Planos de saúde: 'Defendemos o beneficiário. Não somos carrascos', diz diretor da ANS
Paulo Rebello diz que há incompreensão sobre papel da agência, alvo de críticas após anunciar reajuste de 15% no valor dos planos de saúde e defender rol taxativo de procedimentos
RIO - A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vem sendo alvo de pesadas críticas nas últimas duas semanas, depois de anunciar um reajuste de 15% no valor dos planos de saúde e, mais recentemente, defender o rol taxativo de procedimentos a serem pagos pelas operadoras. Diretor-presidente da ANS, o advogado Paulo Rebello disse, em entrevista ao Estadão, que há muita incompreensão sobre o papel da agência e que não aguenta mais ser acusado de estar defendendo as operadoras. "Nosso trabalho é defender o beneficiário", afirmou. "Não somos carrascos."
A decisão sobre o rol taxativo, e não exemplificativo, vai de encontro aos interesses dos beneficiários?
Existe uma incompreensão muito grande sobre o que a gente faz. As pessoas nos acusam de defender as operadoras. O nosso trabalho é defender o beneficiário, garantir um serviço de qualidade. Obviamente, se a gente coloca isso sob a lógica do rol exemplificativo, o que vai acontecer? Primeiro que um dos princípios consagrados no marco regulatório (Lei dos Planos de Saúde 9656/98) é poder estabelecer um rol taxativo, ter previsibilidade no que está sendo colocado. Se começa a não ter critério, temos um problema sob o aspecto econômico, vai aumentar o custo. Esse é um problema no mundo todo, não só no Brasil. Dando um exemplo grosseiro, temos uma água Prata e uma água Perrier. As duas são águas, hidratam igual. Agora, se você oferecer só Perrier, em vez de pagar R$ 100, você vai pagar R$ 1.000. Fazer essa análise é a nossa função.
Grupos de familiares de pessoas no espectro autista têm reclamado, dizendo que muitos vão ficar sem tratamento. Como o senhor responde a isso?
Tudo que existe em relação ao autismo está incluído no rol. O que está surgindo agora? São técnicas de atendimento a essas crianças. Isso não está no rol. Mas, para que a gente pudesse estudar isso, precisa que seja submetido à agência. Não estamos deixando de atender nenhum paciente autista, ninguém pode dizer isso. Tem uma técnica de atendimento que não está sendo paga pelo rol? Ok, mas ela chegou a ser submetida à ANS? Outras vezes são situações muito específicas. Por exemplo, equinoterapia. Obviamente não dá para colocar tudo, há escolhas. Temos de analisar evidências científicas, custo-efetividade.
Uma outra crítica recorrente é que o rol está sempre desatualizado, que leva muito tempo para incorporara coisas novas...
Não é verdade que o rol só pega medicamentos e procedimentos obsoletos, muito pelo contrário. Se temos hoje uma medicina de qualidade nesse País isso se dá em razão da saúde suplementar, que acaba trazendo novas tecnologias e as incorporando e subindo o nível da nossa medicina. Existia uma crítica muito forte em relação ao tempo de incorporação, mas isso não se sustenta mais. Tínhamos um prazo de dois anos para incorporar e dentro desse prazo havia uma única janela para submeter. O prazo foi reduzido, temos 180 dias para análise e 90 dias para incorporação. Repito: toda e qualquer doença é coberta pelo rol. A gente não está excluindo A em detrimento de B.
As grandes operadoras não poderiam oferecer mais do que oferecem?
As grandes operadoras são 10% desse mercado. Temos 62% de pequenas operadoras. A gente tem de olhar para todas. Uma operadora pequena não tem como arcar com uma doença rara, por exemplo. Ela vai quebrar. E aquelas pessoas que estão lá dentro vão ser jogadas no mercado. Ou não vão mais conseguir pagar um plano de saúde e vão para o SUS. A regulação precisa analisar o impacto regulatório, quais as consequências daquela decisão.
Críticos dizem que será mais difícil agora para os usuários conseguirem uma vitória na Justiça...
Sempre houve a judicialização. A judicialização sempre vai existir. Mas tem a boa judicialização e a má judicialização. A boa judicialização é aquela em que há um serviço para ser prestado e que não foi prestado. Agora, quando você quer um medicamento que não foi aprovado pela Anvisa, um medicamento que não foi incorporado ao rol, aí é diferente. É preciso lembrar que há outros interesses específicos envolvidos nesse processo. Outros atores que têm interesse em que o rol seja exemplificativo, porque consegue comercializar determinados medicamentos. É preciso entender o todo. Se não entender o todo, vira um problema. Fica parecendo que somos o carrasco, que não queremos atender o beneficiário. Muito pelo contrário.
O reajuste de 15% no valor dos planos foi muito criticado, sobretudo neste momento de pandemia e crise econômica. O senhor não acha que foi excessivo?
Trabalhamos por quase um ano para fazer essa norma, levamos para o Tribunal de Contas da União (TCU), para o Ministério da Economia. A USP falou, a FGV se manifestou. Aí vem uma ação da Rede Sustentabilidade questionando o aumento e não critica a metodologia usada, não critica nada. Esse é o problema. O momento em que estamos vivendo é de inflação para todo lado. Tem 49% nos combustíveis, 15% na habitação, 25% na energia. Se for olhar o contexto da pandemia, considerando que em 2021 o reajuste foi negativo, juntando esses dois anos, a gente vai ter um reajuste de 6%. Dá 3% ao ano, considerando esses dois anos. São essas questões que estamos nos colocando à disposição para esclarecer, para que as pessoas entendam a fórmula.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, vem falando muito sobre o chamado "Open Health", o que o senhor acha disso? Pode ser uma solução?
O ministro comprou uma ideia, mas depois ele entendeu como, de fato, funciona o Open Health. Ele falou que está bebendo da fonte australiana. O problema da fonte australiana é que não é sobre Open Health, é sobre prontuário eletrônico, que é uma coisa distinta da portabilidade. No Open Bank, por exemplo se você tem um financiamento com um banco e paga uma taxa de 2%, um outro banco pode oferecer uma taxa de 1,5% e você migra. Ele consegue visualizar os seus dados. O problema dos dados em saúde é que são sensíveis, não podem ser ofertados por outras operadoras sem autorização. Outro ponto é que no setor de saúde suplementar você não pode escolher pessoas com as quais vai comercializar o seu plano. Não posso cobrar R$ 100 de uma pessoa saudável e R$ 500 de um cara que fuma e bebe. Aí, vou começar a fazer uma seleção complicada. Os idosos vão ficar fora do mercado ou terão de pagar uma mensalidade absurda. Ninguém vai querer os doentes crônicos. O ministro já acalmou, começou a entender melhor as amarras constitucionais.
Tem como o plano de saúde ser mais barato?
Algumas situações precisam melhorar muito. Há muitas distorções e desperdícios que acabam aumentando o preço cobrado. As operadoras atuam como intermediadoras financeiras. Elas recebem dinheiro e pagam os prestadores e não se envolvem diretamente no cuidado do paciente. Essa, lógica precisa ser mudada. Hoje, as pessoas mais novas, que usam menos o plano, subsidiam os mais velhos, que usam mais. Em 2030, no entanto, as pessoas com mais de 60 anos serão maioria no Brasil. Então essa conta não fecha quando a pirâmide mudar. Precisamos mudar a visão desse modelo a médio e longo prazo.