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Coronavírus

Para médicos, suspensão da vacina de Oxford foi precipitada

Número de casos de coágulos entre vacinados não é maior do que o observado na população geral, dizem especialistas

15 mar 2021 - 23h44
(atualizado em 16/3/2021 às 07h30)
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Diante da decisão de vários governos de países europeus de suspender o uso da vacina de Oxford/AstraZeneca por causa do relato da ocorrência de coágulos entre vacinados, especialistas brasileiros ouvidos pelo Estadão dizem que, embora os registros exijam investigação, as evidências existentes até aqui não justificam uma interrupção. A decisão, considerada precipitada, pode atrapalhar a adesão da população à vacinação contra a covid-19.

Profissional da saúde prepara vacina AstraZeneca-Oxford para aplicação em hospital de Kyiv, Ucrânia
05/03/2021
REUTERS/Valentyn Ogirenko
Profissional da saúde prepara vacina AstraZeneca-Oxford para aplicação em hospital de Kyiv, Ucrânia 05/03/2021 REUTERS/Valentyn Ogirenko
Foto: Reuters

"Em princípio, as taxas (de ocorrência de coágulos) não são maiores em vacinados quando comparadas às da população geral. Isso é o que chamamos de associação temporal, ou seja, os dados até agora são de pessoas que adoeceram após a vacinação, mas não por causa da vacina", diz a epidemiologista Carla Domingues, que foi coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) entre 2011 e 2019.

De acordo com a AstraZeneca, das 17 milhões de pessoas vacinadas na Europa, foram registrados somente 22 eventos de embolia pulmonar e 15 casos de trombose venosa profunda, índices que estariam dentro do esperado para a incidência geral desses quadros na população. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária diz que tem o registro de cinco casos suspeitos de tromboembolismo em quase 3 milhões de vacinados com o imunizante, mas ressalta que nenhum deles tem ligação comprovada com a vacina.

A vacinação foi suspensa temporariamente em ao menos 16 países, mas segue sendo recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Os dois órgãos devem reunir seus especialistas nesta semana para avaliar os dados mais atualizados e definir se mantêm a recomendação pela continuidade do uso do produto.

"Os números não sugerem aumento (da incidência). Portanto, é precoce a suspensão, pois não há evidências de que a vacina causou estes eventos e isso vai gerar dúvidas na população. Temos que aguardar a avaliação da EMA e da OMS", destacou Carla.

A infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concorda que a decisão de suspender a campanha deveria ter sido tomada quando houvesse mais dados conclusivos.

"Temos que lembrar que estamos vacinando milhões de pessoas no mundo e que as outras doenças continuarão a acontecer na população. Sem dúvida nenhuma, é preciso monitorar qualquer sintoma, mas considero que foi precipitada a suspensão da vacinação antes de uma análise mais criteriosa", diz.

Ela diz considerar que os riscos trazidos pela covid-19 são superiores a qualquer suspeita sobre o imunizante. "Se essa suspensão acontece em países que têm várias opções de vacina, eles conseguem lidar. Mas em países onde a AstraZeneca responde pelo maior montante de doses, adoecer de covid é muito pior do que qualquer suspeita de reação da vacina", afirma

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai explica que não há estudos mostrando ligação de qualquer vacina com um risco aumentado de problemas de coagulação.

"Não existe um risco teórico de que qualquer componente da vacina provoque um quadro de tromboembolia. Esse tipo de problema pode ter múltiplas causas e pode ter sido uma coincidência ele ter ocorrido após a aplicação. O número de casos sobre o total de vacinados é muito pequeno", destaca.

Ela ressalta que é importante que uma investigação cautelosa seja feita, mas destaca não haver nenhuma prova da relação entre os quadros tromboembólicos e a vacina. A médica diz temer que a decisão dos países europeus de suspender a aplicação antes de dados conclusivos prejudique a confiança nos imunizantes.

"Acho que é preciso mais cautela ao interromper uma campanha de vacinação sem uma evidência robusta, quando a taxa de incidência daquele evento não está maior do que o visto na população em geral. Isso pode causar um estrago difícil de consertar depois", afirma.

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, Ricardo Gazzinelli, defende que o Brasil, assim como outros países, apurem em detalhes eventuais casos suspeitos, mas também ressalta que o número de registros no mundo é pequeno e nenhum tem ligação comprovada com a vacina.

"Claro que é uma questão que a gente tem de prestar bastante atenção, investigar, mas não temos ainda casos no Brasil. E, mesmo nesses países que suspenderam o uso, ainda não foi estabelecida a relação causa-efeito. É preciso ter cautela", disse ele.

Formação de coágulos tem múltiplos fatores de risco

O cirurgião cardiovascular Fábio Jatene, diretor da área cirúrgica do Instituto do Coração (Incor), explica que a trombose venosa profunda (TVP) e a embolia pulmonar têm múltiplos fatores de risco e que a ocorrência desses quadros na população não são raros.

Estudos com a população americana estimam incidência de um caso de TVP a cada mil pessoas por ano. Se considerada uma população de 17 milhões de pessoas, como a vacinada na Europa, o número de casos esperados seria de 17 mil, por isso o argumento dos especialistas de que a incidência desses eventos entre os imunizados está dentro do esperado para a população geral e pode não ter nenhuma relação com a vacina.

"Existem várias situações que favorecem a trombose venosa profunda, como ficar com as pernas imobilizadas por muito tempo por causa de uma cirurgia ou de uma viagem longa em que a pessoa fica muitas horas sentado, varizes, câncer, obesidade e o uso de alguns medicamentos, como anticoncepcionais", diz Jatene.

A TVP é caracterizada pela formação de coágulos principalmente nas pernas. Quando um desses coágulos se desprende e passa a circular pela corrente sanguínea, ele é chamado de trombo. A embolia pulmonar ocorre quando um desses trombos chega ao pulmão e obstrui vasos do órgão, interrompendo a oxigenação na parte afetada.

O especialista do Incor explica que parte da população tem uma predisposição genética que pode favorecer a formação de coágulos caso ela tenha um fator de risco. De acordo com Jatene, a maioria dos casos de TVP é tratada antes que leve à uma embolia pulmonar, com o uso de medicações anticoagulantes e meias elásticas, por exemplo. No entanto, diz ele, é um quadro que inspira preocupação por poder causar uma obstrução fatal.

O cirurgião diz que, em tese, reações inflamatórias no corpo podem causar danos aos vasos e favorecer o aparecimento de coágulos, mas ressalta que não evidências de que as reações disparadas pelas vacinas sigam essa dinâmica.

Estadão
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