Previ não pode ficar amarrada a acordos que impeçam venda de ações, diz diretor
Fundo previdenciário de funcionários do Banco do Brasil quer reduzir a concentração da carteira, deixando o controle das empresas para se tornar um acionista minoritário relevante
RIO - Em meio à turbulência dos mercados durante a pandemia, a Previ, fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, viu sua carteira de participações societárias encolher R$ 6,2 bilhões em 2020. Com patrimônio de R$ 201,8 bilhões, o fundo de pensão tem hoje perto de R$ 84,5 bilhões investidos em ações de companhias como Vale, Magazine Luiza, Petrobrás e Neoenergia. O diretor de participações da entidade, Denísio Liberato, afirma que apesar de ter sofrido com a crise o fundo "teve estômago" para não realizar perdas. Em entrevista exclusiva, ele destaca a busca por liquidez e cita o fim do acordo de acionistas da Vale como o mais recente passo nessa direção.
"A Previ passa a ter a liberdade de tomada de decisão em relação ao que vai fazer com sua participação. Isso deixa claro o norte de busca de liquidez", disse ao Estadão/Broadcast. O maior fundo de pensão do País não abre, porém, qual será sua estratégia em relação aos papéis da Vale a partir de agora.
A extinção do acordo de acionistas da mineradora, no último dia 9, liberou para venda R$ 68 bilhões em ações detidas por seus signatários. Além da Previ e outros fundos de pensão estatais reunidos na Litel, faziam parte do bloco de controle o BNDES, por meio de seu braço de participações, a Mitsui e a Bradespar. Na última segunda-feira, 23, o banco público vendeu 40 milhões de papéis da Vale, embolsando R$ 2,5 bilhões numa tacada. A operação foi provocada pelo comprador, o que mostra que há uma janela para a venda dos papéis.
Na data do fim do acordo, a Previ tinha uma participação direta de 4,71% em ações ON da Vale, em montante de R$ 15,7 bilhões, o maior valor entre os das 34 empresas participadas da carteira do fundo. Detinha ainda 80,62% dos papéis da Vale nas mãos da Litel/Litela, em uma fatia que somava aproximadamente R$ 30 bilhões. Ou seja: são mais de R$ 45 bilhões em participação direta e indireta.
Segundo Liberato, a fundação pretende dar seguimento à política de reduzir a concentração da carteira de ações, deixando o controle das empresas para se tornar um acionista minoritário relevante. O movimento, que reduz riscos, entrou em compasso de espera por conta do choque nos mercados com a covid-19, mas vem sendo retomado à medida em que os preços dos ativos se recuperam. E o fundo tem entrado em novas companhias. Na nova safra de ofertas públicas de ações na Bolsa brasileira, por exemplo, a Previ participou dos IPOs de Lojas Quero-Quero, Grupo Mateus e Petz.
Apesar da meta de diversificação no médio prazo, em 2020 a forte concentração de investimentos na Vale foi favorável à Previ. A recuperação da carteira de renda variável a partir de maio, após o auge da pandemia, foi impulsionada especialmente pela performance da mineradora, cujo carro-chefe, o minério de ferro, está perto da máxima histórica de preços.
"A China conseguiu estancar a crise rapidamente e a pressão nos preços das commodities veio forte. A Previ tem exposição relevante em minério de ferro (via Vale). Isso puxou a carteira, que hoje tem desempenho superior ao de mercado", destaca Liberato.
A renda variável foi o segmento de investimentos que mais sofreu na crise dentro do portfólio da Previ. Embora apresente desempenho bem acima do IBrX, índice de referência, a rentabilidade negativa acumulada chegou a 5,29% até setembro. No ápice da crise, em abril, o indicador chegou a ficar negativo em mais de 20%.
Pagamentos
O fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil persegue a liquidez porque precisa estar preparado para fazer frente ao pagamento de benefícios, em especial do Plano 1, o maior e mais antigo. Dos cerca de sete mil funcionários ativos no Plano, 75% já podem se aposentar a qualquer momento, e quase todos os demais poderão requerer seus benefícios em até três anos. A folha de pagamento de benefícios está estimada em R$ 13,8 bilhões para 2021, quando atingirá seu pico.
"Não dá para ficar amarrado a acordos que impeçam o fundo de fazer vendas", diz Liberato, ponderando que pelo tamanho da Previ, qualquer movimento deve ser gradual. "Tem que ser paulatino e muito bem pensado. Estamos passando por uma crise sui generis. Não se pode vender um papel depreciado para fazer realocação no meio da pandemia", conclui.
Atualmente, entre as empresas em que a Previ está - com assento no conselho ou mais de 0,25% de seu patrimônio investido -, o fundo tem acordos de acionistas remanescentes na Invepar, onde detém uma fatia de 25,26%, na Neoenergia (30,29%) e na fabricante de bens de capital Tupy (25,88%).
Segundo a Previ, todos os acordos têm desenhos que permitem a desvinculação do fundo se preciso, à exceção da Invepar. A concessionária de infraestrutura, aliás, tem enfrentado reveses, sendo o último a encampação da Linha Amarela pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella. O caso está no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, para especialistas, tende a aumentar a insegurança jurídica no setor.
"O gargalo do Brasil é a infraestrutura, então é um setor com belo potencial de crescimento. Em saneamento, nossos números são medievais. O que precisa é arredondar a bola do ambiente de negócios", diz, ao ser questionado sobre se o episódio reduz o apetite da Previ pelo setor. "A infraestrutura no mundo todo é financiada por investidores institucionais. No Brasil não vai ser diferente se os problemas forem endereçados", avalia Liberato.