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Coronavírus

Por que as vacinas não são solução para acabar com pandemias

Embora a inoculação seja chave para combater a covid-19, ela não vai impedir aparecimento de novas pandemias e, se quisermos evitá-las, saúde pública deve se concentrar na solução dos problemas que as causam, alertam especialistas.

25 set 2021 - 10h24
(atualizado às 10h46)
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"Não podemos nos concentrar em uma vacina para cada novo microorganismo."
"Não podemos nos concentrar em uma vacina para cada novo microorganismo."
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Em dezembro de 2020, foram aprovadas as primeiras vacinas contra a SARS-CoV-2.

Ao longo das campanhas de vacinação, as análises mostraram a alta eficácia desses imunizantes.

Isso não mudou, mesmo diante das novas variantes. As vacinas continuam sendo essenciais quando se trata de reduzir a probabilidade de formas graves da covid-19: hospitalização, internações em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e mortalidade.

Como resultado desses excelentes resultados, foi divulgada a mensagem de as vacinas como uma ferramenta fundamental de saúde pública, e a ciência por trás de sua realização como única saída para a situação atual.

Esse quadro de análise da pandemia — e do conceito de saúde pública que daí surge — carece de profundidade e procura pela raiz dos problemas que esta crise tem evidenciado.

"A medicina é uma ciência social e a política nada mais é do que uma medicina em grande escala", disse o patologista Rudolf Virchow (1821-1902) no século 19.

Da mesma forma, nossa análise deve ir mais longe para tentar compreender um fenômeno que não pode ser reduzido exclusivamente à sua dimensão de saúde.

Pessoas com renda mais baixa que não puderam trabalhar remotamente foram mais expostas durante pandemia
Pessoas com renda mais baixa que não puderam trabalhar remotamente foram mais expostas durante pandemia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Surtos e doenças com perspectiva histórica

Se olharmos para a história das doenças infecciosas, parece difícil imaginar um cenário onde possamos viver sem nos preocupar com os microrganismos presentes em nosso meio.

Apesar de o ônus das doenças infecciosas ter diminuído nos últimos 30 anos, o número de surtos epidêmicos aumentou.

Isso significa que, embora em termos globais, doenças crônicas como o câncer e as doenças cardiovasculares ainda sejam responsáveis pelo maior número de mortes, estamos em uma situação de vulnerabilidade a novas infecções com potencial pandêmico.

Essa alteração ocorre principalmente em surtos de origem zoonótica, nos quais um microrganismo salta de animais para humanos .

Portanto, focar nosso olhar no SARS-CoV-2 torna difícil tentarmos entender as causas do aumento desses fenômenos e seu impacto em nossas sociedades.

Isso colocou as interações com os animais e a destruição dos ecossistemas no centro da pesquisa de novas doenças infecciosas.

Problemas estruturais de saúde afetam impacto individual "rio abaixo"
Problemas estruturais de saúde afetam impacto individual "rio abaixo"
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O conceito de One Health (uma integração da saúde das pessoas, animais e meio ambiente) já é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das principais abordagens para enfrentar os problemas de saúde emergentes.

As causas das causas das pandemias

Uma das principais funções da epidemiologia é descobrir quais são os elementos que nos fazem ter uma saúde cada vez melhor.

Esses determinantes são encontrados em diferentes níveis: alguns respondem às nossas características individuais, mas outros estão associados a elementos estruturais como o sistema de saúde, o local de residência ou mesmo o sistema econômico e político.

É o que pesquisadores e organizações internacionais têm chamado de "determinantes sociais da saúde".

Às vezes são representados como um rio: os determinantes individuais são encontrados na parte inferior, enquanto as "causas das causas" estão na parte superior.

Estes, por sua vez, influenciam as causas que estão "rio abaixo".

Se aplicarmos essa abordagem à pandemia covid-19, podemos localizar três eixos principais de análise:

1. Aumento da frequência de zoonoses

O surgimento de zoonoses depende de um delicado equilíbrio entre pessoas, patógenos e biodiversidade.

No momento em que um desses elementos (como os humanos) altera o equilíbrio de um ecossistema, as consequências podem ir além do impacto inicial.

Há cada vez mais surtos que podem se transformar em pandemias
Há cada vez mais surtos que podem se transformar em pandemias
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Isso pode favorecer o contato com patógenos desconhecidos ou a alteração da biodiversidade que mantinha certos microrganismos em baixo risco para zoonoses.

Algumas das atividades humanas que têm sido relacionadas à maior frequência desses fenômenos têm sua origem em um modelo de produção e extração de recursos que acarreta mudanças no uso do solo, desmatamento ou modificações de microclimas que acabam alterando o equilíbrio dos ecossistemas.

2. Rápida disseminação de doenças transmissíveis

Com a generalização do acesso a meios de transporte como o aéreo, o surgimento em uma parte do mundo de uma zoonose que se transmite entre humanos pode se espalhar internacionalmente a uma velocidade maior do que a capacidade de resposta dos sistemas públicos de saúde.

Além disso, devemos também considerar o impacto ambiental de certos modelos de mobilidade que podem alterar o equilíbrio que mencionamos no primeiro ponto.

3. Impacto desigual da epidemia

Embora a princípio os principais líderes tenham tentado estabelecer um marco de solidariedade argumentando que a pandemia afetou a todos nós igualmente, essa afirmação logo foi desacreditada pelas evidências que estavam sendo coletadas em diferentes partes do mundo.

Pessoas com renda mais baixa que tiveram que continuar trabalhando pessoalmente foram mais expostas durante a pandemia.

Terminada a primeira onda pandêmica, os sistemas de vigilância permitiram observar que o risco de contágio aumentava à medida que diminuía o poder socioeconômico, devido à maior participação em empregos presenciais e à precariedade do trabalho, ou mesmo às condições de moradia que dificultavam o isolamento.

Além disso, a probabilidade de morrer de covid-19 também não seguia uma distribuição homogênea entre os grupos sociais.

Os grupos mais marginalizados têm maior prevalência de patologias — como diabetes ou obesidade — que estão associadas a um quadro grave da doença.

Esse fenômeno de uma pandemia que atua sobre as desigualdades de saúde pré-existentes é conhecido como "sindemia".

Saúde pública com foco nos determinantes sociais não pode se limitar a uma campanha de vacinação
Saúde pública com foco nos determinantes sociais não pode se limitar a uma campanha de vacinação
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

As causas das causas

Como dissemos no início, diante dos bons resultados das vacinas comercializadas, estabeleceu-se um discurso que coloca a vacina como a única ferramenta para mitigar a pandemia.

No entanto, se olharmos para a análise de algumas das possíveis causas das causas da situação atual, a vacina não é dirigida contra nenhuma delas.

As pandemias não são apenas fenômenos virológicos, mas fenômenos sociais cuja forma é determinada pela atividade humana e pela organização de nossa sociedade.

Portanto, se queremos minimizar seu impacto no futuro, não podemos nos concentrar em uma vacina para cada novo microrganismo, mas sim em implementar os meios necessários para reduzir a probabilidade de seu aparecimento, sua rápida disseminação e seu impacto diferencial na população.

Não é uma dicotomia absoluta, mas a atenção às causas das causas requer estratégias e recursos de longo prazo que não produzirão resultados imediatos.

Uma saúde pública com foco nos determinantes sociais não pode se limitar a uma campanha de vacinação, mas deve compreender os fenômenos que estão por trás do surgimento de novas doenças e sua distribuição desigual na sociedade.

Só assim podemos começar a falar da verdadeira saúde pública como ferramenta para resolver os problemas de saúde coletiva.

*Mario Fontán Vela é doutorando em Epidemiologia e Saúde Pública pela Universidade de Alcalá (UAH), em Madri, na Espanha, e Pedro Gullón Tosio, professor-assistente de saúde pública da mesma universidade.

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