Quais os tipos de exames para covid-19 e por que os testes rápidos geram controvérsia
Vários métodos distintos têm sido usados para detectar presença do novo coronavírus ou resposta imunológica ao vírus, mas alguns têm eficácia questionada por especialistas.
Com o número de novos casos e mortes provocados pelo novo coronavírus aumentando todos os dias no Brasil, e agora com a flexibilização da quarentena em várias cidades, ganha ainda mais importância a discussão sobre a necessidade da realização de testes em massa.
Essa é, inclusive, a principal recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) — junto com o isolamento social—- para conter a disseminação do Sars-CoV-2, vírus causador da covid-19.
Uma alternativa que pode ser usada como apoio para a avaliação do estado imunológico de pacientes é o teste rápido, como ficou conhecido o exame com metodologia imunocromatografia, que é a geração de cor a partir de uma reação química entre o antígeno (substância estranha ao organismo) e o anticorpo (elemento de defesa).
Inicialmente, esse teste foi liberado apenas para uso em ambiente hospitalar e clínicas das redes públicas e privadas e, posteriormente, em farmácias — neste caso, os estabelecimentos têm de atender às condições operacionais e técnicas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Esse tipo de exame é feito colhendo uma amostra de sangue total, soro ou plasma do paciente por furo no dedo ou na veia, e serve para detectar se o corpo teve contato com o vírus e desenvolveu proteção contra ele (as imunoglobulinas IgM e IgG). O resultado sai, em média, em 30 minutos.
Ele só é indicado a partir do sétimo dia após o surgimento dos sintomas da doença, tempo necessário para que o organismo produza quantidade suficiente de anticorpos.
É preciso salientar que, apesar de ser de fácil execução, já que não necessita de equipamentos de apoio, como os usados em laboratórios, o teste rápido é de uso profissional, o que significa que, mesmo sendo vendido em farmácia, não dá para comprar e fazer em casa — como os de gravidez —, e seus resultados devem ser interpretados por um médico ou técnico da área da saúde.
O grande problema envolvendo esse produto é que ele não é unanimidade entre os especialistas. A biomédica Alexandra Reis, especialista em padronização e desenvolvimento de exames moleculares em laboratório de rotina e diretora científica da Testes Moleculares, empresa de biomedicina e tecnologia, afirma que sua especificidade (capacidade do teste de identificar os casos negativos) e sensibilidade (capacidade que o mesmo teste tem de identificar os casos positivos) não são boas.
"Quando esses testes começaram a chegar ao Brasil (a imensa maioria é importada), o próprio Ministério da Saúde disse que a chance de erro em resultados negativos para o novo coronavírus era de 75%. Então, por que gastar dinheiro com isso?", questiona.
Segundo a profissional, a sua utilização para controle epidemiológico pode fazer com que o Sars-CoV-2 continue se alastrando de forma descontrolada pelo país, pois dá a percepção de falsa segurança e confunde as pessoas, criando grande risco, sobretudo nesse momento de reabertura gradual das atividades.
"Falta informação sobre qual a melhor metodologia para conduzir a testagem em massa. Muitas vezes, a opção é pela de menor custo, mas, ao final, isso pode ter um ônus enorme para a saúde da população", acrescenta.
Para Luiz Fernando Barcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (Sbac), os testes rápidos, que ele nem gosta de chamar dessa forma ("Dá a impressão de ser algo simples, banal, e não é o caso, já que possuem tecnologia complexa"), têm seu valor, mas desde que escolhidos e aplicados corretamente e no momento adequado.
"Eles são absolutamente importantes quando utilizados dentro de uma estratégia e sabendo que seu objetivo não é o diagnóstico da doença, e sim o controle epidemiológico, para identificar se a pessoa teve ou não contato com o vírus", comenta.
O especialista pondera que, como o cenário atual é muito complexo, sobram dúvidas e isso acaba impactando nas testagens.
"Estamos enfrentando o desconhecido, ainda não sabemos exatamente como o novo coronavírus se comporta e nem como é a resposta imunológica dos indivíduos. Somam-se a isso os fatos de que os exames precisaram ser desenvolvidos rapidamente, a toque de caixa, cada um a partir de uma substância diferente, o que faz com que não respondam da mesma forma, e a angústia generalizada que se instalou, com todo mundo querendo fazer teste, saber se tem ou teve a doença", complementa.
Programas avaliam eficácia dos testes
Diante das incertezas em relação aos testes rápidos, a Anvisa diz que "avaliou e aprovou o registro de vários que demonstraram atender aos critérios de segurança e eficácia estabelecidos nos Regulamentos Sanitários vigentes" e que "todo produto é único e apresenta limitações de uso e desempenho, que precisam ser consideradas na escolha do serviço de saúde".
Relata ainda que, em parceria com o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (INCQS/Fiocruz), "desenvolveu um programa de monitoramento analítico a fim de medir, por meio de ensaios laboratoriais, o desempenho e a precisão dos produtos que estão sendo colocados para consumo no Brasil".
O instituto participa ainda uma força-tarefa formada pela Sbac, Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) e Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL).
As entidades criaram o Programa de Avaliação de Kits de Diagnóstico para Sars-CoV-2, com o objetivo de dar uma referência aos mercados público e privado, em termos de performance, dos testes de diferentes metodologias disponíveis e registrados junto à Anvisa.
Em se tratando dos rápidos, por enquanto, foram analisados cinco produtos. O presidente da Sbac adianta que a maioria apresentou resultados parecidos com os informados pelos fabricantes quando aplicados mais de 10 dias após o surgimento dos sintomas da doença.
"Como tudo ainda é muito recente, a avaliação do desempenho dos kits é importante para auxiliar na melhor escolha, fornecendo mais segurança e controle da pandemia em todo o Brasil", pontua Barcelos.
O programa utiliza a estrutura dos laboratórios associados, como o do Hospital Albert Einstein, Dasa, Fleury, Diagnósticos do Brasil, Hermes Pardini, Sabin, Emílio Ribas e Laboratório Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (FMUSP), e tem como meta analisar, além dos testes registrados pela Anvisa, os que ainda estão sendo importados em caráter excepcional (sem registro).
O que dizem fabricantes e importadores?
Há alguns meses, a Bonelink Medical Devices, empresa especializada na distribuição direta e indireta (broker) de OPME (órteses, próteses e materiais especiais), está comercializando no mercado nacional o teste combinado de anticorpos 2019-nCoV Ab (Colloidal Gold), da chinesa Innovita Biological Technology.
Até o momento, importou 700 mil unidades, adquiridas majoritariamente por grandes corporações e indústrias para a testagem de seus funcionários. O preço dos kits, que detectam separadamente os anticorpos IgM e IgG, variam entre R$ 85 e R$ 120, dependendo da demanda.
Rafael Verona, sócio da companhia, avalia que o produto tem altos índices de sensibilidade e especificidade — 87,3% e 100%, respectivamente.
"É um teste muito eficaz, assertivo. O que é importante deixar claro é que o organismo demanda um tempo para a produção de anticorpos (janela imunológica) a partir do contágio, então, se a aplicação acontecer no momento errado, existe a possibilidade de o resultado ser incorreto, mas isso é algo que pode acontecer com qualquer tipo de exame", informa.
Outra empresa que trabalha com testes de sorologia é a Hi Technologies, startup paranaense de equipamentos de saúde. Como explica Marcos Figueredo, CEO e co-fundador, eles não vendem o produto em si, mas prestam um serviço laboratorial completo para hospitais, clínicas, farmácias e postos de saúde, entre outros estabelecimentos.
O procedimento, neste caso, é um pouco diferente: o sangue do paciente é coletado por um profissional treinado e colocado em contato com os reagentes dentro de uma pequena cápsula descartável. Ela, então, é depositada em um equipamento portátil conectado à internet, chamado de Hilab.
O dispositivo cria uma "versão digital" da amostra e a transmite instantaneamente para uma equipe de biomédicos instalados em um laboratório físico, localizado em Curitiba, no Paraná. Lá, os especialistas, com o auxílio de inteligência artificial, fazem a análise e emitem o laudo. Esse processo leva cerca de 15 minutos, e o preço varia entre R$ 100 e R$ 260.
"Nosso exame tem uma acurácia alta, de 92,9% para o IgM, e de 98,6% para o IgG", diz Figueredo. "Há muita desinformação sobre os testes rápidos para Covid-19, afinal, tudo é recente demais. É claro que eles e os demais desenvolvidos para a detecção do novo coronavírus ainda não têm a sofisticação de um exame de HIV, por exemplo, pois já se sabe muito sobre ele e a doença. Mas não se pode ignorar a sua importância", complementa o CEO e cofundador da Hi Technologies.
Tipos de testes existentes para covid-19
Atualmente, no Brasil, estão disponíveis exames moleculares (para a pesquisa do vírus) e imunológicos (para a pesquisa de anticorpos).
Os primeiros são usados para o diagnóstico da doença e mais importantes na sua fase ascendente. Fazem a identificação através do material genético do vírus.
O considerado referência (padrão ouro) é o RT-PCR, capaz de detectar a presença do Sars-CoV-2 a partir de 24 horas após a contaminação — e, em média, até o 12º dia.
Esse tipo de exame é realizado utilizando material da naso-orofaringe (nariz ou boca), coletado com um swab, instrumento parecido com haste flexível de algodão. A análise é feita em laboratório e o resultado pode demorar de horas a dias.
No caso dos imunológicos, as metodologias empregadas — além da imunocromatografia (teste rápido) — são as sorologias imunoensaio enzimático (ELISA) e quimiluminescência.
Ambos verificam a resposta imunológica do corpo em relação ao vírus, mostrando quem já foi contaminado, e a indicação é para a fase descendente da infecção.
Os exames são feitos por meio de amostra de sangue venoso e têm melhor resposta se aplicados de 7 a 10 dias após o surgimento dos sintomas. Também são processados e analisados em laboratório, com o uso de máquinas, e podem demorar de dias a horas para terem os resultados liberados.