Paraisópolis tenta se organizar contra o coronavírus
Mobilização ganhou força após notícias dando conta de que cinco casos já tinham ocorrido dentro da comunidade, que tem 100 mil pessoas
Na manhã deste domingo, 22, em frente à União de Moradores e do Comércio de Paraisópolis, o líder comunitário Gilson Rodrigues tinha palavras duras para dizer aos moradores, que se reuniram para o primeiro dia de uma campanha de conscientização. "Vai morrer muita gente em Paraisópolis, a situação é mais grave do que a gente imagina."
O que preocupa os líderes comunitários são as condições de moradia, acesso a água e a produtos de higiene, que devem agravar a transmissão do coronavírus na favela. Paraisópolis tem uma média de 5 a 7 moradores em cada casa, e o isolamento de casos suspeitos é impraticável em muitos casos. São cerca de 25 mil moradores acima dos 60 anos.
Nesta semana houve relatos de falta d'água em ao menos oito ruas da comunidade. Moradores contam que muitos locais têm baixa pressão nos canos durante a maior parte do dia, e cortes de água durante a noite.
A associação de moradores ficou em alerta após aglomerações durante a tradicional feira livre no sábado pela manhã. À tarde, bateram de porta em porta para apelar a moradores que não realizassem o baile funk da Dz7, o mesmo em que nove pessoas morreram sufocadas em dezembro, após uma ação da Polícia Militar.
A festa, ao ar livre, ocorre de forma espontânea. O baile não ocorreu neste fim de semana pela primeira vez desde o começo da pandemia do novo coronavírus.
A União de Moradores quer recrutar 420 voluntários para vigiar os 21 mil domicílios de Paraisópolis. Neste domingo, houve o primeiro mutirão pela favela para distribuir os panfletos de recrutamento e chamar atenção para quem insiste em sair de casa normalmente. A ONG pagou R$ 80 a quem ajudou no trabalho.
"Eu não queria estar aqui, é a primeira vez na semana que saio de casa, mas preciso do dinheiro", diz a cuidadora Ana Paula Santos da Silva, de 44 anos. "A gente sabe que nem só os idosos vão morrer, mas é muito doído pensar que eles estão na 'linha de frente'. Moro com velhinhos no meio prédio há 14 anos e penso muito na minha mãe, que tem 62 anos".
Isolamento
A professora Juliana Gonçalves, de 36 anos, está há uma semana isolada por suspeita do novo coronavírus. Ela teve de se recolher em casa após um de seus alunos e familiares terem sintomas, e uma pessoa ser internada.
"Estou sozinha, longe dos meus filhos, e é complicado porque não tenho nenhuma informação, ninguém me fala nada (sobre o teste)", disse Juliana, que deixou dois filhos com o pai, com quem compartilha a guarda. "Se eu não tiver uma resposta, vou ter que sair e ir até lá (na unidade de saúde), mas minha consciência pesa muito. Se eu estiver realmente doente já vou transferir para as pessoas ao redor, e na comunidade é mais difícil ainda (prevenir). Até agora não saí."
O epidemiologista Eliseu Waldman, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, alerta que comunidades na periferia estão mais expostas à transmissão do coronavírus e precisam de uma política específica de prevenção. "As condições em que eles vivem são extremamente favoráveis à disseminação de doenças respiratórias", diz. "Eles, sozinhos, não têm condições de mitigar esse problema da forma necessária. A sociedade civil precisa apoiá-los."
Questionada sobre os problemas com o abastecimento de água, a Sabesp disse que "enviou neste domingo equipes aos endereços mencionados para identificar o que pode estar causando falta d'água e, durante as vistorias, o abastecimento estava normal". A companhia disse, ainda, que "não há risco de falta d'água na região metropolitana".
O governo estadual disse que "as medidas anunciadas pelo Governo de São Paulo valem para toda a população do Estado". Consultada, a Secretaria Estadual de Saúde disse que não pode confirmar dados pessoais sobre pacientes, nem confirmar se houve casos em Paraisópolis.
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