente mudará a ordem em que os diferentes grupos etários serão submetidos à vacinação.