Rossi vê Bolsonaro mais preocupado com votos do que economia
Candidato de oposição no Congresso diz que, se eleito, vai trabalhar para exigir que governo compre vacina
Diante da ofensiva explícita do Palácio do Planalto para trocar recursos do Orçamento pelo apoio de parlamentares à candidatura de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) diz ao Broadcast Político que o presidente Jair Bolsonaro está se empenhando mais pela campanha de seu adversário do que pela própria agenda do governo. "Os recursos não estão sendo comprometidos para uma agenda de retomada do desenvolvimento e superação da pandemia, e sim na utilização da força do governo para angariar votos", afirma.
Às vésperas da eleição que vai decidir quem comanda a pauta da Câmara nos próximos dois anos, Baleia afirma que passará o final de semana em ligações e encontros com congressistas em busca de votos. Confiante na vitória, ele diz que a vacinação será a prioridade número um e que o Parlamento pode aprovar medidas que exijam do governo a aquisição de imunizantes produzidos pelo Instituto Butantan. Ele defende ainda o fortalecimento das políticas sociais, mas coloca no colo do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente Jair Bolsonaro a responsabilidade em adotar as "medidas amargas" necessárias para criar o espaço no Orçamento. Confira os principais trechos da entrevista:
O MDB, partido que o sr. preside, sempre esteve ao lado de governos, ocupando cargos e com a imagem muito atrelada ao fisiologismo. Hoje, é o presidente Jair Bolsonaro quem usa da prática de distribuir cargos e verbas, para conseguir apoio. O sr. considera irregular a forma que o presidente tem atuado?
Baleia Rossi: É legítimo que o presidente busque uma base parlamentar, mas para uma agenda de País, para um compromisso com agendas estruturantes, de reformas, projetos que sejam importantes. Essa atitude do governo de trocar emendas e cargos por voto para a presidência da Câmara dos deputados diminui o Parlamento. Faz com que os parlamentares não tenham autonomia no exercício dos seus mandatos. Por isso, acho que é indevido. Mas também entendo que isso está fazendo com que haja um fortalecimento da nossa candidatura, porque o que nós defendemos é uma Câmara livre, independente, mas que também pode contribuir com uma agenda para superar a pandemia e para a economia voltar a crescer, gerando emprego e renda.
Como o senhor vê o fortalecimento de sua campanha agora, enquanto o Placar do Estadão mostra vantagem de Lira e há essa possibilidade do DEM ir para o bloco do adversário?
Rossi: Estou conversando com cada um dos parlamentares, inclusive, com uma repercussão muito grande dessa reportagem do Estadão (R$ 3 bilhões em obras a 285 parlamentares em meio à eleição no Congresso), mostrando que o governo está tentando disponibilizar recursos única e exclusivamente para angariar votos para a presidência da Câmara. Vejo que o desespero do nosso adversário é tentar causar instabilidade no nosso bloco. Estou absolutamente confiante com a presença do DEM no nosso bloco original, que foi inclusive que deu origem a essa construção da frente ampla.
O senhor vê o presidente Bolsonaro mais disposto a se mobilizar para eleger seus candidatos do que para aprovar a pauta do próprio governo, principalmente a econômica?
Rossi: Exatamente é essa a crítica que eu faço. Não sou contra emendas parlamentares. Nunca fiz qualquer crítica sobre o parlamentar representando sua base ir buscar emenda para santas casas, para desenvolver obras importantes para os municípios. A lei orçamentária é feita exatamente nesse sentido. O que eu critico é que haja essa utilização para angariar votos.
Mas o que isso diz da postura do presidente?
Rossi: Estamos vendo que esses recursos não estão sendo comprometidos para uma agenda de retomada do desenvolvimento e superação da pandemia, e sim na utilização da força do governo para angariar votos.
Como ser um candidato independente se no Senado o MDB está apoiando o candidato do governo, Rodrigo Pacheco?
Rossi: Não tem nenhuma relação entre a eleição da Câmara e no Senado. São duas eleições autônomas, não participei de nenhuma discussão no Senado, como os senadores não participaram na Câmara. O MDB desde a eleição para a minha presidência decidiu, em convenção nacional, que não participaria do governo. Temos senadores que são líderes do governo, mas escolhidos pelo presidente da República e não indicados nem pela liderança do Senado nem da Câmara e muito menos do partido.
Caso seja eleito, como o senhor deve tratar a pauta de costumes, uma das bandeiras de Bolsonaro?
Rossi: A pauta de costumes divide o Parlamento, a sociedade e não é prioritária. Nós temos duas pautas prioritárias, primeiro a superação da pandemia que já levou mais de 220 mil vidas no Brasil e, infelizmente, sem uma vacinação em massa, não vemos uma perspectiva de superarmos rapidamente. E a retomada do crescimento econômico, a pauta de reformas.
Sobre a vacinação, vemos o governo se debatendo muito com a implementação do plano de imunização. Como a Câmara pode ir além do discurso? Quais medidas práticas pode adotar?
Rossi: Tem de exigir do governo, por exemplo, a compra das vacinas do Instituto Butantan. É a vacina que nós temos hoje no Brasil e não dá para ter qualquer tipo de dúvida sobre a compra dos novos lotes. A condução do enfrentamento da pandemia tem muitos erros. Tem muita gente que desinforma a população e isso é muito ruim.
A exigência seria por meio de um projeto, ou mais um trabalho de corpo a corpo com o Ministério da Saúde?
Rossi: Pode acontecer de todas as formas. Pode acontecer, assim que a gente voltar nas sessões legislativas, através de medidas que exijam que o Ministério da Saúde compre as vacinas ou na força política que tem o Parlamento de mostrar para o ministério que é um erro não comprar essas vacinas.
Se tiver até segunda, 1º, as 171 assinaturas necessárias para a CPI do coronavírus, o presidente Maia deveria deferir o pedido de abertura?
Rossi: Se tiver objeto determinado, se tiver as assinaturas necessárias, não vejo motivo para não dar início a uma CPI. Se presidente Rodrigo fará ou não, depende de uma decisão dele, que vou respeitar.
O presidente Maia disse que, na avaliação dele, o ministro Pazuello cometeu crime em relação ao ocorrido em Manaus. Qual é a avaliação do sr., não só em relação ao ministro da Saúde, mas também sobre a postura do presidente Jair Bolsonaro? Houve omissão ou crime?
Rossi: Não vou antecipar juízo de valor. Aguardarei o inquérito que foi instaurado pelo Supremo e pela Polícia Federal. Aí sim nós saberemos qual foi a responsabilidade de cada um. E claro, se instalada uma CPI, vai ser exatamente para investigar se houve ou não crime.
A partir dos resultados do inquérito e da CPI, se for de fato instalada, o sr. vê condições de discutir eventual processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro?
Rossi: O meu compromisso com todos os partidos da frente ampla é analisar, à luz da Constituição, todos os pedidos que estão protocolados. Nossa candidatura não é de oposição. Vamos cumprir a Constituição, fazendo com que a Câmara seja independente e harmônica, com diálogo entre os poderes.
Qual é a chance de avanço na agenda econômica, levando em conta o ambiente no Congresso e também a ausência de apoio mais explícito do presidente Bolsonaro?
Rossi: Precisamos instalar urgentemente a CMO (Comissão Mista de Orçamento) para poder votar o Orçamento. Temos a PEC 45, que é a nossa reforma tributária, que está mais do que madura para ser votada e aprovada pela Câmara e pelo Senado. São prioridades nesta área econômica. É importante que, já no início da nossa administração, a gente possa buscar consenso em torno da reforma tributária, votar e aprovar. Tenho certeza de que, para a nossa economia, isso será muito importante. Se nós já tivéssemos votado a PEC 45, tenho convicção de que não teríamos perdido a Ford. Vivemos momentos de desindustrialização do País porque nosso sistema tributário é complexo, cheio de cumulatividade, tira a competitividade das empresas, atrapalha o crescimento do País. Essa pauta é absolutamente prioritária.
Há uma expectativa de que o Orçamento seja aprovado apenas em abril. Seu adversário, Arthur Lira, fala em entregar em fevereiro, por acordo. Quando o sr. prevê ser possível aprovar?
Rossi: Acho que a Câmara precisa se debruçar junto com o Senado, já que a CMO é uma comissão mista, para que no menor prazo possível a gente possa votar o Orçamento. Nós já deveríamos ter votado o Orçamento. Uma briga que foi conduzida pelos partidos que apoiam meu adversário fizeram com que não tivesse instalação da CMO e não votamos o Orçamento. Eles têm responsabilidade sobre isso. Agora, precisamos dar respostas.
O sr. não estipula prazo?
Rossi: É difícil, porque não depende do presidente do Senado, não depende do presidente da Câmara. Depende da CMO e do convencimento de todos os parlamentares. Como presidente da Câmara, farei um apelo para que seja o mais rápido possível.
O risco de faltar dinheiro para pagar salários de servidores pode empurrar o Congresso a agir com urgência?
Rossi: É muito preocupante. Temos que dar respostas, ainda mais num momento de pandemia, em que faz toda a diferença a pessoa ter seu pagamento em dia. Isso é uma questão de responsabilidade do governo e, claro, com essa realidade, acredito que o Parlamento terá sensibilidade para agir de maneira rápida.
O sr. listou Orçamento e reforma tributária como prioridades iniciais. Onde entra a nova rodada do auxílio emergencial?
Rossi: O ministro Paulo Guedes e o Ministério da Economia devem ser os responsáveis por encontrar espaço no Orçamento, dentro do teto (de gastos), dentro da política de ajuste fiscal, ou para reforçar o Bolsa Família, ou para um novo auxílio emergencial com outros moldes, porque a gente sabe que não é possível ter um auxílio emergencial semelhante ao do ano passado. Mas a área social e a proteção dos vulneráveis têm que ser uma prioridade. Entendo que cabe ao Ministério da Economia encaminhar o projeto e, da minha parte como presidente da Câmara, vamos votar com muita urgência.
O ministro Paulo Guedes e sua equipe já têm muito bem delineado o que pode ser cortado, só que o próprio presidente Bolsonaro já interditou alguns debates e, de outro lado, o Congresso também resiste. Como resolver o impasse, já que ninguém quer cortar gastos, mas todo mundo quer dar o auxílio?
Rossi: Todas as medidas na área econômica para acolher os vulneráveis, e esse auxílio emergencial é fundamental para que a fome não aumente no Brasil e para que a gente possa ter milhões de brasileiros com o mínimo possível para superar a pandemia, exigem às vezes medidas amargas. O governo precisa assumir seu papel e fazer com que haja um projeto para atender o auxílio emergencial.
É essencial o presidente Jair Bolsonaro apoiar essas medidas amargas?
Rossi: É fundamental. Por isso que eu entendo que, nesse momento, até para que haja celeridade, o governo apresente as propostas. Temos um projeto do senador Tasso Jereissati e temos um projeto do Eduardo Barbosa e de outros deputados que está na Câmara que visam ao fortalecimento do Bolsa Família, que visam mais recursos para áreas sociais dentro do teto de gastos, dentro do ajuste fiscal. São projetos que vão avançar, que são relevantes, mas que não conseguem a urgência necessária para um novo auxílio emergencial ou reforço do Bolsa Família. O governo tem que assumir suas responsabilidades.
Os dados do Caged, que mostraram geração de vagas em 2020, foram interpretados por algumas pessoas como evidência de que talvez o auxílio e novas medidas de proteção ao emprego não sejam tão necessárias neste momento. O sr. concorda?
Rossi: O fato concreto é que o Brasil vai sair da pandemia mais pobre, mais desigual, com mais dificuldades e com mais desempregados. Nós temos que ter uma prioridade para quem passa fome. Não podemos virar a cara para uma realidade. Se conversar com prefeitos, vereadores, agentes públicos municipais, nas cidades em que a população mora, a realidade é outra. Tem gente voltando a passar fome, e isso tem que ser uma prioridade do governo.
Como o sr. tratará a pauta de privatizações? Parlamentares importantes do MDB se opõem à privatização da Eletrobras. Além disso, fala-se que, para ter o apoio da esquerda, o sr. teria acordado não dar celeridade a essa pauta.
Rossi: Não existe nenhum assunto proibido. O que nós vimos é que o governo não está priorizando a pauta das privatizações. Tivemos duas perdas recentes que demonstram isso, primeiro a saída do Salim Mattar (ex-secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia) do governo. Depois, a saída do Wilson (Ferreira Jr., presidente) da Eletrobras. Se essa não for uma agenda prioritária do governo, do presidente da República, ela não andará na Câmara nem no Senado. Esse é o fato concreto.
As defecções de seu grupo em direção à candidatura de Lira põe abaixo a articulação para uma candidatura de centro contra Bolsonaro em 2022?
Rossi: A nossa frente ampla, que foi construída com muito diálogo, respeitando as diferenças para defender a democracia e independência da câmara, foi feita para a presidência da Casa. Nós não estamos conversando ainda sobre 2022.