Pandemia só cresce entre jovens até 29 anos em São Paulo
Grupo saltou de 20 para 27% do total de casos positivos no Estado entre junho e novembro; nas outras faixas etárias porcentual diminuiu
A propagação do coronavírus entre jovens de até 29 anos foi a que mais aumentou entre faixas etárias desde o início da pandemia, de acordo com dados do governo de São Paulo. Em junho, esse grupo representava 20% dos casos positivos para a covid-19 e, desde setembro, já acumula 27% do total de infectados. O aumento está gerando conflito em famílias de jovens que vivem com pessoas do grupo de risco. Todas as outras faixas etárias diminuíram o porcentual de infecções no mesmo período.
Dos 1.250.590 casos de coronavírus confirmados até 1º de dezembro no Estado, 307.685 correspondem ao grupo de 0 a 29 anos. Ao mesmo tempo, essa é a faixa etária menos atingida pelos casos de óbitos, acumulando menos de 500 do total de 42.290 mortes em São Paulo durante o mesmo período, o equivalente a menos de 2%.
Os números se referem apenas ao período em que os casos e mortes foram computados pela Secretário do Estado da Saúde e não quando de fato ocorreram. Mesmo assim, o próprio governo de São Paulo tem alertado para o crescimento da contaminação entre jovens. Em coletiva de imprensa no dia 26 de novembro, o coordenador do Centro de Contingência da Covid-19, João Medina, alertou para a forma como essa faixa etária tem ajudado a disseminar a doença.
"Nós realmente temos um aumento dos casos positivos em todos os laboratórios, principalmente envolvendo jovens. Esse é um perfil que também aconteceu na Europa", afirmou. Medina ainda acrescentou que eles são "vetores" e levam o vírus para casa, infectando o restante da família. O alerta foi reforçado na sequência pelo governador João Doria (PSDB): "O maior problema está concentrado nos jovens."
Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que este não é um fenômeno exclusivo de São Paulo ou do Brasil, mas do mundo inteiro, que observou a taxa de contaminação entre jovens subir com a flexibilização da quarentena. "Até junho e julho, todo mundo ficou quieto. Quando começamos a flexibilizar, as pessoas começaram a sair com os protocolos, que foram seguidos pelos estabelecimentos, mas depois caíram em desuso pela população", afirma Sylvia Lemos Hinrichsen, médica infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Para Margareth Dalcolmo, pneumologista da Fundação Oswaldo Cruz, o sentimento de onipotência dos jovens e o crescimento dos casos nesta população é uma "crônica anunciada" desde março, quando foi prevista uma "renovação" da covid-19 no Brasil. "Não somos um país de população geriátrica como Itália e França. No pico epidêmico, houve um momento em que mais de 50% dos leitos no Rio de Janeiro estavam ocupados por pessoas com menos de 50 anos. E imagino que agora vá ocorrer o mesmo."
Ela acredita que o Brasil ainda não chegou a uma segunda onda e apenas recrudesceu à primeira, um cenário que tem os ingredientes perfeitos para se agravar após as festas de fim de ano. "É preciso entender que os jovens saíram mais, estão se aglomerando, se acham invulneráveis, e a doença mudou de lugar. Eles foram para a rua e trouxeram o vírus para casa, infectando os familiares", alerta.
Margareth defende que, além do respeito a medidas sanitárias como o uso de máscaras, a higienização das mãos e o distanciamento social, é preciso haver mais fiscalização em transportes públicos, eventos, bares e restaurantes. "Isso está mais do que demonstrado. Estamos atendendo muito mais jovens [nos hospitais]. As crianças também têm se contaminado mais", afirma. "Poderemos começar o próximo ano com uma segunda onda mais letal e mais dramática, se nada for feito hoje, agora."
Festas e encontros com amigos criam tensão entre jovens
Adolescentes e jovens vêm relatando um clima de pressão de fora para retomar atividades de lazer versus a tensão em casa por parentes que querem manter o isolamento. Aqueles que moram com pessoas do grupo de risco tentam se equilibrar entre o assédio para sair, que chega por mensagens nos celulares, e o medo de contaminar pais e avós. E quem ainda está preocupado com a doença até se arrisca um pouco, mas escolhe as amizades que compartilham os mesmos protocolos.
Pedro Ewerton, de 25 anos, mora com os pais, que fazem parte do grupo de risco para a covid-19, e diz que falta sair faísca sempre que algum plano de flexibilizar o isolamento é colocado em discussão. Ao mesmo tempo, fotos e stories dos amigos em festas proliferam no Instagram e contaminam o humor. "Minhas redes sociais estão bombando. Por mais que você seja forte, mesmo que você ignore, isso pesa."
"Antes da pandemia, eu saía todo fim de semana para festa e rolês", diz o rapaz, que trabalha com marketing digital em home office e conta nos dedos as vezes em que pôs o nariz, coberto pela máscara, para fora. "São 9 meses. Gostaria de sair um pouco mais para a casa dos meus amigos, tomar uma 'breja', falar baboseira, dar risada. Mas nem isso minha mãe deixa, ela está muito assustada. Quando perguntei se podia ir à casa do meu amigo, foi a maior briga de todos os tempos", conta.
Na casa da arquiteta Thaís Mendes, de 25 anos, os gráficos da covid-19 são assunto do jantar. Ela, que mora com pai diabético, mãe hipertensa e avó de 80 anos, é a única que não faz parte do grupo de risco da covid. Nem por isso se permite ir a festas ou bares porque tem medo de infectar os parentes. A tensão não vem de casa, mas de fora, com as notícias que chegam dos amigos e conhecidos pela Internet.
"Fiquei muito irritada porque vi amigos indo para festas com 40 pessoas, no auge de pandemia, e postando nas redes sociais", diz a jovem, que fala em "decepção" e avalia ter se afastado de algumas pessoas com quem mantinha contato virtual "pelo bem da saúde mental". Para espairecer, escolheu duas amigas, que ela sabia que tinham as mesmas preocupações, e marcou um encontro em casa, em um cômodo separado de todos. Isso só depois que o município de Bragança Paulista, no interior paulista, onde a família mora, ficou mais de 15 dias sem registrar mortes pela covid-19.