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Coronavírus

'Quarentena para quem?': trabalhadores enfrentam rotina de ônibus cheio e proteção precária

'Se não tiver uma ajuda, quem não tem renda fixa ou dinheiro guardado passará fome', diz catadora de reciclagem que também sustenta marido desempregado e três filhos.

31 mar 2020 - 05h17
(atualizado às 07h33)
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Márcia Lima, Rodolfo Pessoa e Tatiana da Silva
Márcia Lima, Rodolfo Pessoa e Tatiana da Silva
Foto: Arquivo Pessoal / BBC News Brasil

Todos os dias quando liga a TV para acompanhar as notícias dos telejornais em meio à pandemia de coronavírus, a catadora de materiais recicláveis Janaina de Melo ouve um recado incessante: "Fique em casa".

Empurrando uma carroça ao lado dos filhos de 12 e de 13 anos, Melo diz que a pandemia de coronavírus não vai fazê-la parar. Pois é o trabalho dela que sustenta não só os adolescentes, mas também uma filha de 3 anos e o marido desempregado. E afirma que a política de isolamento adotada pela Prefeitura do Rio de Janeiro (onde ela vive) — seguindo as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) — derrubou o lucro dos coletores.

"O movimento na rua está bem baixo. As pessoas não podem sair de casa, não podem fazer festa, churrasco, e não produzem tanta latinha. Nas últimas semanas, caiu muito o volume, e também o preço. (Cada kg de) latinha custava R$ 2,80, mas hoje está R$ 1. A garrafa PET saiu de R$ 1,20 para R$ 0,80 e só o óleo continuou R$ 1 o litro", relata.

Antes, ela conta que tinha uma meta de receber R$ 100 quando levava material para vender, às segundas e sextas. Mas última semana, conseguiu apenas R$ 30 em cada dia. A única renda fixa da família, que mora na favela Costa Barros, é o Bolsa Família no valor de R$ 230.

"De duas semanas para cá, as pessoas não estão acumulando coisas em casa. Não nos passam mais reciclagem. Eu entendo que elas podem até ter medo, mas deu uma queda muito brusca", afirma.

E enfatiza que não tem condições de obedecer os recados para ficar em casa. O que ela faz é apenas se proteger da maneira que pode, lavando com água e sabão as mãos e a caçamba da carroça que ela usa assim que termina o serviço.

Ela disse que nenhum dos amigos carroceiros dela contraíram o vírus.

"Me vejo fazendo um trabalho essencial, que contribui até com o meio ambiente. Enquanto muitos sujam, eu tiro da rua e faço minha renda. Sei que é pela saúde de todos o isolamento. Mas, se não tiver uma ajuda, quem não tem renda fixa ou dinheiro guardado passará fome. Só quero que tudo se normalize e que a população e o poder público tenham mais respeito pelos catadores", diz Melo.

O Movimento Pimp My Carroça criou um financiamento coletivo para garantir uma renda mínima aos catadores para que eles possam ficar em casa e evitem a transmissão do coronavírus. O dinheiro arrecadado será distribuído entre os cerca de 3 mil catadores cadastrados no aplicativo Cataki, que conecta catadores a pessoas que produzem reciclagem.

Nesta segunda-feira (30/03), o Senado votará o pagamento de um auxílio emergencial de R$ 600 durante três meses para os trabalhadores brasileiros sem carteira assinada.

Preocupação com a mãe

Dentro de uma cabine, o porteiro Rodolfo Pessoa Viana passa o dia vendo pessoas passando, recebendo encomendas e liberando o acesso de visitantes em um prédio em Moema, na zona sul de São Paulo. O medo de contrair coronavírus o deixa ansioso toda vez que escuta a recomendação para ficar em casa.

"Quarentena para quem? Ouvir isso para mim é um desespero, um terror. Toda vez que eu escuto para ficar em casa me bate preocupação e muito medo. Eu moro com a minha mãe de 62 anos e tenho esse sentimento de pânico por não poder ficar em casa", diz, em entrevista à BBC News Brasil.

Viana, que trabalha em dias intercalados, disse que não conseguiu nem mesmo reduzir a carga horário no trabalho. A maior preocupação dele é o risco de se contaminar no trajeto entre a casa dele, na favela de Paraisópolis, e o trabalho em Moema, ambos na zona sul de São Paulo. No deslocamento, ele pega um ônibus e um metrô.

"A gente não pode reduzir o trabalho porque os condôminos dependem da gente. Mas eu saio com muito medo. Tenho álcool em gel, uso luvas na mãos e máscara. O que mais assusta é que muita gente que está na rua, na verdade, deveria estar em casa", afirma.

No trajeto das ruas estreitas da maior favela de São Paulo até o condomínio no bairro de casas de alto padrão onde trabalha, Viana identifica uma clara disparidade de cuidados e preocupação em relação ao coronavírus.

"No meu bairro, acham que não está acontecendo nada, não estão nem aí. A rua está cheia e os moradores ainda falam que (o vírus) é uma mentira. Isso aumenta meu medo. Mas quando eu chego na Estação João Dias do metrô, vejo todo mundo de luvas e máscara", diz.

O porteiro conta à reportagem que não anda com luvas porque não encontrou nenhuma à venda.

'Os outros dependem da gente'

Já a cobradora de ônibus Márcia Cristina Chaves Lima passa o dia com luvas e máscaras e muito tensa ao presenciar centenas de pessoas girando a catraca à sua frente. O medo, não só de pegar o vírus, mas também transmiti-lo para a mãe, de 77 anos, é tão grande que Lima deixou o sobrado onde mora com a família há uma semana e passou a dormir na casa do noivo.

A irmã mais nova de Lima trabalha em um hospital e, por ter mais chances de entrar em contato com o vírus, passou a dormir isolada em um cômodo na parte de baixo do sobrado da família.

"Minha mãe pergunta: 'Você vai vir aqui hoje? Vem aqui.' Mas eu respondo que não posso e só converso com ela por telefone. Eu trabalho muito exposta. Estamos fazendo a nossa parte para cuidar de quem a gente ama, mas ainda tem muitos idosos na rua. Muita gente não está levando a sério", afirma.

Ela conta que a empresa tomou diversas medidas de segurança, como ter adotado uma limpeza especial dos ônibus e a distribuição de álcool gel para os funcionários. Mesmo com tantos cuidados, diz que tem medo de ser contaminada. Mas reconhece que precisa trabalhar porque oferece um serviço essencial à população.

"Se pudéssemos ficar em casa, ficaríamos. Transportamos pessoas da área de saúde, posto de gasolina, supermercado e não podemos ficar sem eles. A gente não pode parar de trabalhar", afirma.

A cobradora diz que nenhum funcionário acima de 60 anos está trabalhando e que os ônibus estão circulando com frota reduzida e, mesmo assim, vazios.

Já a faxineira Tatiana Aparecida da Silva trabalha na linha de frente do risco de contaminação. Ela é uma das responsáveis pela limpeza de um hospital de São Paulo.

Em meio à pandemia de coronavírus, ela precisa tomar cuidados redobrados. Isso porque trabalha não só nas áreas comuns, como corredores e salas de espera, mas também faz a limpeza dos quartos do hospital.

Ela avalia como incoerentes as críticas do presidente Jair Bolsonaro contra o isolamento social de todos os brasileiros.

"Não parei de trabalhar um só dia, mas seguindo todas as orientações e acreditando na minha fé. Mas achar que todos devem sair de casa e contar com a sorte? Acho que vivemos em uma democracia, então quem quiser assuma os riscos", afirma.

Ela diz que tenta se manter calma porque disse não poder de trabalhar.

"Quem cuida de quem precisa não pode ficar doente. A gente tem que blindar a nossa mente. Tive colegas que saíram com medo de estar muito vulnerável e entrar nas estatísticas. Mas tem que encarar. Eu assisto todos os noticiários, mas não deixo o pânico entrar na minha mente. Eu sigo todas as técnicas de segurança e tenho fé".

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