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Coronavírus

Pandemia de coronavírus: os únicos 10 países que não tiveram nenhum caso de covid-19 até hoje

Apesar de vírus não ter infectado ninguém nesses países, deixou rastro de destruição, principalmente para a economia, com resultados que podem ser duradouros.

24 ago 2020 - 08h42
(atualizado às 08h56)
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Quase todos os países do mundo — exceto 10 — tiveram casos de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.

Mas como eles conseguiram chegar até aqui sem nenhum infectado?

A pequena ilha de Palau, no Oceano Pacífico, é um deles.

A base de sua economia é o turismo. Em 2019, 90 mil turistas chegaram ao país, cinco vezes sua população total. Em 2017, dados do FMI (Fundo Monetário Internacional) mostraram que o turismo responde por 40% de seu PIB (Produto Interno Bruto, ou a soma das riquezas de um país).

Mas essa realidade mudou com a covid-19.

As fronteiras de Palau estão, de fato, fechadas desde o final de março. É um dos 10 países do mundo sem casos confirmados (excluindo Coreia do Norte e Turcomenistão).

Mesmo assim, sem infectar uma única pessoa, o vírus deixou um rastro de destruição no país.

Hotéis estão fechados. Restaurantes, vazios. As lojas também não estão funcionando.

Países sem casos de covid-19

"O oceano aqui é muito mais bonito do que em qualquer outro lugar do mundo", diz Brian Lee, gerente e coproprietário do Palau Hotel, o mais antigo do país.

É o oceano azul-celeste que manteve Lee ocupado. Antes da covid-19, seus 54 quartos tinham uma taxa de ocupação de 70% -80%. Mas quando as fronteiras se fecharam, não havia mais hóspedes.

"É um país pequeno, então a população local não vai ficar em Palau", diz.

Ele tem cerca de 20 funcionários e mantém todos empregados, ainda que com jornada reduzida. "Tento encontrar empregos para eles - manutenção, reforma e assim por diante", diz ele.

Mas os hotéis vazios não podem ser mantidos e reformados para sempre. "Posso ficar mais meio ano", diz Brian. "Então, talvez tenha que fechar."

Lee não culpa o governo, que ofereceu apoio financeiro aos moradores e, afinal, manteve o vírus longe.

"Acho que eles fizeram um bom trabalho", diz.

Mas, se o primeiro hotel de Palau quiser sobreviver, algo precisa mudar logo.

O presidente anunciou recentemente que as viagens aéreas "essenciais" poderiam ser retomadas em 1º de setembro. Enquanto isso, houve rumores de um "corredor aéreo" com Taiwan, que permitiria a visita de turistas.

Para Lee, isso tem que acontecer o mais breve possível.

"Acho que eles precisam reabrir novamente — talvez com 'bolhas de viagens' com a Nova Zelândia e outros países", diz ele. "Caso contrário, ninguém vai sobreviver aqui."

Cerca de 4 mil km a leste, as Ilhas Marshall também permanecem livres da covid-19.

Mas, assim como Palau, o impacto também foi sentido.

O Hotel Robert Reimers fica em uma faixa de terra no atol principal, Majuro, com uma lagoa de um lado e o oceano do outro. Antes da covid-19, os 37 quartos tinham uma taxa de ocupação de 75% - 88%, com hóspedes principalmente da Ásia, Pacífico ou "do continente" (Estados Unidos).

Desde o fechamento das fronteiras no início de março, essa taxa tem sido de 3% a 5%.

"Recebemos alguns vindos de outras ilhas", diz Sophia Fowler, que trabalha para o grupo hoteleiro. "Mas não muito."

Nacionalmente, o país deverá perder mais de 700 empregos com a crise da covid-19, a maior queda desde 1997. Desses, 258 serão no setor de hotelaria e de restaurantes.

Mas o autoisolamento afeta mais do que o turismo — e as Ilhas Marshall são muito menos dependentes dos turistas do que Palau. Um problema maior é a indústria pesqueira.

Para manter o país livre de covid-19, os barcos que estiveram em países infectados estão proibidos de entrar nos portos do país. Outras embarcações, incluindo petroleiros e navios-contêineres, devem passar 14 dias no mar antes de entrar. As licenças de pesca não foram vendidas e os voos de carga foram cortados.

O impacto é nítido. As Ilhas Marshall são especializadas em peixes de aquário — o mais popular é o peixe-anjo-chama — mas as exportações caíram 50%, de acordo com um relatório do governo americano. As vendas de atum caíram em igual proporção. Outras indústrias pesqueiras esperam uma queda de 30% durante o ano.

Sophia diz esperar que o país volte ao normal no ano que vem, e que seu hotel possa receber turistas novamente. Mas e se isso não acontecer?

"Então, simplesmente não será viável para nós", diz ela.

Trabalhadores locais à espera de um navio de cruzeiro em Vanuatu em dezembro de 2019; turismo foi severamente afetado
Trabalhadores locais à espera de um navio de cruzeiro em Vanuatu em dezembro de 2019; turismo foi severamente afetado
Foto: Mario Tama/Getty Images / BBC News Brasil

Embora o fechamento das fronteiras tenha tornado mais pobres os países sem covid-19, nem todo mundo quer que elas sejam reabertas.

O médico Len Tarivonda é diretor de saúde pública na ilha de Vanuatu, com 300 mil habitantes. Apesar de trabalhar na capital, Port Vila, ele é natural de Ambae, uma ilha de 10 mil habitantes a cerca de 270 km ao norte.

"Se você falar com eles [em Ambae], a maioria diz para manter a fronteira fechada pelo maior tempo possível", diz ele. "Eles dizem: 'Não queremos a doença - caso contrário, estamos condenados, basicamente.'"

Cerca de 80% das pessoas em Vanuatu vivem fora das cidades e da "economia formal", diz Tarivonda.

"Minha avaliação é que eles não necessariamente sentem esse impacto ainda. São agricultores de subsistência, cultivam seus próprios alimentos — dependem da economia local tradicional."

Mesmo assim, o país vai sofrer. O Banco Asiático de Desenvolvimento espera que o PIB de Vanuatu caia quase 10% — a maior queda desde a independência, em 1980.

Essa queda não se deve apenas às fronteiras fechadas da covid-19. Em abril, o ciclone tropical Harold atingiu grande parte do país, matando três pessoas e afetando mais da metade da população.

"Tivemos um briefing diário de operação de emergência de saúde", lembra Tarivonda. "Primeiro discutiríamos covid, depois Harold. Dois desastres acontecendo ao mesmo tempo. "

Ainda assim, a covid-19 terá um impacto de longa duração.

Atum sendo descarregado para ser exportado em Majuro
Atum sendo descarregado para ser exportado em Majuro
Foto: Getty / BBC News Brasil

Em julho, o governo anunciou planos para reabrir a fronteira com outros países "seguros" até 1º de setembro. Mas então os casos cresceram na Austrália e na Nova Zelândia, e o plano foi adiado.

Tarivonda, que faz parte da força-tarefa de fronteira junto com funcionários do governo, turismo e companhias aéreas, admite que eles estão "quase de volta à estaca zero", sem nova data para reabertura.

Viagens transfronteiriças menores e específicas podem ajudar Vanuatu. O governo recentemente permitiu que 172 trabalhadores viajassem para o Estado Território do Norte, na Austrália, por seis meses para colher mangas. Embora as remessas ajudem, não são suficientes em um país onde 35% do PIB vem do turismo.

Mas, apesar da necessidade de fronteiras abertas, Vanuatu não tem pressa em reabrir. Tarivonda cita como exemplo a vizinha Papua Nova Guiné, que estava quase livre de covid-19 até registrar um aumento acentuado no final de julho.

"Se o vírus vier, provavelmente será como um incêndio florestal — e o que estamos vendo em Papua-Nova Guiné é um reflexo de por que estamos preocupados", diz ele.

"Dadas as nossas limitações [de saúde], o contexto que temos no Pacífico, a melhor aposta é manter o vírus longe o máximo possível."

Previsão de queda do PIB para 2020

Então, há algo que os países sem covid-19 podem fazer?

Existem medidas de curto prazo, como auxílios a trabalhadores e empresas. E há uma medida de longo prazo: esperar por uma vacina.

Até então, as bolhas de viagens continuam sendo a melhor esperança. No entanto, como Rommel Rabanal, do Banco Asiático de Desenvolvimento, aponta, elas não são tão simples.

"Esses arranjos têm pré-requisitos", diz ele. "Um conjunto comum de padrões de teste, rastreamento de contato e instalações de quarentena, caso ocorram surtos. Isso está em discussão, mas tem havido um progresso lento — ou talvez um progresso cauteloso."

E — como visto no "plano de setembro" de Vanuatu — as bolhas também podem estourar com bastante facilidade.

"A Austrália e a Nova Zelândia deixaram claro que o primeiro país com o qual farão testes é o outro", diz Jonathan Pryke, diretor do programa de ilhas do Pacífico no Lowy Institute, um think tank sediado em Sydney, na Austrália.

"E antes que isso aconteça, é preciso remover a transmissão de comunidade. Portanto, acho que as perspectivas de uma bolha de viagens não estão previstas neste ano."

Pryke diz que, com o passar dos meses, o desespero aumenta nos países do Pacífico que fecharam suas fronteiras.

Ele não tem dúvidas de que a única opção para eles seria o autoisolamento em escala internacional.

"Mesmo se mantivessem suas fronteiras abertas, seus principais mercados de turismo, Austrália e Nova Zelândia, não estariam abertos, pois esses países fecharam suas próprias fronteiras", diz ele.

"Então, teríamos o pior dos dois mundos — uma crise de saúde e uma crise econômica. Levaremos anos e anos para ver quais foram as decisões certas."

"Mas, olhando para trás, ninguém vai duvidar de que a decisão desses países de fechar as fronteiras foi a medida mais adequada."

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