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Coronavírus

Por que o Brasil testa tão pouco para covid-19?

País é um dos que menos realiza testes para o novo coronavírus, fundamentais para calibrar reação governamental.

23 abr 2020 - 12h31
(atualizado às 12h36)
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Até fim da primeira onda do coronavírus, em maio ou junho, o Brasil não deve ter capacidade de testagem adequada. Em 16 de março, quando o número de casos de covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus, já estava em queda na China e disparava na Itália e na Espanha, o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, fez uma orientação incisiva a todos os países: "Testem, testem, testem."

São Paulo testou menos de mil pessoas a cada milhão de habitantes. Na Alemanha, foram 24,7 mil
São Paulo testou menos de mil pessoas a cada milhão de habitantes. Na Alemanha, foram 24,7 mil
Foto: DW / Deutsche Welle

A recomendação se tornou um dos pilares da estratégia de combate ao novo coronavírus, ao lado do isolamento social. Como não há remédio nem vacina para a doença, a OMS orientou os países a reduzir a velocidade de disseminação do vírus e a rastrear a contaminação.

O Brasil reagiu tarde e está entre os países mais afetados pela doença que menos testaram a população, e não tem dados consolidados a nível federal a respeito. Questionado pela DW Brasil, o ministério não respondeu por que não há uma contabilização nacional. No estado de São Paulo, epicentro da doença no Brasil, foram testadas até agora menos de mil pessoas a cada milhão de habitantes.

Enquanto isso, os Estados Unidos testaram 13 mil pessoas a cada milhão de habitantes; a Espanha, 19,9 mil; e a Alemanha, 24,7 mil. Na América Latina, o Chile testou 6,7 mil; e o Uruguai, 4,2 mil, segundo dados compilados pelo site Worldometer.

Segundo o médico imunologista Manoel Barral Neto, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a reação tardia do Brasil em termos de testes está relacionada a motivos internacionais e ao contexto nacional. Ele diz que a própria OMS estava atrasada quando decidiu pedir que os países testassem suas populações em massa, em meados de março. "Alguns países já estavam testando em grande escala [nesse momento], mas não era uma orientação geral", afirma.

Quando a testagem em massa passou a ser o padrão internacional, países europeus já haviam se antecipado e adotado essa política, comprando grande quantidade de testes disponíveis no mercado. A escassez dos produtos tornou o acesso a eles mais difícil pelo Brasil.

Para piorar, o Brasil entrou na pandemia em uma trajetória de redução do prestígio e do orçamento em ciência e tecnologia, ancorado nas universidades e laboratórios públicos. "Não havia uma capacidade interna de produção dos reagentes necessários, e faltava escala porque muito estava desativado", diz Barral Neto.

O baixo investimento público em pesquisa desincentiva o próprio setor privado nacional a se organizar para fornecer os insumos e produtos a órgãos do governo. Sem empresas especializadas, a reação fica ainda mais lenta no caso de uma pandemia, diz o imunologista.

O epidemiologista Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas e coordenador de um estudo de larga escala no Brasil para estimar o real número de infectados pela covid-19, também aponta o baixo financiamento em ciência como um dos motivos do atraso da reação do país. "No momento em que chegou a pandemia, as dificuldades estruturais sobre as quais vínhamos alertando se materializou", diz.

Contudo, Hallal afirma que as universidades e órgãos públicos foram capazes de mobilizar seus laboratórios para produzir kits de testes da covid-19 e analisá-los. A Fiocruz, por exemplo, era capaz em março de produzir 2 mil testes do tipo RT-PCR por dia em média, e hoje é capaz de entregar cerca de 30 mil desses testes por dia. A partir de maio, a instituição também deve ser capaz de entregar cerca de 30 mil testes rápidos por dia.

Apesar desses avanços, o Brasil não deve alcançar uma capacidade de testagem adequada até o final da primeira onda epidêmica da covid-19, que pode durar até maio ou junho, diz Barral Neto. Porém, os testes continuarão a ser necessários nas próximas ondas que ocorrerão no futuro, em menor intensidade, até que haja uma vacina contra o vírus.

Testagem por amostra

A testagem da população para covid-19 tem dois objetivos. Numa perspectiva ampla, serve para oferecer aos gestores públicos um retrato preciso da dinâmica da pandemia e dados que fundamentem uma reação governamental calibrada. A testagem também é a base para isolar os contaminados e evitar que eles passem o vírus para ainda mais pessoas.

Na Alemanha, por exemplo, quem testar positivo para covid-19 precisa informar com quem teve contato recentemente, e essas pessoas, por sua vez, devem enviar por e-mail ao governo um questionário com informações básicas e possíveis sintomas. Depois, elas são contatadas pelo telefone e, se for o caso, orientadas a ficar em quarentena preventiva de duas semanas.

No Brasil, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, afirmou nesta quarta-feira (22/04), em coletiva de imprensa, que não haverá "teste em massa" no país. "O que você tem que fazer é usar os testes para mapear a população de forma que sua amostra reflita o todo. Ter o dado, interpretar o dado e tomar iniciativas a partir disso é o que vai fazer toda a diferença", afirmou.

Com essa fala, Teich indica que a prioridade do governo federal, no momento, é usar os testes para a perspectiva ampla: entender a dinâmica da pandemia e calcular a reação por meio de amostras.

Isso é feito de maneira parecida às pesquisas de opinião de voto. Da mesma forma que institutos de pesquisa captam a opinião de uma população por meio de uma pequena amostra dos eleitores, usando cálculos estatísticos, é possível realizar estudos que identifiquem a intensidade da contaminação do vírus no país testando apenas uma amostra de seus habitantes.

É um estudo desse tipo que está sendo conduzido por Hallal. A pesquisa, a ser iniciada na próxima semana, testará cerca de 100 mil pessoas em 133 cidades de todo o país, em três fases de coleta, separadas por intervalos duas semanas. Os testes serão fornecidos pelo Ministério da Saúde.

Hallal já iniciou um estudo semelhante, de menor escala e restrito ao Rio Grande do Sul, de quatro fases. A primeira já foi concluída, e o resultado indica que, no estado, o número de pessoas que já foi infectada pelo novo coronavírus é oito vezes maior do que o número oficial.

Apesar de o ministro da Saúde ter descartado a testagem em massa, na segunda-feira, o Ministério da Saúde anunciou um chamamento público para compra de mais 12 milhões de testes rápidos, elevando a meta do governo de distribuir 46,2 milhões aquisição de testes.

Para Barral Neto, a compra de testes não deve estimular as pessoas a relaxarem o isolamento. "Os testes são importantes, mas sozinhos eles não resolvem. Enquanto não tivermos um panorama adequado, é preciso muita cautela e confiar nas medidas de contenção social", afirma.

Os tipos de teste

Os kits de testagem para covid-19 se dividem em dois tipos. O mais preciso é o RT-PCR, realizado por meio da análise de secreções da boca ou do nariz das pessoas. O material é enviado a um laboratório, que usa máquinas especializadas que conseguem identificar a presença de partes do vírus no fluído coletado.

Esse teste é capaz de apontar a presença do vírus logo nos primeiros dias da infecção, mas demanda pessoal especializado para fazer a coleta da secreção e uma estrutura de laboratórios para analisá-la. Segundo Hallal, é o teste mais indicado caso haja suspeita de que uma pessoa está enfrentando uma infecção aguda.

O outro tipo são os testes rápidos, de análise sorológica. Eles são executados a partir de uma pequena amostra do sangue da pessoa, e são capazes de identificar a presença de anticorpos criados pelo sistema imunológico para combater o coronavírus.

Como o corpo demora cerca de sete dias para desenvolver os anticorpos, pessoas recém-infectadas podem não ser diagnosticadas por esse tipo de teste. Mas os kits são fáceis de usar, e o resultado aparece em poucos minutos. Por isso, diz Hallal, os testes rápidos são os mais indicados para os estudos populacionais por amostragem. A pesquisa que ele está conduzindo usa esse tipo de teste.

Alguns países, como Espanha e Estados Unidos, decidiram devolver aos fabricantes lotes de testes rápidos que não funcionaram a contento. Esses testes usam proteínas desenvolvidas em laboratório que tentam imitar as do coronavírus, mas, em alguns casos, elas podem não ter sido produzidas adequadamente, o que torna impossível identificar se a pessoa tem os anticorpos contra o coronavírus ou não.

Hallal afirma que fez três estudos de validação dos testes que recebeu do Ministério da Saúde e encontrou cerca de 78% de sensibilidade (capacidade de indicar corretamente se uma pessoa possui os anticorpos) e 99% de especificidade (capacidade de indicar corretamente que uma pessoa não possui os anticorpos) neles. "Esses resultados são muito satisfatórios", afirma.

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